quarta-feira, janeiro 25, 2012
Dilma e um beau geste - ZUENIR VENTURA
O Globo - 25/01/12
Dois episódios recentes fazem lembrar um velho filme de muito sucesso nos anos 40 e que se chamava "Beau Geste", estrelado por Gary Cooper, Ray Milland e Robert Preston. A expressão francesa, que significa belo ou nobre gesto, saltou das telas para acompanhar uma época, sendo uma espécie de precursora do politicamente correto. Dizia-se "fulano é beau geste" de alguém com um comportamento político e moral edificante. Como me esqueci do final, recorri ao Google, que me recontou a história dos três irmãos que se alistam na famosa Legião Estrangeira para expiar a culpa de um roubo que não cometeram. Só que o site se recusa a entregar o desfecho.
Portanto, me restrinjo aos espisódios. Um se passa na Itália e ficou por demais conhecido, envolvendo o acidente com um navio e a reação de dois comandantes, aquele que por seu gesto se tornou herói e o que, por omissão, virou vilão. O segundo episódio acontece em Cuba e seu protagonista, um dissidente político, teve o destino trágico de um mártir. A analogia simbólica dos personagens com seus países é óbvia, quase um clichê. O capitão Schetino abandonando o Costa Concordia que afundava foi comparado ao Berlusconi que quase afundou a Itália. Já o Capitão De Falco, com sua enérgica ordem ao fujão - "Volte a bordo, caralho!" - passou a encarnar a consciência do dever que falta aos políticos italianos. "Um nos humilha, o outro nos redime", estampou o "Corriere della Sera".
Quanto a Villar Mendoza, de 31 anos, morto em consequência de uma greve de fome de 50 dias, será enterrado às vésperas da chegada de Dilma a Cuba. As Damas de Branco, que lutam pacificamente pelas liberdades, gostariam de se reunir com ela para denunciar a violação dos direitos humanos na Ilha. Elas acreditam que a ex-dissidente, ex-prisioneira e ex-torturada Dilma seja mais sensível do que Lula em situação parecida. Em 2010, o então presidente chegou a Havana pouco depois que outro dissidente, Orlando Zapata Tamayo, falecia de inanição numa greve de 85 dias por melhores condições para os 200 presos políticos do regime. Em vez de criticar a violência do governo, Lula minimizou o drama e ironizou a vítima, lamentando que "uma pessoa se deixe morrer por uma greve de fome".
Será uma viagem problemática, porque, além do pedido das Damas de Branco, há o apelo já oficializado da incômoda blogueira Yoani Sánchez, que quer vir ao Brasil e pede à nossa presidente para interceder por ela. Em compensação, Dilma acaba de ser contemplada com uma crítica que, na verdade, é um elogio. O porta-voz do presidente do Irã queixou-se: "A presidente golpeou tudo o que Lula havia feito, destruindo anos de bom relacionamento." Agora, os dissidentes cubanos estão dando a Dilma a chance de outro beau geste: questionar o "bom relacionamento" com os irmãos Castro.
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