segunda-feira, janeiro 30, 2012

Com olhos na Argentina - SERGIO LEO


Valor Econômico - 30/01/12


A presidente Dilma Rousseff viaja a Cuba nesta semana, incomodada porque, no Brasil, parece haver mais preocupação com a questão dos direitos humanos na ilha que com o possível papel do Brasil nas transformações liberalizantes do modelo econômico dirigido por Raúl Castro. Mas é ao Sul, e não no Caribe, que está o maior incômodo sentido no Palácio do Planalto. Há más notícias vindas da Argentina, e elas podem ficar piores.

No governo e na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), sabe-se que os argentinos atravessarão dificuldades para fechar suas contas externas neste ano, de queda de preços nas commodities de exportação, quebra de safras com a seca e retração de mercados mundiais. Nos últimos dias, o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, pediu audiência à presidente argentina, Cristina Kirchner, e tem defendido a busca de alternativas para melhorar as contas de comércio na Argentina. Um estudo, realizado ainda no governo Luiz Inácio Lula da Silva, orienta as sugestões do executivo.

No governo Lula, a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), chegou a fazer um levantamento sobre a competitividade argentina, na busca da desejada e ainda frustrada integração produtiva com o vizinho. Até hoje, apenas a indústria automotiva conseguiu êxito na integração dos parques produtivos de Brasil e Argentina, e mesmo essa enfrenta agora problemas nas linhas de montagem com os atrasos de entrega de peças provocado pelo protecionismo argentino. A ABDI chamou atenção para a competitiva indústria de petróleo e gás e para a incipiente e promissora indústria naval no país vizinho.

Não é por outra razão que esses dois exemplos têm sido citados por Skaf. Mas o estudo da ABDI mostrou obstáculos aos argentinos para se associar ao parque produtivo brasileiro de gás e petróleo ou fornecer embarcações: falta padrão comum de certificação, há requisitos técnicos divergentes e a legislação que privilegia fornecedores nacionais no Brasil teria de ser alterada para incluir empresas do país vizinho. A novidade é a postura da Fiesp, em busca de acordo com a Argentina - negligenciada pela indústria brasileira em favor de mercados mais promissores, segundo admitiram empresários paulistas reunidos há duas semanas na sede da federação.

Duas vozes foram importantes para garantir o tom conciliatório na Fiesp: o diretor de Relações Internacionais e Comércio Exterior, Roberto Giannetti, e o consultor e ex-secretário de Comércio Exterior no governo Lula Welber Barral.

A boa vontade não é consensual, porém. Executivos do setor de calçados, furiosos com as constantes retenções indevidas de mercadorias nas alfândegas, acusam a Argentina de não cumprir acordos, como o firmado pelo setor para uma cota informal de exportações àquele mercado.

Os conflitos comerciais apartam os parques produtivos e desencorajam empresários que poderiam sentir atração pela soma dos dois mercados. Como o estudo da ABDI, há outras iniciativas ensaiadas no governo Lula - como um projeto para financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para empresas argentinas - que acabaram paralisadas com a falta de sintonia entre os dois governos. Não bastassem as divergências entre as equipes econômicas, é palpável a falta de paciência de Dilma Rousseff com Cristina Kirchner.

Analistas argentinos reparam que as medidas protecionistas no Brasil, ao contrário das adotadas pelo governo Kirchner, não criaram incertezas nem interromperam as cadeias de fornecimento nacionais, e cuidaram de preservar os sócios do Mercosul. A Argentina não cogita isentar o Brasil das restrições de entrada de mercadorias; está premida pela carência de divisas para cumprir suas obrigações internacionais. Como avaliou uma consultoria argentina, para a Fiesp, um superávit comercial inferior a US$ 5 bilhões levaria o país à bancarrota.

Os problemas argentinos, como os dançarinos, no tango, vêm em dupla: a encrenca econômica anda abraçada à política, que complica a interlocução com o país vizinho. Difícil saber com quem afinar os passos: o encarregado do mais recente controle sobre importações, Ricardo Echegarray, presidente da Anfip (a Receita Federal argentina) recebeu caneladas do poderoso secretário de Comércio Interior, Guillermo Moreno, que andou se estranhando com o vice-presidente Amado Boudou e disputa influência no governo com o outrora influente ministro de Planejamento e Investimento Público Júlio de Vido.

Echegarray divulgou as normas para a declaração antecipada que, a partir de 1º de fevereiro, todos importadores terão de entregar à Anfip para ter liberada a entrada das mercadorias no país em um prazo que prometeu não ser superior a dez dias corridos. Moreno telefonou a dirigentes de associações empresariais exigindo que os importadores lhe mandem por e-mail um formulário diferente do da Anfip com dados pormenorizados sobre o que querem importar; e informou que deve levar até quinze dias úteis para analisar os dados, até porque tem só oito funcionários para a tarefa.

Boudou entrou em cena, em entrevista para uma rádio local, para dizer que ninguém precisa mandar nenhum e-mail a Moreno, pois a Anfip será a "janela única" para informar ao governo.

Boudou também andou eriçando sensibilidades com declarações sobre um possível terceiro mandato para Cristina - o que alguns interpretaram como uma tentativa de abafar a disputa já existente entre peronistas, para saber quem sucederá a presidente. É nesse ambiente movediço que o Brasil quer evitar novas barreiras ao comércio bilateral. Cada passo exigirá muito ensaio, e os calos são muitos; será quase impossível não pisar em algum.

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