segunda-feira, janeiro 09, 2012
Falta para enchentes, sobra para política - PAULO GUEDES
O GLOBO - 09/01/12
O ministro da Integração Nacional, Fernando Bezerra, é acusado de ter privilegiado o estado de Pernambuco na distribuição de suas verbas orçamentárias. A prioridade no uso de recursos públicos não teria sido o alívio aos desabrigados pelas enchentes, mas sim o atendimento de seus próprios interesses, partidários e regionais. Verbas públicas para fazer política. Aliás, com eleições a cada dois anos, haja dinheiro para se fazer política. E esse dinheiro que sobra lá em cima é o dinheiro que falta aqui embaixo, pois, como diria Milton Nascimento, "o dinheiro tem de ir aonde o povo está".
A verdade é que, mais de um quarto de século após a redemocratização, persistem ainda enormes vícios herdados do antigo regime militar. Desperdiçamos uma crise colossal com direito a hiperinflação, moratória externa e sequestro de poupança interna, sem ousar um ataque frontal à hipertrofia do aparelho de Estado. A concentração de poder político e de recursos públicos no governo federal contrasta com a necessidade de descentralização administrativa e a diástole representativa dos sistemas políticos abertos. Essa concentração é a principal causa da degeneração de nossas práticas políticas.
Mesmo governantes eleitos que se dizem "progressistas" têm resistido à descentralização de recursos para o melhor atendimento das pressões sociais por gastos públicos inerentes a uma democracia emergente. Para aumentar sua arrecadação e sua influência política, o governo federal recorre com frequência a contribuições não compartilhadas com estados e municípios. Recusa-se também a reduzir a participação da União nos projetos sob exame para a redistribuição dos royalties do petróleo. Mas não se acanha em enfiar a mão no bolso de estados e municípios cada vez que estimula o consumo com reduções do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).
Prefeitos, governadores e suas bancadas exercem pressões legítimas pela descentralização administrativa da ação social do Estado. Esse princípio exigiria a descentralização de recursos e atribuições para estados e municípios, ampliando a interlocução política da presidente. Daria também legitimidade à necessária reforma administrativa no governo federal, permitindo combater a corrupção e a ineficiência com os gastos públicos. Com quase 40 ministérios, vai continuar sobrando dinheiro para a política e faltando para as enchentes.
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