REVISTA VEJA
Não gosto do politicamente correto: ele muitas vezes tem um ranço de hipocrisia. Não devo dizer que alguém é negro, mas os próprios negros falam em raça negra, cultura negra etc. Não seria muito mais respeitoso usar o termo habitual, assim como dizemos branco, japonês, alemão, turco, polonês? O politicamente correto em muitos casos, como neste, aumenta a discriminação. Será politicamente incorreto, daqui a pouco, dar uma palmada num menino travesso demais? Sou contra qualquer violência, mas me assombra a tal lei da palmada, ainda esperando aprovação no Senado: considero a tal lei uma excrescência a mais na nossa legislação e na nossa cultura. E é perigosa, numa sociedade que vai ficando denuncista e policialesca, cada vez maiores seus olhões de big brother.
Mil dúvidas me ocorrem. Quem vai avaliar o que é palmada forte, bofetada humilhante no rosto ou aviso carinhoso, leve tapa sobre uma bundinha bem acolchoada de fraldas? Quem vai, sobretudo, denunciar? Penso que haverá filas de acusadores: a vizinha invejosa, a funcionária ofendida, a ex-mulher vingativa, o ex-marido raivoso. Receio que, se aprovada e efetivada, ela não vá ser aplicada, como tantas leis tolas entre nós ( e algumas úteis, que não deveriam ser ignoradas). Ou, se aplicada, vá desencadear uma onda de confusões, inseguranças, injustiças, intromissões indevidas. Aberta a porta para um controle nada democrático, uma ditatorial interferência do estado na vida familiar e nas relações pessoais mais próximas.
Esse o grande perigo, essa a cara feia de tal novidade. Parece que se criou no país até mesmo um “plano nacional de convivência familiar”, no mínimo bizarro. Para nos ensinar a ser mais gente, seria preciso, em lugar de intervir em nossas casas e se intrometer em nossa vida, dar condições de sermos menos agressivos por ignorantes ou estressados. Isso significa, em lugar de um olho intrometido e humilhante, mais segurança, saúde, moradia e educação – ah, a educação, esse botão que aperto mil vezes ao dia e tanto comento.
“Considero um desperdício de energia política essa lei da palmada, quase impossível de aplicar sem que ocorram aberrações, quase impossível de encarar com respeito e seriedade.”
Será que os políticos não têm coisa mais importante a fazer além de inventar uma lei tão antidemocrática, antipedagógica e anti-qualquer-bom senso, como, por exemplo, votar leis que têm a ver com o bem-estar do cidadão comum? Desengavetar e fazer funcionar tantos projetos trancados por incompetência ou desinteresse, exercer a verdadeira política, resgatar tanto dinheiro empregado em outras coisas ou desparecido em frestas de mesas-de-não-trabalho de muita gente por aí?
Não é uma lei invasiva que vai nos tornar melhores pais, melhores educadores, melhores pessoas. É a cultura, são as condições sociais, econômicas e culturais, é a educação que informa direito, é a construção de nossa identidade pessoal, nossa bagagem de valores, os elementos básicos que os governos nos oferecem para que a gente possa evoluir. Em resumo, é a arquitetura de nós mesmos enquanto povo e indivíduos decentes – incluindo como tratamos, criamos, amamos, educamos quem depende de nós.
Considero um desperdício de energia política essa lei da palmada, quase impossível de aplicar sem que ocorram aberrações, quase impossível de encarar com respeito e seriedade. Além de querermos infantilizar eternamente nossos jovens dando-lhes privilégios como a meia-entrada até quase 30 anos, quando deveriam estar estabelecidos, com família formada, crescendo na profissão, vida em pleno funcionamento, ainda queremos nos meter nas casas, nos quartos, na vida pessoal doa adultos, vigiando-os como se fossem crianças arteiras. Bem mais graves do que uma ocasional palmada (não falo em surra, bofetada, sofrimento físico) são, de parte dos pais, a frieza, a futilidade, o desinteresse, a falta de uma autoridade amorosa, de vigilância e cuidado. A humilhação verbal, a crítica constante, a ironia. A lista é longa. Que o novo ano nos traga um pouco mais de bom-senso e de bom humor, e verdadeiro interesse por coisas que verdadeiramente precisam dele.
LYA LUFT A FAVOR DA PALMADA LIVRE, IRRSETRITA E LEVE, CLARO
ResponderExcluirQuando me avisaram , saiu um artigo da Lya Luft contrário à lei da palmada, pensei, outro “grande” para nos dar trabalho! Mas, que nada, a autora é apenas mias um a favor da palmada e contra o espancamento de crianças. E, surpresa, o artigo da veterana cronista e escritora, autora de muitos leitores e vasta produção, é inconsistente, parece pisar num terreno movediço, apesar do título perrfeito. Sim, existem muitas questões relacionadas à infância brasileira mais graves que a palmada e uma delas, justamente, é o que vem depois das primeiras palmadas sobre bundinhas acolchoadas, como diz ela. Basta ser mãe e avó, para ter obrigação de saber mais sobre a lei da palmada, como apelidaram o projeto de lei que reforma a legislação para proibir os castigos físicos nas crianças, a pretexto de educá-las. Mas para debater, e, supostamente, informar e formar opinião é preciso bem mais, mais informação, menos previsões infundadas, mais profundidade, menos defesa do obvio (”nenhuma lei vai nos fazer melhores pais”). Clamar por mais saúde, moradia, educação, a porópria autora assume que é repetitivo. Ao que parece, a autora não leu o projeto de lei, que é bem conciso, nem, muito menos o Plano de Convivencia Familiar e Comunitária, ao qual se refere levianamente. Falha grave. O espaço privilegiado que ocupa na mídia nacional, não merece o descaso evidente do artigo.ao discutir um tema que a sociedade está levando a sério e que deveria estar na pauta de uma mulher e cidadã, como Lya Luft.
Obs.: a autora está certa quando diz que a desatenção, a omissão,e o desamor de muitos pais podem ser pior que a agressão.
Eleonora Ramos
Rede Não Bata, Eduque
2/1/2012
Eleonora! Vc comenta que Lya Luft teve informações infundadas e quero expressar minha indignação com seu texto. Acesse o blog escolaemcasa.blogspot que acredito ser esclarecedor para seu entendimento e estende sabiamente o que ela apenas começou em sua página. O espaço que maravilhosamente foi preenchido por Lya tem tamanho para ser impresso, desculpe a obviedade, mas fica assim impraticável que ela se estenda tanto quanto sua inteligência permitiria. Voces que defendem esta lei descabida deveriam sair do mundinho especial que vcs vivem para viver a realidade, o Brasil é maior que os apartamentos de luxo que vcs vivem...a realidade de criação dos filhos na pobreza deveria ser levada até vocês para avaliarem que vão existir situações e situações, e que as pessoas de menor renda e estudo tem dificuldades e formas de viver muito além das leis criadas nos escritórios dos politicamente corretos. Haverá muita injustiça e desmando entre pais e filhos, e nao estou aqui defendendo a violência, só deveria ser levado em conta que para a violência existe lei, não precisa especificar manual para criar filhos, que já andam suficientemente autoritários e sem controle...criem leis para obrigar o governo a educar com qualidade, muitas outras serão desnecessárias após esta atitude.
ResponderExcluirResposta para as dúvidas da Lya aqui: http://cartaabertaparalya.wordpress.com/
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