O ESTADÃO - 26/01/12
Desde 2008 morcegos que habitam o leste da América do Norte vêm sendo dizimados. Diversas espécies correm o risco de desaparecer. As narinas destes animais ficam brancas e eles morrem. A doença foi chamada de síndrome do nariz branco, e a corrida para descobrir a causa vem tirando o sono dos especialistas.
Os cientistas descobriram que o material branco que crescia no nariz destes mamíferos voadores era um fungo desconhecido, que recebeu o nome de Geomyces destructans. Inicialmente, os cientistas imaginaram que o fungo causava a doença, afinal todos os morcegos mortos estavam infectados. A correlação era perfeita. Mas logo surgiram dúvidas. A maioria dos fungos são agentes infecciosos oportunistas que atacam seres vivos vulneráveis. Em seres humanos uma grande parte das infecções por fungos ocorre quando as defesas do corpo estão enfraquecidas. Será que a correlação era evidência suficiente de que o fungo causava a doença?
A suspeita de que a causa da morte dos morcegos se devia a um outro patógeno ficou mais forte quando se descobriu que o G. destructans habitava o nariz da maioria dos morcegos da Europa e nem por isso eles morriam da síndrome do nariz branco. O fungo era a causa da doença ou sua presença somente estava perfeitamente correlacionada à presença da doença? Toda pessoa com resfriado espirra, mas o espirro não é a causa da doença.
Este era mais um caso em que seria necessário separar correlação de causa. Uma correlação perfeita não implica obrigatoriamente em uma relação causal. Há alguns anos, cientistas demonstraram que a frequência com que as garças sobrevoam as cidades europeias é maior na primavera, quando também nascem mais crianças. Nem por isso acreditamos que garças deixam crianças nas chaminés.
Em 1890, Robert Koch, o cientista que descobriu o bacilo causador da tuberculose, foi o primeiro a postular as condições necessárias para demonstrar que um microrganismo era a causa de uma doença e não uma consequência com alta correlação. Ele propôs que quatro condições tinham de ser cumpridas para demonstrar a relação causal. O organismo deve estar presente nos doentes. É necessário isolar e obter amostras puras do organismo. Estas amostras puras devem ser usadas para infectar pessoas sadias, que devem ficar doentes. É necessário isolar o organismo destes doentes e demonstrar que ele era idêntico ao organismo presente nos doentes originais.
Agora, finalmente, um grupo de cientistas conseguiu isolar o fungo de morcegos doentes, infectar morcegos sadios com o fungo e demonstrar que eles ficaram doentes. O grupo isolou novamente o fungo dos morcegos doentes. Com estes quatro experimentos, ele cumpriram os postulados de Koch e demonstraram que o fungo é o patógeno que causa a doença. Ainda não se sabe porque os morcegos europeus não ficam doentes quando infectados com o fungo, mas isto não é mais um motivo de distração e polêmica. É um primeiro passo. Agora é tentar descobrir como controlar a doença.
Este é um caso clássico da aplicação dos postulados de Koch, um procedimento que vem sendo usado faz mais de um século para separar correlação e causa. Mas é bom lembrar que nem sempre é possível aplicar o postulado. O caso mais recente é o da descoberta do HIV, o vírus causador da aids. Ele foi descoberto em todos os pacientes com a doença (alta correlação), mas devido à sua letalidade ficava impossível realizar o terceiro passo do postulado: injetar o vírus em pessoas sadias e verificar que ele causava a doença. Foi esta impossibilidade ética que levou alguns cientistas a questionar se o vírus era realmente a causa da aids. Um dos virologistas descrentes chegou ameaçar injetar o vírus em si próprio para demonstrar que ele não causava a aids (por sorte desistiu da ideia). A polêmica retardou a adoção de medidas de prevenção.
Separar relações de correlação e causalidade, causa de efeito, é um problema que aparece em todos os ramos da atividade humana. Toda padaria sabe que pão fresco vende rápido. Mas o pão vende rápido porque é fresco ou está sempre fresco porque vende rápido?
os morcegos morrem de que em?
ResponderExcluir