quarta-feira, janeiro 11, 2012

A privataria quer bicar o Fundão - ELIO GASPARI


FOLHA DE SP - 11/01/12
A patuleia do Rio doou o dinheiro, o Exército ficou com o terreno, e o prefeito vai doá-lo à General Electric


O prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, concedeu à General Electric, por 50 anos, um terreno de 47 mil metros quadrados para que ela construa um centro de pesquisas na Ilha do Fundão.

O doutor comprou a gleba ao Exército, pagando R$ 13 milhões. Aquilo que pode parecer um episódio de modernização da cidade é um capítulo da dilapidação do patrimônio da Viúva e dos impostos pagos pelos cariocas.

Faz tempo, existiu na baía de Guanabara uma ilha do Bom Jesus e lá, no reinado de d. Pedro 2º, instalou-se o Asilo dos Inválidos da Pátria para receber veteranos da Guerra do Paraguai. A iniciativa foi amparada por uma subscrição pública de moradores da cidade.

Em 1868, havia lá 32 oficiais e 1.163 praças. Passados 106 anos, o presidente Ernesto Geisel soube que o asilo continuava funcionando. Pelas suas contas, se houvesse inválido da pátria vivo, teria algo como 124 anos. Pediu ao ministro do Exército, general Silvio Frota que lhe explicasse o que era aquilo.

O ministro mostrou que nas 58 casas do asilo trabalhavam 57 militares e 69 civis. Os asilados eram quatro, de outras guerras. Em dinheiro de hoje, a instituição consumia R$ 455 mil anuais (noves fora os salários).

Portanto, havia 32 servidores para cada "inválido da pátria" que, por sua vez, custava R$ 9,5 mil mensais. Geisel mandou acabar com a maluquice. Como o ministro demorava, em 1976 o presidente ameaçou entrar em greve. Não assinaria coisa alguma levada por Frota enquanto o asilo não fosse extinto. Ganhou a parada.

Essa era uma época em que se esbanjava o dinheiro da Viúva. (Um sargento do asilo tivera dupla militância, dividindo-se entre o plantel do torturadores da Polícia do Exército e o contrabando.)

As terras da ilha do Bom Jesus continuaram como propriedade da União e, como agora esbanja-se o patrimônio da Boa Senhora, Eduardo Paes quer atrair para o Rio o "Brazil Technology Center" da General Electric.

Para isso, presenteia a empresa com o terreno. Como a propriedade não é dele, comprou-a ao Exército. A GE é uma empresa privada e tem bala para comprar terrenos. O Exército, uma instituição pública sustentada pelo Tesouro, não faz nenhum uso daquilo que foi a ilha de Bom Jesus.

A vereadora Sonia Rabello, que já ajudou a impedir a construção de um monstrengo difarçado de marina no aterro do Flamengo, sustenta que esse tipo de munificiência faz mal à cidade. Até bem pouco tempo, o Exército teve um projeto para a construção de três edifícios, com 140 apartamentos, no Forte do Leme. A ideia, aceita pelo prefeito, felizmente foi abatida em voo na Câmara do Rio.

A choldra que paga impostos verá R$ 14 milhões de sua carga tributária municipal passar para o Exército, em benefício dos acionistas da General Electric, cujas ações fecharam a US$ 18,86 no pregão de segunda-feira da Bolsa de Nova York.

Há inúmeros interessados em bicar as terras do Fundão. São negócios em que todo mundo ganha, menos a Viúva e os inválidos do fisco.

Serviço: Está na rede o trabalho "A Espuma das Províncias - Um estudo sobre os Inválidos da Pátria e o Asilo dos Inválidos da Pátria, na Corte (1864-1930)" do professor Marcelo Augusto Moraes Gomes.

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