terça-feira, janeiro 10, 2012

A grande traição - FRANCISCO DAUDT


FOLHA DE SP - 10/01/12
Imagine um homem dedicado a criar um filho que não é seu -é a maior traição que ele pode sofrer
Quatro amigos se encontram num restaurante quieto: eu, um anestesista cristão, adorador da lógica (donde, em perene e lindo conflito), um advogado e economista, e um analista de sistemas que calha de ser meu cunhado (ó sorte, um cunhado de quem se gosta).

Não quero saber de psicanalistas, quero diversidade de conhecimento científico. Somos neoiluministas, apreciadores da razão. Hamilton, nosso advogado, desta vez estranhou a valorização da virgindade, como as sacerdotisas vestais em Roma, e a associação da virgindade com a pureza, até nossos dias.

Quando o assunto é teologia, ética, filosofia ou epistemologia, o advogado e o anestesista produzem dados que nós, psicanalista e analista de sistemas (eu digo que ele é muito mais generalista do que eu, já que eu analiso apenas um sistema, o psi, e ele analisa múltiplos) questionaremos, abriremos debate.

É muito divertido e enriquecedor. É como uma namorada minha reparou quando fomos de carro para Búzios (à paulista, dois homens na frente, duas mulheres atrás, nem sei se é a praxe paulistana, mas é assim que chamamos no Rio). Minha irmã dormia, minha namorada estava ouvindo minha conversa com o cunhado.

Comentou: "Vocês só falaram assuntos! Não falaram nada sobre os comportamentos das pessoas, discutiram sobre as vantagens do ciclo Otto sobre o ciclo Wenkel nos motores à explosão. Nós nunca falaríamos sobre isto!"

É coisa de homem, querida, assim são nossas conversas no restaurante quieto. É da natureza humana.
Pois então, colocado o assunto da virgindade, a bola estava comigo, aquele que, dentre outras, gosta da psicologia evolucionista.

A pior traição que um homem pode sofrer é criar o filho do cuco. O cuco é uma ave que põe seus ovos em ninhos de outros. O filhote do cuco costuma ser muito mais forte que seus "irmãos", e a primeira providência que toma é empurrá-los para a morte, comendo todo alimento que seus "pais" trazem.

Imagine agora um homem dedicado a criar um filho que não é seu, o bastardo. Anos de trabalho e de cuidados para alimentá-lo e educá-lo sem saber que é filho de outro homem. É completamente diferente da adoção, quando este cuidado é por escolha, amor e com plena consciência.

É a maior traição que um homem pode sofrer. A mãe tem certeza que o filho é seu, mas, e o pai? Não por acaso um judeu só o é se for filho de judia.

Eis porque a virgindade foi eleita como virtude: ela era o oposto da traição e da promiscuidade. O desvirginador era o pai, por certo. Isto antes dos exames de DNA. Mas essas modernidades levam tempo para entrar em nossa compreensão emocional.

A espécie tem que lidar com o cio oculto: a mulher pode ser fértil 30 dias por mês, com maiores probabilidades em torno do 14º dia do ciclo. Não há controle possível. Estupros, violências contra a mulher e adultério aceleram a ovulação. O homem que cuida de sua mulher e de sua cria tem a vantagem de fazê-los se dar bem. Pela fertilidade, o cafajeste sempre levará vantagem. Mas a cria bem cuidada estará sempre em vantagem.

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