domingo, janeiro 22, 2012
Obama botou os consulados para trabalhar - ELIO GASPARI
O GLOBO - 22/01/12
O companheiro Obama foi à Flórida e anunciou medidas para consertar o sistema inepto e colonial de concessão de vistos para brasileiros que pretendem visitar os Estados Unidos. Houve época em que se formavam filas no fim da madrugada nas ruas próximas ao consulado americano em São Paulo. Quando Obama esteve em Pindorama, a espera para se entregar a papelada era de 134 dias em Brasília, 107 em São Paulo e 105 no Rio.
Quem reclamava era brindado com uma embromatina. Um cônsul que não sabia falar português assinou um texto de quem não sabia escrevê-lo e disse que o número de solicitações "disparou para níveis inaceitáveis". Cada freguês paga uma taxa de US$ 140, dinheiro equivalente a 10% do preço de um pacote turístico que inclui passagem, carro e quatro noites num hotel. (Noves fora, o custo de uma viagem a Brasília, Rio, São Paulo ou Recife, pois só essas cidades têm consulados.)
O companheiro Obama foi à Disney caçar os votos da Flórida, seguindo o conselho de seu antecessor Calvin Coolidge (1923-1929): "O negócio dos Estados Unidos são os negócios". Com uma taxa de desemprego de 9%, os americanos se deram conta de que aquelas filas que parecem um estorvo são um bálsamo. No ano passado, 1,2 milhão de brasileiros foram aos Estados Unidos e cada um deles gastou, na média, cerca de US$ 6 mil por dia. Deve-se aos brasileiros parte da recuperação do mercado imobiliário de Miami, devastado pela recessão.
Se o companheiro quer acelerar em 40% o tempo para "processar os vistos", sua fala foi insuficiente, pois, entre a hora em que o cidadão entrega seu passaporte para o "processamento" e o dia em que o recebe com o visto, os consulados informam que se passam entre três e sete dias úteis. Admitindo-se que ele se refira ao verdadeiro enrosco, que está na espera para marcar o dia da ida ao consulado, e se a sua base for o congestionamento de hoje, até dezembro a demora cairá para 46 dias em São Paulo, 12 em Brasília, oito no Rio e três em Recife. Se a redução for calculada em cima dos períodos de pico, continuarão pipocando esperas de 80 dias. Os consulados do Rio e de São Paulo não têm instalações capazes de atender 80% da demanda com prazos de três semanas, com jornadas de 6 horas 30 e minutos de atendimento. Basta ver que as filas se estendem pela rua, para alegria dos vendedores de guarda-chuvas.
O melhor que o companheiro tem a fazer é mandar reabrir os consulados em Belo Horizonte e Porto Alegre. O serviço exterior americano, como todos os outros, prefere trabalhar no circuito das grifes. Há apenas quatro consulados no Brasil. Na Itália, onde não se emitem vistos de turista, também. Um em Florença, num palazzo de frente para o rio Arno, a poucos passos do Harry''s Bar.
Inépcia
É falsa a informação segundo a qual o MEC não pode fazer um Enem em abril por conta dos processos judiciais.
O segundo Enem, sempre prometido e jamais realizado, não acontece porque o banco de questões armazenado no Inep não aguenta o tranco de dois exames.
Nele, há 6 mil questões. Para funcionar direito, seriam necessárias pelo menos 40 mil.
Desde a realização do Enem de 2009, o MEC sabe que, com dois exames, reduz o risco dos estudantes. O autoritarismo dos educatecas, capazes de proibir o uso de relógios durante as provas, impôs à garotada o risco de 100%.
Não sabiam que, com isso, também compravam 100% de risco de fracasso, coisa que conseguiram em dois exames sucessivos.
Farofa e picanha
Se algum dia a doutora Dilma Rousseff pensou em fazer uma reforma ministerial que tivesse relação com uma faxina, a blindagem dos ministros Fernando Pimentel e Fernando Bezerra Coelho mandou a ideia ao arquivo.
Como diria Stanislaw Ponte Preta, restabeleceu-se a moralidade enquanto lidava-se com peixes pequenos, como Orlando Silva e Carlos Lupi. Na hora da picanha, locupletaram-se todos.
Mundo real
Pelo andar da carruagem, a eleição do prefeito de São Paulo poderá criar uma aliança (tácita) surpreendente. Se o prefeito Gilberto Kassab apoiar o petista Fernando Haddad, o governador Geraldo Alckmin, em silêncio, deixará o vento soprar a favor de Gabriel Chalita, do PMDB.
Bravamente, os tucanos continuarão lutando entre si.
Reality show
A Polícia do Rio de Janeiro criou o BBB do B.
O futuro dos livros didáticos
Na quinta-feira, realizou-se a última promessa de Steve Jobs. A Apple entrou no mercado americano de livros didáticos. Associada às maiores editoras americanas, ela produzirá livros a US$ 14,99, uma verdadeira pechincha. No mesmo lance, lançou o aplicativo iBooks Author (gratuito), que transforma qualquer autor num editor.
O Author turbinará o mercado de livros feitos em casa e vendidos na rede. Ele já existe, com resultados surpreendentes. Amanda Hocking, uma jovem de 26 anos movida a Red Bull que escreveu 17 livros nas horas vagas, submeteu-os a 50 editoras de papel e foi recusada por todos. Botou nove deles na rede, vendeu 1 milhão de cópias e embolsou US$ 2 milhões. O mais barato é gratuito, o mais caro custa US$ 8,99. (Com seu viés açambarcador, a Apple quer que a freguesia só use o Author em Macs e só comercialize seus livros na sua loja.)
Já os e-books didáticos prenunciam uma revolução, com vídeos, áudios e imagens que mudam ao toque do freguês. Mais a possibilidade de criação de comunidades de jovens que estudam naquele volume. Tudo isso por menos da metade do preço de um livro de papel. Quem quiser ver o que vem por aí pode baixar a versão para iPad ou iPhone de "Our choice" ("Nossa escolha - Um Plano para Resolver a Crise Climática"), de Al Gore, por US$ 4,99.
Essa revolução está na rua. Em vez de o governo pensar num modelo Kodak, comprando 500 mil laptops ou tabuletas, derramando dinheiro da Viúva com ferragens numa rede onde faltam professores e cursos de qualificação, os ministérios da Educação e da Ciência poderiam planejar o futuro. Em 2010, o MEC gastou R$ 855 milhões no bem-sucedido Programa Nacional do Livro Didático. Desse ervanário, pelo menos R$ 500 milhões foram gastos com papel, impressão e transporte. Coisas como alfafa e cocheiros no tempo das carruagens. Os autores ficaram com menos de R$ 100 milhões.
Os dias das grandes editoras de livros didáticos penduradas em parques gráficos durarão o quanto duraram os estábulos no início do século passado. Nos próximos anos, com a disseminação e o barateamento das tabuletas, as editoras, grandes ou pequenas, diferenciarão-se pela qualidade dos seus cérebros.
Se o governo for humilde na compra de ferragens, porém ambicioso no planejamento da capacitação de professores e de técnicos capazes de estimular e organizar autores, todo mundo ganha, sobretudo a Viúva.
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