domingo, janeiro 15, 2012
O problema é o Haiti, não o Brasil - CLÓVIS ROSSI
FOLHA DE SP - 15/01/12
Abrir as fronteiras ajuda, mas não é a solução, enquanto o Haiti não puder ficar de pé
José Eduardo Cardozo, ministro da Justiça, queixa-se de que o noticiário em torno dos refugiados haitianos no Brasil passa a impressão de que o país fechou as fronteiras para eles, quando o que ocorre "é o contrário", diz o ministro.
Se as informações de Cardozo estão corretas -e creio que estão-, de fato as críticas estão mal endereçadas.
Primeiro ponto: o Brasil teria efetivamente fechado as fronteiras se o governo tivesse se pautado pela inércia legal-burocrática. Acontece que quase todos os haitianos que batem às portas do Brasil reivindicam o status de refugiados políticos. Como o problema do Haiti não é de perseguição política, mas de desastre humanitário, todos os haitianos teriam que ser rechaçados.
O governo decidiu, no entanto, entender o caráter humanitário envolvido e resolveu abrir as portas para 100 haitianos por mês, aos quais será concedido um visto excepcional por cinco anos, condicionado a que nesse prazo encontrem trabalho e residência fixa.
É pouco? Talvez, mas o número não foi estabelecido ao acaso. Levou em conta que, no momento, de 70 a 80 haitianos procuram o Brasil por mês. Logo, 100/mês dá conta da demanda. De quebra, será regularizada a situação dos cerca de 4.000 já instalados, a maior parte ainda na ilegalidade.
Em tese, o programa, além de resposta a uma grave crise humanitária, ajuda a evitar a ação dos "coiotes", os contrabandistas de seres humanos, que cobram de US$ 3.000 a US$ 4.000 -uma infâmia em qualquer caso, mas ainda maior quando se trata do Haiti, país em que 75% da população vive com menos de US$ 2 por dia.
O Brasil poderia fazer mais? O economista Irineu Evangelista Carvalho, como lembrou na sexta a ex-ministra Marina Silva, chegou a sugerir que o país abrigue 100 mil haitianos de uma vez só. A ideia é simpática, mas não parece viável quando há notórias dificuldades para cuidar dos desabrigados nativos, como está à vista de todos.
Na verdade, o problema do Haiti está muito mais no próprio país do que nos refugiados que o deixam. Trata-se de outro fracasso da comunidade internacional, incapaz de, nos dois anos transcorridos do terremoto, recolocar o Haiti minimamente de pé. Dois números são eloquentes: ainda há 500 mil desabrigados, em uma população de 9 milhões, e 300 mil imóveis em ruínas.
Claro que não é fácil reconstruir um país já muito pobre e que perdeu o equivalente a dois terços de seu PIB no terremoto.
Mas a ação internacional, liderada pelo Brasil, antes da tragédia foi efetiva no quesito segurança, como atesta Johanna Mendelson Forman, do Programa Américas do Centro para Estudos Estratégicos e Internacionais de Washington: "Alguns haitianos reclamam e dizem que se trata da ocupação do país por uma força militar estrangeira, mas a realidade é que a missão da ONU ajudou a suprimir o crime violento e a criar uma nova e moderna força policial, de que o Haiti precisa extremamente".
O ideal, portanto, seria que o Brasil servisse de catalisador para um esforço internacional de reconstrução de todo o país, não apenas de sua polícia.
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