terça-feira, outubro 18, 2011

ANCELMO GOIS - Rádio Zurique

Rádio Zurique
ANCELMO GOIS
O GLOBO - 18/10/11


A seleção de Mano vai abrir a Copa de 2014 em São Paulo. Os dois outros jogos do Brasil na primeira fase serão em Fortaleza e Brasília. É o que se diz no QG da Fifa, na Suíça.

OLHO GRANDE 
No PMDB é dado como certo que o partido, por intermédio do ministro Edison Lobão, vai, finalmente, indicar o novo diretor da Petrobras.
Esta nova diretoria foi criada há uns dois anos para atender a uma recomendação da CVM. Mas nunca foi preenchida.

FALTA DE GÁS 
A Petrobras magoou, semana passada, 32 empresas do setor elétrico que queriam disputar com térmicas a gás o próximo leilão de energia do governo, em dezembro.
A estatal avisou que não pode hoje garantir o fornecimento de gás. Nem com as plantas que tem de GNL nem com o gás do pré-sal, cuja capacidade de fornecimento só será definida dentro de um ou dois anos.

FEUDO POLÍTICO 
Aécio Neves diz que o Segundo Tempo, programa social voltado para o esporte, funcionou bem no primeiro governo Lula, quando os recursos eram repassados aos Estados, independentemente de partidos: a distorção, diz o tucano, começou quando o projeto passou a ser administrado pelo mesmo grupo político em todo o País.

ALIÁS... 
Não se faz mais PCdoB como antigamente.
Com todo o respeito.

A PREFERIDA DE DILMA 
Mônica Salmaso, a grande cantora brasileira que ganhou elogios de Dilma, cancelou ontem, em cima da hora, dois shows que faria hoje e amanhã no Teatro Rival, no Rio. Caiu de cama, com laringite e rinossinusite agudas.

SOBRE A GUERRA 
Na Feira de Frankfurt, a editora Luciana Villas-Boas acertou para o selo da Civilização Brasileira a publicação no Brasil do livro Sobre a Guerra. Organizado por Bruno Calson, traz escritos de Napoleão Bonaparte sobre liderança, estratégias e táticas de guerra.

STEWART EM LIVRO 
A Globo Livros adquiriu ontem os direitos da autobiografia de Rod Stewart, que será lançada mundialmente em 2012.
O cantor, após 50 anos de carreira e dois Grammys, tem dito que não vai esconder nada de suas “experiências incríveis”.

LÁ E CÁ 
A principal manchete do Le Monde de sábado afirmou que as prisões francesas são “fábricas de reincidentes”, pois, cinco anos após cumprirem pena, quase 60% dos ex-presidiários voltam a ser condenados. 

PAUL KRUGMAN - Perdendo a imunidade



Perdendo a imunidade 
PAUL KRUGMAN
O Globo - 18/10/2011

À medida que o movimento Ocupem Wall Street cresce, a reação daqueles que são alvo do movimento gradualmente muda. De uma negação presunçosa ela passou a uma chorumela. Os soberanos modernos das finanças olham para os manifestantes e indagam: não compreendem o que fizemos pela economia americana? A resposta é: sim, muitos manifestantes de fato entendem o que Wall Street e a elite econômica da nação fizeram. E é por isso que protestam. 

No sábado passado, o "New York Times" registrou o que as pessoas do mercado estão dizendo sobre os protestos. A minha citação preferida vem de um gerente de recursos, que disse: "O serviço financeiro é uma das últimas coisas que fazemos neste país, e fazemos bem. Vamos apoiá-la." Isso é injusto com o trabalhador americano, que é bom em muitas coisas, e poderia ser ainda melhor se tivéssemos investido em educação e infraestrutura.

Mas à medida que os EUA ficaram para trás em muitas coisas, exceto em serviços financeiros, a pergunta não deveria ser por que? Pois o financeiro nos EUA não foi feito pela mão invisível do mercado. O que fez o setor financeiro crescer mais rápido que o resto da economia, a partir dos anos 80, foram opções administrativas intencionais, sobretudo a desregulamentação que continuou até a crise de 2008.

Não foi por coincidência que a era do crescimento robusto do mercado financeiro foi igualmente a era do crescimento robusto da desigualdade de renda e riqueza. Wall Street fez uma grande contribuição para a polarização econômica, porque a elevada renda no setor financeiro representou uma significativa fração do um por cento com maior renda do país. E as mesmas forças políticas que implementaram a desregulamentação financeira também promoveram a desigualdade geral de variadas formas: minando o trabalho organizado, acabando com a "contenção indignada", que costumava limitar o contracheque dos executivos, entre outras.

Ah sim! os impostos sobre os ricos foram, naturalmente, radicalmente reduzidos.

Tudo isso deveria ser justificado com resultados: o pagamento dos magos de Wall Street era apropriado por causa das coisas maravilhosas que faziam. De algum modo, porém, toda essa maravilha não chegou ao resto do país - e isso é verdade até mesmo antes da crise. A renda média das famílias, considerando o ajuste da inflação, cresceu apenas um quinto entre 1980 e 2007, em comparação com a geração que se seguiu ao fim da Segunda Guerra, embora a economia do pós-Guerra tenha sido caracterizada por uma rígida regulamentação do setor financeiro e alta tributação dos ricos.

Aí veio a crise, que provou que todas as afirmações sobre como a finança moderna havia reduzido o risco e tornado o sistema mais estável eram irreais.

Foram os pacotes de ajuda do governo que nos salvaram de um derretimento financeiro tão ruim ou pior que a Grande Depressão.

E o que dizer da situação atual? Os rendimentos em Wall Street saltaram, mesmo num momento em que os trabalhadores convencionais continuam a sofrer com desemprego e queda real de salários. E, apesar disso, é mais difícil do que nunca ver o que é que os financistas fazem para merecer todo esse dinheiro.

Por que, então, Wall Street espera que qualquer pessoa leve a sério sua chorumela? Aquele gerente de recursos que afirma que o financeiro é a única coisa que os EUA fazem bem também reclamou que os dois senadores democratas de Nova York não os apoiam, e que "eles precisavam entender o que é seu eleitorado". Mas ele não estava se referindo de fato aos eleitores, é claro. Ele se referia a algo que ainda abunda em Wall Street graças aos pacotes de ajuda: dinheiro.

Há poucas semanas, parecia que Wall Street havia efetivamente subornado e intimidado o sistema político a esquecer aqueles superbônus, enquanto a economia mundial era destruída. Então, de repente, algumas pessoas resolveram insistir no assunto. E sua indignação encontrou eco em milhões de americanos. Não é surpresa, portanto, que Wall Street esteja choramingando.

ROSELY SAYÃO - Recreio educativo



Recreio educativo
ROSELY SAYÃO
FOLHA DE SP - 18/12/11 

Não é escrevendo 500 vezes a frase 'Não devo correr' que o aluno aprenderá os locais adequados para isso

UMA MANCHETE me chamou a atenção: "Aluna é castigada por correr na hora do recreio". O resumo da história é o seguinte: uma garota de dez anos, que cursa uma escola municipal em Colatina (ES), desceu correndo as escadas no recreio. Foi devidamente castigada: teve de escrever 500 (quinhentas!) vezes a frase "Não devo correr".
Claro, ela teve de cumprir a pena no horário em que cometeu a transgressão: no intervalo. Não fosse assim, não teria sentido a punição tampouco o efeito educativo, não é? Quanto tempo levou para dar conta do castigo? Seis dias. Seis dias sem recreio.
Você já teve a oportunidade de ver "in loco" a hora do recreio em alguma escola de ensino fundamental 1, caro leitor? É uma experiência e tanto. Dezenas de crianças correndo sem olhar para o caminho e esbarrando com quem ou o que estiver à frente e, ao mesmo tempo, berrando tresloucadamente.
Quando me perguntam o que é um recreio bom, digo que se um velho ou um bebê for colocado no meio do espaço e sobreviver sem escoriações é porque as crianças fazem um bom intervalo.
Mas esse comportamento das crianças poderia fazer parte de alguma brincadeira que exigisse isso, não é? Em geral, não é. Agem assim, talvez, porque não sabem o que fazer com esse período livre. Porque não sabem brincar, compartilhar um espaço. Agem assim, principalmente, porque ninguém as ensina que pode ser diferente.
Ao descer uma escada correndo, a criança se coloca em situação arriscada e também os outros. Mas não é escrevendo 500 vezes "Não devo correr" que ela aprenderá que há locais mais adequados para correr e outros menos.
As escolas parecem não saber ensinar o que exaustivamente repetem sobre seu projeto pedagógico. "Educar para a cidadania" é uma frase que sai fácil e as escolas a repetem mais do que 500 vezes. Mas na hora de praticar....
Criança tem energia e precisa gastá-la. Pode ser correndo, sim, mas pode ser de outras maneiras. Hoje, consideramos que criança precisa correr, gritar, pular. Não precisa. Aliás, fica mais agitada quando assim se comporta.
Parece que perdemos a mão na hora de ensinar. Falar não é ensinar, exigir não é ensinar, cobrar o que foi falado tampouco. Talvez uma mistura disso tudo com outros ingredientes possa formar um ensinamento.
Mesmo assim, precisamos ser mais claros e precisos na hora de falar. Crianças costumam ser precisas.
Uma professora me contou que parou um aluno para dizer que lá ele não deveria correr. "Então por que aqui se chama corredor?" perguntou o menino. E com muita razão, do ponto de vista dele, vamos convir.
É possível ter uma escola com um recreio bom, sim. Muitas têm. Essas sabem o que é preciso: oferecer propostas, tutelar a convivência entre os alunos, mesmo à distância, e determinar locais para os que querem ficar tranquilos e para os que querem brincar com mais liberdade são alguns exemplos. Há muitas outras possibilidades.
Mas isso exige educadores por perto, não apenas inspetores. Para tanto, as escolas precisam reconhecer que a hora do recreio é uma excelente oportunidade educativa e, como tal, exige planejamento, objetivos, estratégias e um ambiente organizado e minuciosamente preparado para o que pode acontecer.
Aliás, é bom lembrar que o ambiente escolar, inclusive o do recreio, deve funcionar como um elemento educativo.

ILIMAR FRANCO - "Tô fora"


"Tô fora"
ILIMAR FRANCO
O GLOBO - 18/10/11

Depois de participar de reunião ontem sobre a distribuição dos royalties, o líder do PMDB, deputado Henrique Alves (RN), decidiu abandonar as negociações: "Tô fora". Ele desabafa: "Onde estão os governadores dos estados não produtores? Eles estão se omitindo. Esperava que eles se posicionassem". O líder reclama do clima emocional e prevê que, por incapacidade política, a distribuição dos royalties vai ser decidida no STF.

Apostando num acordo da maioriaMesmo após o ministro Guido Mantega (Fazenda) se posicionar contra a redução da receita de Participação Especial da União de 50% para 40%, o Senador Wellington Dias (PT-PI) aposta na aprovação do relatório do Senador Vital do Rego (PMDB-PB). Dias afirma que vários deputados da Frente Parlamentar de Democratização dos Royalties estão aderindo à proposta do relator: "Sem a redistribuição, nenhum estado ganha nada no ano que vem. Mas, se votarmos, todos os governadores terão uma receita nova para investir". E prevê um embate para decidir se a parcela dos estados produtores ficará ou não congelada.

Nós não concordamos que o veto seja solução. Caso seja judicializado, a tendência é que todos nós tenhamos prejuízos" - João Coser, prefeito de Vitória e presidente da Frente dos Prefeitos, sobre os royalties

SINAL AMARELO. Com o apoio da base governista, o líder do DEM, ACM Neto (BA), conseguiu as assinaturas necessárias para apresentar emendas prorrogando a DRU por apenas um ano ou dois. O governo quer até 2015. Já a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), depois da pressão do Palácio do Planalto, diz que não conseguiu apoio suficiente para apresentar emenda destinando 10% dos recursos da DRU para a Saúde.

Nem pensarO Ministério do Planejamento não topou a proposta do deputado Odair Cunha (PT-MG), relator da prorrogação da DRU, de diminuir o dinheiro desse mecanismo quando aumentasse a arrecadação das receitas não vinculadas.

Sigilo eternoLíder do governo, Romero Jucá (PMDB-RR) fez acordo com Fernando Collor (PTB-AL) para só votar o projeto que acaba com o sigilo eterno de documentos oficiais depois dos royalties. Collor apresentará voto em separado.

Redes sociais contra a democracia?Circula pela internet convocação para protesto dia 15 de novembro, em São Paulo, com as palavras de ordem: "Acabar com o Senado, as Assembleias Legislativas e as Câmaras de Vereadores"; "acabar com o financiamento (Fundo Partidário) aos partidos"; "rever as indenizações pagas aos perseguidos políticos"; e "devassa nas contas do MST e similares, bem como no PT e demais partidos". Curiosamente, figura na lista de reivindicações "o pagamento imediato dos precatórios judiciais".

O atual e o exO líder do PSDB no Senado, Álvaro Dias (PR), não quer convocar apenas o ministro Orlando Silva (Esporte) para falar de irregularidades na pasta. Hoje ele vai requerer a convocação do ex-ministro e atual governador Agnelo Queiroz (DF).

Na pressãoA reação do ministro Orlando Silva (Esporte) de dar coletivas de imprensa, ir ao Congresso e pedir investigação à PGR agradou ao Planalto. Mas, como sempre, todos estão em compasso de espera para ver se não surgem novos fatos.
JEITINHO. Depois de ter perdido, em julho, nove cargos em comissão, em uma redivisão feita na Câmara, o PSOL está estrilando com a articulação para criar novos Cargos de Natureza Especial para atender o PSD sem prejudicar os demais.
O EX-PRESIDENTE de Honduras Manuel Zelaya participa, hoje, de seminário sobre anistia e direitos humanos na Câmara.

OUTRO LADO. O ministro Gilberto Carvalho diz nunca ter ouvido falar da criação do Ministério dos Direitos Humanos e não é entusiasta da ideia. Carvalho afirma apoiar o atual modelo das secretarias.

EDITORIAL O ESTADÃO - 0 Brasil Maior ou Imposto Maior?




 O Brasil Maior ou Imposto Maior?
EDITORIAL 
O ESTADÃO - 18/10/11

Vai de mal a pior o Plano Brasil Maior, uma das incursões do governo da presidente Dilma Rousseff no campo da política industrial. Cada vez mais parecido com um daqueles pacotes inventados para esfolar o contribuinte, o projeto em tramitação no Congresso poderia ser rebatizado como Plano do Imposto Maior.
Com o número de artigos ampliado de 24 para 31, a Medida Provisória (MP) chamada "da desoneração" agora inclui novas e onerosas formas de tributação, incorporadas no texto por intervenção da Receita Federal - com a aprovação, certamente, do gabinete da Presidência. Segundo o relator da MP na Câmara, deputado Renato Molling (PP-RS), a Receita informou que se trata apenas de "ajustes" na legislação atual, mas essa explicação foi desmentida por empresários, preocupados, segundo ele, com o aumento da carga tributária. Uma das inovações, se aprovada, encarecerá o financiamento das empresas, produzindo efeito exatamente oposto ao proclamado pelo governo ao apresentar sua "política industrial".
Uma das inovações principais do Plano Brasil Maior, em sua versão original, deveria ser a desoneração da folha de pagamentos das indústrias de confecções, calçados, móveis e de software. Concebida por quem desconhecia os assuntos, a MP foi em pouco tempo criticada por empresários do setor de confecções. A troca dos encargos trabalhistas por uma contribuição sobre o faturamento elevaria a tributação de várias empresas. Pelo menos o deputado Renato Molling parece ter entendido o equívoco e promete defender uma alíquota menor que a proposta.
Mas a fome arrecadadora voltou a manifestar-se. As emendas incluídas por intervenção da Receita Federal deverão resultar, se aprovadas, em maior tributação das debêntures, uma das formas de financiamento mais baratas à disposição das empresas. A Receita pretende, além disso, recolher um tributo a mais quando a empresa destina o lucro à ampliação de seu capital.
Ao realizar essa operação, a companhia distribui, naturalmente, novas ações ao seus sócios. Não se trata, nesse caso, de distribuição de dividendos, mas apenas da atualização das parcelas de cada acionista no patrimônio próprio da empresa. A operação é hoje isenta do Imposto de Renda, mas o governo pretende mudar a regra para cavar um dinheiro a mais. Essa inovação é um evidente desestímulo ao reinvestimento dos lucros e, portanto, à expansão das empresas e ao desenvolvimento do setor produtivo.
As emendas apresentadas pela Receita incluem outras formas de elevação dos tributos, atingindo operações no mercado acionário e encarecendo os prêmios de resseguro - entre outras mudanças. A maior parte dessas propostas confirma claramente, mais uma vez, as preocupações dominantes no governo.
Qualquer desoneração anunciada como benefício ao setor produtivo será seguida de novas manobras para preservar e, se possível, aumentar a arrecadação. O objetivo normal da administração é gastar com a própria máquina, sempre inchada e sempre ineficiente. Se sobrar algum dinheiro, a ordem será usá-lo em programas e em distribuições de vantagens potencialmente rentáveis em termos eleitorais.
Quando essa é a concepção de governo, a racionalização dos tributos e a desoneração das atividades empresariais só podem ser objetivos de menor importância, condicionados à sustentação de um Estado balofo e gastador. Essa concepção é naturalmente aliada a um permanente desprezo à competência administrativa. Isso se revela na maior parte das iniciativas impropriamente classificadas como ações de política industrial. Cabem perfeitamente nessa moldura as desastradas medidas protecionistas apresentadas, há algumas semanas, como incentivos à modernização do setor automobilístico. Os incentivos, nesse caso, tomaram a forma de uma elevação do imposto cobrado sobre veículos com menos de 65% de componentes nacionais. Criar um programa de modernização tecnológica, de atualização de processos e de ganho de competitividade exige imaginação e competência, itens em falta no governo.

FABRÍCIO CARPINEJAR - Quer namorar?


Quer namorar?
 FABRÍCIO CARPINEJAR 
ZERO HORA - 18/10/11

A melhor agência de namoro é comprar uma passagem para bem longe.

Quanto mais longe, maior a chance de ser feliz. Não precisa usar o bilhete, é adquirir, pôr no bolso e andar com aquele olhar irresistível de janela redonda de avião.

Sempre repercute: todo mundo sente que vamos embora e ganhamos importância amorosa. Mais imbatível do que usar aliança, do que borrifar perfume de boto, do que afogar estátua de Santo Antônio.

Quer se apaixonar? Invente uma viagem. Mas tem que pagar para fazer efeito. O destino confere os depósitos bancários.

A despedida é um afrodisíaco veemente. Ficamos abertos e receptivos ao acaso.

Durante os veraneios da adolescência, em Rainha do Mar, eu me ligava na menina no último dia de férias, quando era condenado a voltar para a Capital. Amiga do Interior confessava que me amava um pouco antes de entrar no carro cheio de malas e tralhas. Dava um selinho, corria em direção aos pais e trocávamos cartas ansiosas pelo reencontro ao longo do ano.

É ter um compromisso certo e inadiável para arrumar uma paixão. Sem antítese, não há dialética, não se chega à síntese.

Adoramos uma encruzilhada, confusão, dúvidas. Adoramos a ambiguidade do aceno, que pode ser um oi e um tchau.

Ao tomar um caminho, surge outra opção até então invisível. É programar um intercâmbio no Exterior, que nos envolveremos na noite anterior ao embarque. É realizar sonho profissional de trabalhar na Europa, que antigo amor vem suplicar reconciliação.

O aeroporto e a rodoviária são altares, cupidos, balcões de suspiros.

Se você é solteiro, não entre em chats, não crie perfis falsos, não perca tempo.

As mulheres são alucinadas por homens com malas. Os homens são alucinados por mulheres atravessando o detector de metais.

Se não consegue namorado/namorada, gire o globo, pare um país com o dedo e arrebate passagens.

A distância influencia a longevidade da relação. Menos de 200 quilômetros não traz cócegas. O arrebatamento é proporcional à quilometragem. Viajar a Espumoso produzirá um rápido olhar 43, Santo Ângelo resultará em flerte, Rio de Janeiro ocasionará um caso, Natal renderá breve namoro, deslocamento ao Acre talvez pinte noivado.

Mas, para casar com véu e grinalda, aposte alto e compre passagem de ida (somente de ida!) a Bangladesh.

SONIA RACY - DIRETO DA FONTE


Incentivo extra 
SONIA RACY
O Estado de S.Paulo - 18/10/2011

Depois de ministros como Miriam Belchior e Paulo Bernardo terem dito que greve não é férias, assegurando desconto de dias parados, a insistência dos bancos federais venceu e a proposta para encerrar o movimento dos bancários vai resultar em perdão a quem parou. A redação da sugestão deixa claro que os dias parados serão descontados. Mas, no frigir dos ovos, a compensação será praticamente voluntária. O prazo termina em 15 de dezembro e não há qualquer mecanismo garantindo compensação de horas até a data.

Incentivo 2
Na greve de 2004, os bancários que não compensaram o tempo a tempo acabaram punidos monetariamente. O saldo de horas foi descontado legalmente da remuneração de férias. Discordância entre os bancos em relação ao item travou, inclusive, o encontro, sexta-feira, entre bancários e Febraban. Marcado para começar às 10h, só teve início às 18h, depois de os bancos federais derrubarem a exigência. E como a paralisação no setor privado é pequena...

Maçã mordida 
O BC abriu licitação para comprar... doze iPads 2.

Jogo triplo 
As costuras de Kassab estão dando nó na cabeça dos petistas. De acordo com Edinho Silva, presidente estadual do partido, “o PSD está com o PT em São Paulo na maioria das situações”. José Américo, vereador, tem certeza: “Isso é ilusão; ele está com Serra e os tucanos”.

Destucanou? 
Causou estranheza entre alckmistas a defesa que Diego de Nadai, prefeito tucano, fez de Orlando Silva no Twitter: “É muito fácil jogar a vida dos outros na vala comum! Chega de sensacionalismo insano! Fica firme, Orlando Silva Jr !”

Amido com t 
A mistura para bolos Dona Benta terá de colocar em seu rótulo que contém amido de milho transgênico. Identificado comum “t”. É o que diz Termo de Ajustamento de Conduta assinado por MP e J.Macêdo.

Inveja mata 
Nos EUA, Obama tem participado de até dois jantares por dia para arrecadar fundos para seu partido. A US$ 30 mil por cabeça. Já um lugar à mesa dos tucanos, em jantar programado para dezembro, custa R$ 1mil.

Casa própria
Depois de manter representantes no Brasil por décadas, a Sotheby’s abrirá escritório próprio em São Paulo. Será comandado pela carioca Kátia Mindlin Leite Barbosa.

Troca de guarda
Sai Fábio Barbosa e entra Luiz Trabuco. Na presidência da Confederação Nacional das Instituições Financeiras.

Sherlock Holmes 
Em sigilo, a WMcCanntenta desvendar o paradeiro de dez laptops, ainda na caixa, que sumiram da agência. A polícia está fora do caso... por enquanto.

Dos céus 
São Pedro não poupou a comemoração dos 70 anos da Aeronáutica, domingo, em Sampa. Até os aviões da Esquadrilha da Fumaça foram impedidos de pousar por causa do “semidilúvio”.

CELSO MING - Balde de água fria


Balde de água fria
 CELSO MING
 O Estado de S.Paulo - 18/10/2011

As grandes crises econômicas nascem de um jeito e passam por radicais processos de metamorfose – às vezes lentos, às vezes muito rápidos.

O colapso da área do euro, fundamentalmente fiscal (megaendividamento dos Estados), em poucas semanas tomou forma de grave crise patrimonial dos bancos credores. Sem intervenção rápida, pode sair do controle. Na segunda-feir

a da semana passada, os mais importantes chefes de Estado do bloco, a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, e o presidente da França, Nicolas Sarkozy, concluíram reunião a dois, em Paris,com palavras animadoras. Da cúpula que se realizaria dentro de dias, em Cannes,também na França, sairiam decisões fortes, abrangentes o suficiente para afastar de uma vez esta crise – garantiram ambos.

Para melhorar a preparação do pacote, o presidente da Comissão Europeia, José Manuel Barroso, tomou decisão inédita: adiou por sete dias o compromisso, que foi agenda do para os dias 22 e 23. A expectativade solução próxima foi comemorada. Mas, ontem, o porta-voz de Merkel despejou um balde de água fria nas esperanças globais. Avisou para não se aguardar soluções definitivas desse encontro. Agora,aquestão

defundo é a crise bancária. A nova proposta é exigir que os bancos aceitem um calote da Grécia ainda maior do que os 21% previamente acordados (provavelmente de 50%) e, ao mesmo tempo, enfrentem um enorme esforço de recapitalização.

Os bancos estão incapacitados de puxar mais capital do mercado. Ninguém quer subscrever ações novas de instituições financeiras cuja situação real se desconhece. Portanto, os Estados serão novamente chamados aprover aumento de capital. É uma situação carregada com alta do sede maluquice. O excessivo endividamento rebaixou no mercado os títulos de dívida dos Estados. Os bancos que detêm esses títulos desvalorizados estão ameaçados de crise sistêmica. E, parasalvá-los, os Estados são chamados a recapitalizá-los com mais endividamento.

Sarkozy parece entender o que está em jogo. Sabe que, se o Tesouro for empurrado a injetar capital em seus bancos, o endividamento da França crescerá o bastante para que seus títulos sejam rebaixados.

Por se recusar a usar dinheiro dos contribuintes nessa parada em plena campanha eleitoral, defende que a capitalização seja feita pelo Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (EFSF) – que, no entanto, terá (ainda não tem) apenas 440 bilhões de euros. E esses valores se destinam, em primeiro lugar, a prestar socorro a Estados com dificuldade de liquidez, não a dar cobertura aos bancos.

Por isso, Sarkozy prefere a armação de uma engenharia financeira em que o montante do EFSF entre como garantia de empréstimos. O problema, outra vez, consiste em saber de onde sairão os recursos.

Nessas horas, as esperanças se voltam para o Banco Central Europeu que, por sua vez, se nega a atropelar os tratados e a emitir moeda para salvar os bancos. E, nisso, conta como veto da Alemanha.

Por trás de tudo está a falta de liderança. A inércia, essa marcha de caranguejos (um passo para a frente, dois para trás, um de lado e sabe-se lá qual seráo próximo) e a falta de obstinação e de sentido de urgência sugerem que os representantes da zona do euro estão brincando com fogo ou, então, preparando a tempestade perfeita. Situação única que, afinal, exigirá a cirurgia que vem sendo adiada.

Confira

O desempenho das bolsas ontem
O gráfico mostra o alastramento do pessimismo depois de a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, avisar que a reunião de cúpula do próximo fim de semana deixará muito problema sem solução.

Sabedor dos riscos 
O presidente da França, Nicolas Sarkozy, foi um dos mais duros críticos das agências de classificação de risco, por terem rebaixado dívidas de países do bloco do euro. Agora, sem questionar a função dessas agências, mostra temer pela desclassificação da dívida da França e pelo que possa acontecer depois.

REGINA ALVAREZ - Política errática


Política errática 
REGINA ALVAREZ
O Globo - 18/10/2011

Um mês depois da elevação em 30 pontos percentuais do IPI dos carros importados, ainda existem muitas dúvidas sobre a medida. O viés protecionista está claro, mas tudo indica que não é só esta a explicação para uma decisão tão polêmica adotada pelo Ministério da Fazenda. O consenso no governo é só fachada. Nos bastidores, as demais áreas tentam decifrar as entrelinhas dessa decisão.

Do ponto de vista jurídico, o aumento do IPI dos carros não se sustenta, como está mostrando a enxurrada de liminares obtidas na Justiça pelas montadoras contra o imposto. O governo não levou em conta o prazo de carência de 90 dias para a cobrança, como determina a Constituição no artigo 150, o que abriu a brecha para as liminares.

O aumento do IPI pega uma parcela muito pequena do mercado de automóveis importados, entre 4% e 8%. Sem dúvida, teve como alvo as montadoras asiáticas. E são estas que já avisaram ao governo que vão entrar com reclamações na OMC contra a medida. O primeiro passo nesse sentido foi o pedido de explicações na reunião do comitê de acesso a mercados da Organização, na sexta-feira.

Assim, enquanto para o resto do mundo o governo está dizendo "faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço", já que o ministro Guido Mantega adora protestar contra o protecionismo dos outros, internamente, a medida só está agradando mesmo a um segmento da indústria, as montadoras instaladas aqui. Os demais setores continuam a esperar por uma política industrial que faça sentido e reflita as promessas oficiais. Ou seja, voltada para o aumento da competitividade dos produtos brasileiros no exterior. Isso depende da prometida desoneração de tributos, da redução do custo da logística e de outros custos. O governo não avançou nessa direção e ainda tem contribuído para elevar a carga das empresas.

Fábio Faria, vice-presidente executivo da Associação de Comércio Exterior do Brasil, informa que a taxa de utilização do Siscomex foi reajustada em 517% em maio, sob o argumento que estava congelada desde 1998; a inflação do período foi de 214%. Além disso, a Secretaria do Patrimônio da União criou em janeiro uma taxa sobre o uso de águas públicas, que atinge as operações portuárias e onera as exportações.

- Até agora vimos muita intenção, mas pouca coisa prática acontecendo para melhorar a competitividade do produto brasileiro. Essa medida do IPI não ajuda e ainda cria um complicador, que são esses questionamentos - destaca o dirigente.

Se existem dúvidas sobre a real motivação do Ministério da Fazenda com o aumento do IPI dos carros: proteção à indústria nacional, aumento da arrecadação ou uma trava para que determinadas montadoras se instalem aqui, uma coisa é líquida e certa. A política industrial continua errática e o governo sem um comando firme nessa área.

Viés inflacionário
Desde a última reunião do Copom, no dia 31 de agosto, o preço das commodities em reais teve valorização de 2,8% (vejam no gráfico). O índice CRB, que mede uma cesta de preços de matérias-primas, caiu 6,8% em dólares, mas a desvalorização do real foi mais intensa, de 10,15%. Então, os preços cotados em dólares quando convertidos para reais acabaram ficando mais caros, mesmo com a crise internacional.

Academia
O ministério da Fazenda criou um canal para se aproximar do meio acadêmico. Alunos de doutorado e pós-doutorado poderão passar até dois anos fazendo a tese dentro do ministério, em parceria com a Capes. Trabalhos inéditos também serão publicados no site do órgão.

Dever de casa
O resultado das empresas americanas no terceiro trimestre tem agradado os investidores. As companhias têm conseguido aumentar a produtividade, segurando gastos e contratações. Também tem contribuído o dólar fraco, que estimula exportações, e as remessas de filiais que estão fora dos EUA.

JOÃO PEREIRA COUTINHO - Civilização e barbárie


 Civilização e barbárie
JOÃO PEREIRA COUTINHO 
FOLHA DE SP - 18/10/11

Será legítimo que o Estado destrua a liberdade individual para recriar uma natureza humana benigna?

Stanley Kubrick vem a São Paulo. Não o Kubrick real, morto em 1999 para prejuízo de todos os artistas e aficionados. Falo de uma das suas criações, "Laranja Mecânica" (1971), em cópia restaurada para a 35ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. É nesses momentos que uma pessoa lamenta sinceramente estar na Europa.
"Laranja Mecânica" foi o primeiro filme "adulto" a que assisti na vida, sem vigilância paternal. Foi uma bela iniciação à filosofia política, e relembro cada fotograma como se tivesse sido ontem. Sobretudo o rosto de Alex, espantoso Malcolm McDowell, que mais tarde reencontrei, ou redescobri, nos filmes de Lindsay Anderson ou Paul Schrader. Mas divago.
Alex era o rosto do mal. Do mal puro, perverso, sem justificação "médica" ou "sociológica" possível. Ele vagueia pelas ruas e, ao som de Beethoven, seu herói romântico, espanca e estupra. A moralidade judaico-cristã não existe para Alex. Ou só existe para ser quebrada. Alex destrói porque pode. Destrói porque gosta.
Foi a violência de "Laranja Mecânica" que me impressionou. Mas não apenas a violência de Alex: gráfica, óbvia, caricatural, dir-se-ia até musical -a sequência em que Alex espanca mais uma vítima ao mesmo tempo em que canta (e dança) "Singin' in the Rain" rivaliza em vitalidade com Gene Kelly no filme "Cantando na Chuva" (1952).
A grande violência do filme vem a seguir: quando Alex, finalmente capturado, é submetido a uma terapia radical destinada a extirpar os seus instintos destrutivos e antissociais.
Quem viu não esquece: uma série de imagens projetadas na tela da prisão -imagens torpes, insuportáveis- que Alex consome de olhos abertos, bem abertos, forçadamente abertos. Ele, a violência em pessoa, não suporta o excesso de violência que é obrigado a tragar durante horas e horas de tortura e imobilidade.
No fim do ordálio, Alex é um caso de "sucesso": uma espécie de lobotomizado social, pronto para ser posto em liberdade. Ou, pelo menos, nós acreditamos que sim.
Só mais tarde li o romance de Anthony Burgess (razoável) e as entrevistas (excelentes) do criador sobre a criatura. Admito: Burgess pode ser um inestimável fanfarrão e, segundo o seu biógrafo, Roger Lewis, um plagiário incorrigível.
Mas as inquietações de "Laranja Mecânica" permanecem vivas: será legítimo que o Estado destrua a liberdade individual para recriar uma natureza humana benigna?
Em teoria, talvez o programa seja apelativo: quem, em juízo perfeito, não gostaria de viver numa sociedade onde os criminosos são "reciclados" e, após terapia de choque, regressam ao mundo mais inofensivos que um cordeirinho?
Burgess entende o apelo. Kubrick também. Mas em "Laranja Mecânica" confrontamo-nos de imediato com as limitações desse programa.
Para começar, ele é ilusório: a natureza humana é insondável, e a violência que existe nos homens fará sempre parte da sua imperfeita condição. Podemos disfarçar, ou reprimir, essa violência. Ela não ficará adormecida por muito tempo.
Mas, mesmo que esse programa fosse possível e eficaz, existe uma segunda limitação: ele acabaria por destruir o sentido moral mais básico das sociedades humanas onde vivemos.
O que define um agente moral, pergunta Burgess? A resposta é clássica: o seu livre-arbítrio. Noções de "culpa" ou "responsabilidade" só existem porque existe a ideia prévia de que não somos marionetes. Somos agentes autônomos, responsáveis pelos nossos atos. É por esses atos que devemos ser julgados.
Depois da "reeducação", Alex pode sorrir, falar, caminhar. Ele parece um ser humano.
Mas nós sabemos que ele não é mais um ser humano. E não é porque aquilo que nos define -a possibilidade de escolhermos, e mesmo de escolhermos erradamente- foi amputado no laboratório. Alex é essa marionete. Um mero cachorro amestrado.
Assistindo a "Laranja Mecânica", entendemos que há crimes de Estado tão grotescos e imperdoáveis como os solitários crimes de Alex.
E entendemos também como o equilíbrio entre a civilização e a barbárie é frágil. Tão frágil que, por vezes, esses dois extremos trocam de lugar.

EDITORIAL ZERO HORA - Parasitas do Estado


Parasitas do Estado
EDITORIAL
ZERO HORA - 18/10/11 

Acusado de recebimento de propina por um ex-integrante do seu partido, o PC do B, o ministro Orlando Silva, do Esporte, tenta desesperadamente provar sua inocência e permanecer no comando da pasta encarregada de preparar os eventos esportivos internacionais que o país receberá nos próximos anos. Sua situação, porém, não é nada confortável. As denúncias divulgadas esta semana contêm o mesmo potencial destrutivo das que provocaram a queda de outros quatro ministros dos cinco que a presidente Dilma Rousseff substituiu em 10 meses de administração. O senhor Orlando Silva pode até ser inocente da acusação pessoal que lhe está sendo feita, mas dificilmente terá argumentos para explicar à nação por que não corrigiu as irregularidades constatadas há vários meses pelo Ministério Público, pela Polícia Federal e pela Controladoria-Geral da União no programa Segundo Tempo, administrado por sua pasta.
No centro do escândalo, está um esquema delituoso bem conhecido na política nacional, resultante das relações promíscuas entre o governo, Organizações Não Governamentais e partidos políticos. É o que os órgãos fiscalizadores detectaram na atuação da entidade que explora o programa Segundo Tempo, criado para oferecer lazer e práticas esportivas a estudantes carentes no período em que eles não estão em sala de aula. De acordo com as investigações, a ONG estaria sendo utilizada para desviar dinheiro para o caixa 2 de campanhas eleitorais de candidatos do partido.
Não seria a única. Infelizmente, o país registra uma proliferação de entidades criadas unicamente para atrair recursos públicos, desvirtuando o objetivo dessas organizações sem fins lucrativos, formadas pela sociedade civil para atuar como linha auxiliar do Estado. A falta de controle do poder público possibilitou a aproximação de ONGs de fachada com partidos políticos, criando-se, assim, um canal para o desvio de verbas estatais, algumas vezes com objetivos eleitorais, outras simplesmente para o bolso de espertalhões.
Existe até uma CPI das ONGs em operação no Senado Federal, mas as investigações andam a passo de tartaruga porque dependem de políticos muitas vezes comprometidos com as organizações investigadas.
Talvez este caso envolvendo o Ministério do Esporte seja também uma oportunidade para a retomada de investigações que levem a uma depuração das centenas de ONGs que hoje gravitam em torno do poder. Antes, porém, é urgente que o ministro Orlando Silva explique as denúncias e que o governo, a partir dessas explicações, adote as providências cabíveis para corrigir eventuais irregularidades. Mas se torna cada vez mais inadiável que o país enfrente com transparência a deformação gerada por organizações que se aliam a partidos políticos e se transformam em parasitas do Estado.

JOSÉ SIMÃO - Ueba! Começou o Pan com Ovo!


Ueba! Começou o Pan com Ovo!
 JOSÉ SIMÃO 
FOLHA DE SP - 18/10/11

Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República!
Faixa em Brasília: "Perdeu-se bull terrier branco. Toma remédio controlado". E não é a Dilma! E agora o ministro dos Esportes é suspeito de desviar dinheiro. Normal, desviar dinheiro é esporte nacional. Tá muito bem representado.
E começou o Pan com Ovo! Esse Pan no México tá pan com ovo mesmo, meia boca! Pândega 2011!
Transmissão exclusiva da Record. Aí vocês pensam que tão livres do Galvão? Não! Aquele Álvaro José grita mais que o Galvão. Em vez de RRRRRRRRRonaldo, é RRRRRRRRRecord! Ouro em Berro. Ele vai ganhar Ouro em Berro!
E um amigo me disse que já entrou no espírito do Pan: ouro nos dentes e chumbo no pau! Rarará!
E já descobri uma predestinada no Pan! Goleira da equipe brasileira de handebol feminino: CHANA! E pega todas! E na vela: Bimba! Chana no gol e Bimba na vela! Pansexualismo! E as meninas do handebol são muito melhores que os meninos do pébol!
E estamos bem de ouro. Equipe Inshalá! Muito ouro. Prata não precisa mais. Senão o Brasil vai virar um faqueiro. Equipe Tramontina.
E o Cielo ganhou tanto ouro que já dá pra derreter e viver de renda! O que você faz? "Nada!"
E adoro esta: 100 metros de peito. Cem metros de peito é a Fafá de Belém! Ouro em peito!
E por que brasileiro chora tanto, hein? Chora quando ganha, chora quando perde, chora porque a piscina tá fria, chora porque o juiz roubou. Choro atlético. Vamos ganhar ouro em choro atlético! E a nadadora Joana Maranhão não é do Maranhão, é de Pernambuco!
E o Edir Macedo: "O Pan nosso de cada dia, dai-nos ibope". E piada pronta é a Record anunciando o CD do Jesus Luz! Que ficou mais famoso que o original. Rarará! É mole? É mole, mas sobe! Ou como disse aquele outro: é mole, mas só sobe no pódio!
E os supermercados têm que ter mais cuidado com as placas. Olha esta aqui: "Colchão inflávio!" Coitado do Flávio! Rarará!
E esta outra: "Home Teacher. 12 x 49,08!". Professor particular parcelado! E tá certo home theater ser chamado de home teacher porque brasileiro aprende tudo pela televisão mesmo! Rarará! Nóis sofre, mas nóis goza.
Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

DORA KRAMER - Ser e também parecer


Ser e também parecer
DORA KRAMER
O Estado de S. Paulo - 18/10/2011

A denúncia de corrupção contra o ministro do Esporte, Orlando Silva, feita por um policial investigado pelo mesmo crime e ex-militante do PC do B, impõe à presidente Dilma Rousseff o dilema de sempre.

Ou ela leva a fundo o caso ou adota a tese da "casca grossa" defendida por Lula: arquiva a acusação no escaninho dos episódios nebulosos sem desfecho e segue em frente.

É uma escolha com a qual o governo está acostumado a lidar, conforme demonstrado no ensaio da faxina que não resistiu aos reclamos dos partidos ameaçados e ao desconforto do PT com as inevitáveis comparações de tolerância entre Dilma e seu criador.

Mas, em se tratando da pasta que estará à frente da próxima Copa do Mundo, as coisas ficam um tanto mais complicadas: para muito além das conveniências da coalizão governamental, há a repercussão internacional e todas as implicações decorrentes de um acontecimento que envolverá tanto dinheiro que nem os órgãos públicos sabem ao certo quantos bilhões serão gastos.

Uma amiga muito arguta fez a seguinte observação: "É tanto dinheiro envolvido, são tantas as possibilidades de desvio nessa Copa que o mínimo que se pode fazer é pôr à frente disso alguém acima de qualquer suspeita".

Madre Teresa? Em matéria de imagem, algo por aí.

Tenha ou não culpa nesse cartório, esteja sendo vítima ou não de uma falsidade, seja o testemunho do policial veraz ou não, fato é que o ministro Orlando Silva não tem o atributo principal para encarnar o poder público na Copa: confiabilidade.

A denúncia de seu ex-companheiro de partido não é a primeira. Já foi personagem de outras acusações e está longe de representar uma unanimidade sob qualquer aspecto, interna ou externamente, política ou administrativamente falando.

Esse não é um caso que a presidente possa se dar ao luxo de tratar como algo trivial ou sob a ótica da governabilidade negociada reinante. Nesta, o que está em jogo ao fim e ao cabo é a questão da sobrevivência de um grupo político, no transcorrer do governo ou no momento eleitoral para confirmação do poder.

Em relação à Copa do Mundo há muito mais. Por isso mesmo, se a presidente decidir mudar de ministro, conviria que não o fizesse no mesmo molde das substituições anteriores em que prevaleceu o critério da troca de seis por meia dúzia.

Dilma não pode errar: além de agir com presteza precisa também conferir grandeza ao gesto, mostrar que está ciente das implicações, transmitir, enfim, a mensagem de que não apenas sabe o nome do jogo em tela como compreende as regras e tem capacidade para comandar esse espetáculo levando em conta o interesse do Brasil em sair-se bem da empreitada.

Evidentemente não conseguirá isso com as mesmas manifestações de confiança que nas vezes anteriores logo foram substituídas pelo ato explícito de desconfiança das demissões, nem poderá tentar resolver o problema com um "bom desempenho" do ministro em depoimentos arquitetados pela maioria governista no Congresso ao molde da conveniência do depoente.

O buraco, aqui, é maior e mais embaixo. Apareceu uma oportunidade para o governo começar a acertar o passo na formatação da Copa de 2014. É decisão da presidente: pode aproveitá-la ou deixar passar a chance de se afirmar.

Cada qual. São Paulo, principal campo de batalha de petistas e tucanos, é essencial para o futuro dos dois antagonistas.

Por isso, a hipótese de o PSDB aceitar o lugar de vice numa aliança com o PSD para disputar a Prefeitura de São Paulo seria equivalente à possibilidade de o PT admitir concorrer como linha auxiliar do PMDB, abrindo mão da cabeça de chapa para Gabriel Chalita.

Troca. Quando o assunto é Chalita, os petistas reconhecem que é mais que remota a chance, mas sonham com a possibilidade de o deputado vir a aceitar ser vice de Fernando Haddad (ou Marta Suplicy?) se o PT assegurar a Michel Temer vaga para compor a chapa presidencial de 2014.

CLÓVIS ROSSI - Quando a indignação pega



Quando a indignação pega
CLÓVIS ROSSI 
 Folha de São Paulo

Os indignados estão conquistando adeptos para seus gritos nos mais insuspeitados rincões. 


Que o presidente Barack Obama tenha endossado a inquietação da moçada é até compreensível, dada sua origem de esquerda, pelo menos o máximo de esquerda a que se permitem os EUA.
Mas o presidente continua pendurado no muro: disse que "o dr. King [Martin Luther King] gostaria que desafiássemos os excessos de Wall Street sem demonizar aqueles que lá trabalham".
Não creio que o "Ocupe Wall Street" considere trabalhadores os gatos gordos da banca que são o principal alvo de seus protestos.
Mais significativa é a mudança de posição de Eric Cantor, líder da maioria republicana na Câmara de Representantes, que rotulara os manifestantes de "máfia sem lei", mas agora prefere admitir que há, sim, uma excessiva desigualdade de renda no país e, também, que há gente demais sem emprego.
Consequência, sempre segundo Cantor: uma crescente -e compreensível- frustração.
Nem Obama nem Cantor parecem dar-se conta de que a frustração é também -ou principalmente- com o funcionamento da democracia representativa, de que são produto.
Não é fenômeno novo. Aparecia, nos anos 90, nos protestos contra o tipo de globalização dominante, que favorece as corporações e o sistema financeiro e marginaliza mortais comuns, especialmente jovens.
Que há essa frustração, basta ler anúncio publicado no "Corriere della Sera" por Diego della Valle, dono da fábrica de sapatos Tod's e sócio da editora do próprio jornal.
Nele, Della Valle desanca os políticos italianos como "pessoas incompetentes e despreparadas, que não têm a menor percepção dos problemas do país nem da gravidade do momento e menos ainda uma visão global dos cenários futuros".
Você pode até alegar que a política italiana abusa de escândalo, mas não diria o mesmo de nove de cada dez políticos brasileiros? Ou, talvez, de 11 de cada 10?
Constatado o óbvio, ou seja, a crise global da democracia representativa, a questão seguinte é saber o que pôr no lugar. Ditaduras? A América Latina é a melhor demonstração de que, livre delas, vive muito, muitíssimo melhor.
As tais democracias populares, tipo Cuba, fracassaram miseravelmente. Democracia direta? Talvez seja falta de imaginação minha, mas não consigo enxergar, por exemplo, como se poderia elaborar uma nova Constituição, como a Tunísia se prepara para fazer a partir de domingo, por meio de discussões de massa na praça pública.
O futuro do movimento de protesto parece condicionado, pois, a caminhar em "uma linha fina entre ação violenta e não violenta", como escreve para "Foreign Affairs" Rory McVeigh, diretor do Centro para o Estudo de Movimentos Sociais da Universidade Notre Dame (EUA).
Completa McVeigh: "O poder do protesto vem de sua capacidade de perturbar o 'business as usual'. Sem tal perturbação, não dá aos oponentes nenhum incentivo para fazer concessões nem dá à mídia razões para prestar atenção".
Quanto tempo os indignados precisarão ficar nas praças e parques para manter a atenção dos Obamas, Cantors, Della Valles e da mídia?

NIZAN GUANAES - A jovem era das revoluções


A jovem era das revoluções 
NIZAN GUANAES
FOLHA DE SP - 18/10/11

A era das revoluções que estamos inaugurando promete muito menos sangue e poluição
Atenção! Se o seu filho, como os meus, frequentemente não escuta o que você diz e vive de cabeça baixa, batucando os dedos freneticamente no smartphone, ele pode estar tramando uma revolução.

Basta isso, um cantinho e uma conexão. Que as revoluções virão. Já estão vindo.

Sintomaticamente, começaram no mundo árabe, uma região sufocada e amordaçada durante décadas por tiranias que pareciam inexpugnáveis, mas que desmancharam rapidamente diante do novo poder popular de informação e de mobilização.

É um poder pulverizado por jovens digitalizados que muitas vezes, sozinhos de suas casas, colocam batalhões de ativistas nas ruas para enfrentarem tanques e baionetas nada virtuais. Os jovens foram da frente da TV, uma janela com grades, para a frente da janela da web, enorme, escancarada. Nesse movimento, ganharam voz e ouvidos, ganharam dentes.

A internet é de todos e para todos, mas os jovens a dominam porque a criam e são criados por ela. Eles têm DNA digital. Agora as chances de suas ideias encontrarem eco e tração são muito maiores. O poder é jovem como nunca foi antes.

É notável a ausência de partidos políticos ou grupos organizados tradicionais, como igrejas e sindicatos, envolvidos na mobilização de milhares de pessoas em mais de 950 cidades de 82 países no último sábado, uma "hola" global de protestos derivativa do movimento Ocupe Wall Street, de Nova Iorque.

Não há uma estrutura tradicional, mas uma ideia por trás dessa onda, a de que os modelos político e econômico não estão funcionando bem e que a correção necessária só virá com protestos de rua.

Concorde-se ou não com suas bandeiras, essa "hola" global é um marco histórico de organização popular horizontal, transnacional, digital e jovem. É uma prova cabal da erosão de fronteiras e outras inibições.

E é só o começo. Ou melhor, é só o começo do começo. Estou em Paris para o 7º Fórum da Juventude da Unesco, a organização da ONU para a educação, a ciência e a cultura, da qual fui nomeado embaixador da Boa Vontade neste ano com meus amigos Vik Muniz e Oskar Metzavaht.

A sede da Unesco em Paris ferve com a emergência jovem. Essa organização respeitada e tradicional tem, como nenhuma outra, capacidade de apoiar e inspirar os jovens, reunindo representantes de dezenas de países e culturas para compartilhar experiências.

Todos devem participar dessa discussão. Ela é global e aberta (www.unesco.org). Estarão em Paris 250 delegados jovens dos 193 países-membros e mais de 250 observadores da sociedade civil. Precisamos entender como eles conduzirão as mudanças no mundo e facilitar essas transformações.

É preciso lembrar que, em vários países, os jovens já começaram a mudar o mundo começando por mudar o seu próprio mundo. Eles estão usando armas como telefones celulares, câmaras digitais e redes sociais.

Essas armas transformaram protestos por democracia em revoluções populares. E ajudam a organizar campanhas por direitos humanos, por melhorias na educação e contra a corrupção.
Com o poder digital, o poder local vira global.

Qualquer um, de sua casa, pode participar dos fluxos ilimitados e incessantes que definem o nosso mundo contemporâneo: o fluxo de informações, de pessoas, de produtos. É um fluxo global, transformador, que derruba todas as barreiras à frente.

A era das revoluções foi um termo usado para definir o período de movimentos tectônicos como a Revolução Francesa e a Revolução Industrial, que mudaram o mundo antigo e moldaram a modernidade.

Vivemos no pós-moderno, no pós-tudo, que justamente por isso é pré-tudo. A era das revoluções que estamos inaugurando promete muito menos sangue e poluição. Seus motes são a colaboração, o respeito ao ser humano e ao ambiente.

Mesmo em meio ao pessimismo que vigora aqui no hemisfério Norte, há razões para otimismo.

O fluxo será mais forte que o refluxo da crise econômica.

Publicitário e presidente do Grupo ABC

RUBEM ALVES - Sobre o morrer


Sobre o morrer
RUBEM ALVES 
 Folha de São Paulo - 18/10/11


"Ninguém quer morrer. Mesmo as pessoas que querem chegar ao paraíso. Mas a morte é o destino de todos nós."(Steve Jobs)

Odeio a ideia de morte repentina, embora todos achem que é a melhor. Discordo. Tremo ao pensar que o jaguar negro possa estar à espreita na próxima esquina. Não quero que seja súbita. Quero tempo para escrever o meu haikai.Mallarmé tinha o sonho de escrever um livro com uma palavra só. Achei-o louco. Depois compreendi. Para escrever um livro assim, de uma palavra só, seria preciso ter-se tornado sábio, infinitamente sábio. Tão sábio que soubesse qual é a última palavra, aquela que permanece solitária depois que todas as outras se calaram. Mas isso é coisa que só a Morte ensina. Mallarmé certamente era seu discípulo.

O último haikai é isto: o esforço supremo para dizer a beleza simples da vida que se vai. Tenho terror de ser enganado. Se estiver para morrer, que me digam. Se me disserem que ainda me restam dez anos, continuarei a ser tolo, mosca agitada na teia das me-díocres, mesquinhas rotinas do cotidiano. Mas se só me restam seis meses, então tudo se torna repentinamente puro e luminoso. Os não essenciais se despregam do corpo, como escamas inúteis.
A Morte me informa sobre o que realmente importa. Me daria ao luxo de escolher as pessoas com quem conversar. E poderia ficar em silêncio, se o desejasse. Perante a morte tudo é desculpável... Creio que não mais leria prosa. Com algumas exceções: Nietzsche, Camus, Guimarães Rosa. Todos eles foram aprendizes da mesma mestra. E certo que não perderia um segundo com filosofia. E me dedicaria à poesia com uma volúpia que até hoje não me permiti. Porque a poesia pertence ao clima de verdade e encanto que a Morte instaura. E ouviria mais Bach e Beethoven. Além de usar meu tempo no prazer de cuidar do meu jardim...
Curioso que a Morte nada tenha a dizer sobre si mesma. Quem sabe sobre a Morte são os vivos. A Morte, ao contrário, só fala sobre a Vida, e depois do seu olhar tudo fica com aquele ar de "ausência que se demora, uma despedida pronta a cumprir-se" (Cecília Meireles). E ela nos faz sempre a mesma pergunta: "Afinal, que é que você está esperando?" Como dizia o bruxo D. Juan ao seu aprendiz:
"A morte é a única conselheira sábia que temos. Sempre que você sentir que tudo vai de mal a pior e que você está a ponto de ser aniquilado, volte-se para a sua Morte e pergunte-lhe se isso é verdade.
Sua Morte lhe dirá que você está errado. Nada realmente importa fora do seu toque... Sua Morte o encarará e lhe dirá: 'Ainda não o toquei...'"
E o feiticeiro concluiu: "Um de nós tem de mudar, e rápido. Um de nós tem de aprender que a Morte é caçadora, e está sempre à nossa esquerda. Um de nós tem de aceitar o conselho da Morte e abandonar a maldita mesquinharia que acompanha os homens que vivem suas vidas como se a Morte não os fosse tocar nunca".
Às vezes ela chega perto demais, o susto é infinito, e até deixa no corpo marcas de sua passagem. Mas se tivermos coragem para a olharmos de frente é certo que ficaremos sábios e a vida ganhará simplicidade e a beleza de um haikai.

ARNALDO JABOR - Em busca de um tempo perdido (1)



Em busca de um tempo perdido (1)
ARNALDO JABOR
O Estado de S.Paulo - 18/10/11

"Durante muito tempo, costumava deitar-me cedo." (*)

Mas ficava de olhos abertos para a tênue iluminação da rua que entrava pela fresta da janela. Desde o crepúsculo, filtrava-se uma luz entre o roxo e o dourado que ia morrendo, enquanto eu ouvia as mães chamando os meninos para dentro, um carro que passava e o silêncio que se ouvia depois, os acordes iniciais do Guarani (prefixo da Hora do Brasil) às sete da noite, que soava no rádio de meu pai, avisando aos navegantes que "as boias de luz estavam apagadas temporariamente" no mar, o que me dava uma grande paz, por estar aconchegado em minha cama, mas com pena da solidão das boias de luz flutuando sem rumo no vasto oceano. Meus brinquedos, carrinhos de lata, rolimãs, bolas de gude, jogo de botões, tudo fazia parte de um mundo que estaria ali quando eu acordasse, um pequeno país que eu habitava, limitado por ruas perpendiculares à minha, por terrenos baldios, por valas onde pescava ínfimos peixinhos, por árvores escaladas, pelas casas vizinhas onde se aninhavam amigos e perigosos inimigos - a paisagem dos meus primeiros anos.

Eu ainda não via as coisas em conjunto, minha visão geral era rala e meus olhos se detinham em minúcias que até hoje me emocionam sem razão, detalhes que pareciam revelar mistérios, como a chuva batendo quente e lenta no muro amarelo e roído de buracos, os urubus voando muito longe entre árvores altíssimas e nuvens esgarçadas, as formigas levando folhas de fícus para o buraquinho, onde eu colocava açúcar para surpreendê-las, tontas com o doce presente inesperado, o homem-do-saco que passava todo dia e que, ameaçavam os adultos, levava crianças para fazer sabão, os cachorros vadios que, esses sim, viravam sabão quando a 'carrocinha' da polícia passava, o mendigo veado que revirava os olhos, imundo, chamado de 'Amélia', e que, garantiam, ficara assim porque dera mijo para a mãe que lhe pedira água no leito de morte, brigas entre 'gravatas' e bofetadas, o projecionista do Cine Palácio Vitoria que brilhava ao fim da rua e que toda noite nos dava fotogramas cortados de filmes arrebentados, o que me fez conhecer o cinema em pequenos quadrinhos coloridos com rostos de Virginia Mayo, Sabu, cavalos a galope, beijos na boca, coxas de odalisca, múmias e desenhos do Mickey, sheiks brancos no deserto, o carro grená de meu pai que chegava, minha mãe esperando no portão.

Já houve muitos "eus" dentro de mim, mas nessa infância profunda, "eu" ainda não havia. Havia o mundo misterioso que eu pesquisava em pedaços. Aos poucos, foram se colando em mim os primeiros sustos, súbito entendimento de segredos, a descoberta do corpo, a diferença das meninas, o 'pau, o cu, a boceta', os palavrões que eu aprendia nas vilas e esquinas, palavras sussurradas como senhas, indícios do que seria a 'realidade' para mim, mais tarde. Escrevo essas coisas para lembrar de mim mesmo, vivendo em meio a uma nuvem de impressões fátuas, confusas, de onde, às vezes, saltava alguma coisa com aparência de sentido, um súbito sentimento que me parecia essencial, como um órgão oculto que eu descobria.

Eu devia ter uns 6 anos quando fui a meu primeiro dia de aula, levado por minha mãe na Rua 24 de maio, no Rocha, coberta de folhas secas de mangueira que o vento derrubara. Fiquei sozinho pela primeira vez, sem pai nem mãe no colégio desconhecido.

No pátio do recreio, crianças corriam. Uma bola de borracha voou em minha direção e bateu-me no peito. Olhei e vi uma menina morena, de tranças, olhos negros, bem perto de mim, pedindo a bola. Lembro que seu queixo tinha um pequeno machucado, como um arranhão coberto de mercúrio cromo. Seu nariz era arrebitado, insolente e num lampejo eu senti um tremor desconhecido.

Ela deve ter me fitado no fundo dos olhos por uns três segundos, mas até hoje me lembro de sua expressão afogueada e vi que ela também sentira algum sinal em meu corpo, alguma informação da matéria em seu destino de fêmea. Tenho certeza de que nossos olhos viram a mesma coisa, um no outro. Senti que eu fazia parte de um magnetismo da natureza que me envolvia e envolvia a menina, que alguma coisa vibrava entre nós e que eu tinha um destino ligado àquele tipo de ser, gente de trança, que ria com dentes brancos e lábios vermelhos que era diferente de mim e entendi também que sem aquela diferença eu não me completaria. Ela voltou para o jogo e vi suas pernas correndo e ela se virando para uma última olhada. Meu sentimento infantil foi de impossibilidade, aquele rosto me pareceu maravilhoso e impossível de ser atingido inteiramente - um momento de descoberta e perda. Misteriosamente, nunca mais a encontrei naquela escola.

Foi mais ou menos isso, felicidade e medo, a sensação de tocar num mistério sempre movente, como um fotograma que para por um instante e logo se move na continuação do filme. Sempre senti isso pela vida afora em cada visão de mulheres que amei. São momentos em que a máquina da vida parece se explicar, como se fosse uma lembrança do futuro, como se eu me lembrasse do que iria viver. Percebo hoje que aquela sensação de profundo sentido que tive aos 6 anos pode ter definido minha maneira de amar pelos tempos que viriam. Talvez tenha visto, por um segundo, que o amor aparece em brevíssimos instantes, um cabelo molhado, um rosto dormindo, despertando em nós uma espécie de 'compaixão' por nosso próprio desamparo, entrevisto no outro.

(*) Vou 'dar um tempo' em análises inúteis sobre o Brasil, este país paralisado, onde tudo são expectativas e adivinhações baratas. É ridículo tentar alguma racionalidade sobre a imunda paisagem política que vivemos, onde a corrupção é lei e o absurdo é invencível, tudo dentro de um mundo em crise que só entenderemos quando o pior acontecer.

Por isso, ousarei escrever vários textos como um pobre diabo "proustiano", a ver se descubro alguma clareza sobre o tempo que percorri até hoje. Continuo, talvez, semana que vem.

MÔNICA BERGAMO - BIKE ANUNCIADA



BIKE ANUNCIADA
MÔNICA BERGAMO
FOLHA DE SP - 18/10/11

O prefeito Gilberto Kassab está fazendo acordo que permitirá a publicidade nas ciclofaixas de SP. Em troca, cobrará investimentos para triplicar os 50 quilômetros de espaços exclusivos para bicicletas nos finais de semana.

OUTDOOR
A equipe de Kassab já conversa com o banco Bradesco, atual patrocinador das ciclofaixas existentes.

CHAMA A IRINY!
Polêmica no Enem: o MEC já recebeu uma dezena de reclamações no 0800 que questionam o fato de o governo ter escolhido como garota-propaganda das provas Carol Castro, que já posou para a "Playboy". Até cópias de capas da revista foram enviadas ao gabinete do ministro Fernando Haddad.

NA MESMA
O MEC preferiu ignorar as queixas.

HADDAD FALA
Haddad fará pronunciamento em rede nacional na quinta sobre o Enem. As provas estão marcadas para o próximo fim de semana.

CEGONHA
Grazi Massafera está grávida. É o primeiro filho dela e do ator Cauã Reymond. Eles estão juntos há cinco anos.

PACOTE
O grupo North Shopping negocia a compra de shoppings em Indaiatuba, Campinas e Araraquara.

MEIO A MEIO
A diretoria do SPFC se dividia ontem: uma parte defendia a manutenção de Milton Cruz como técnico até o fim do ano. E então uma investida para tentar trazer Muricy Ramalho, hoje no Santos e ídolo dos torcedores, para o tricolor. Uma outra parte queria que o clube já tentasse contratar Felipão, descontente no Palmeiras.

QUESTÃO DE ESTILO
Juvenal Juvêncio, presidente do SPFC, fazia ressalvas a Felipão nas últimas semanas, quando o assunto começou a ser discutido no clube. "Ele manda demais", disse ele a interlocutores. Juvêncio gosta de interferir no dia a dia do time. Outro ponto: se topasse a transferência para o Morumbi, Felipão teria que se contentar com a metade do salário do Verdão, de R$ 700 mil mensais.

Gabriel Rinaldi

ZÉ SEXUAL

José Celso Martinez Corrêa, 74, é o entrevistado da próxima edição da "Trip". Sobre sexualidade, ele diz ser "um mistério tão grande. O bicho humano tem atração por muita coisa, vai muito além do papai e mamãe, da homossexualidade. Sou um homem sexual".

PLANTÃO MÉDICO

O presidente do Hospital Albert Einstein, Claudio Lottenberg, e a mulher, Ida, receberam convidados como o ministro Alexandre Padilha e o presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, para a festa de 40 anos da instituição, no sábado. Os atores Dan Stulbach e Eva Wilma conduziram a cerimônia.

PREVISÃO
Nouriel Roubini, que previu a crise econômica de 2008, confirmou presença no evento HSM ExpoManagement.

Desembarca em São Paulo em novembro.

BOCA NO TROMBONE
A atriz Thalma de Freitas afirma não poder provar que os policiais que a encaminharam a uma delegacia no Leblon, na sexta, no Rio, tenham sido racistas. "O policial disse que era negro. Mas policial negro também age como racista. O racismo está implícito nas atitudes da polícia", diz. "Só sei que eu e uma garota loira fomos paradas pela polícia. Mas só eu fui pra delegacia."

BOCA NO TROMBONE 2
Ela, que foi abordada pelos policiais quando saía a pé da casa de uma amiga, no bairro do Vidigal, diz que o preconceito contra negros "nunca irá retroceder". "O racismo é uma doença social que foi plantada na cabeça das pessoas. Nunca vou me vitimizar, me sentir ofendida. Racista nenhum vai tirar minha dignidade. "

PÃO E ARTE
Uma exposição do escultor britânico Antony Gormley será inaugurada no CCBB de SP, em 2012. Estarão à mostra instalações, gravuras, fotos e trabalhos feitos com concreto, pão e ferro. A obra "Event Horizon", com homens de 1,90 m de altura em ferro e fibra de vidro que são espalhados pela cidade, poderá integrar o calendário.

CURTO-CIRCUITO

Will.i.am lança seu single "Great Times" em uma festa para convidados, hoje, na A.F.A.I.R.

Renato Grinberg lança hoje o livro "A Estratégia do Olho de Tigre", na Cultura do Conjunto Nacional.

A banda Titãs toca no dia 28, às 22h, no Citibank Hall. 16 anos.

com DIÓGENES CAMPANHA, LÍGIA MESQUITA e THAIS BILENKY

HÉLIO SCHWARTSMAN - A doença fluminense



A doença fluminense
HÉLIO SCHWARTSMAN
FOLHA DE SP - 18/10/11

- Essa disputa entre os Estados pelos royalties do petróleo é um dos raros casos em que nenhum dos lados envolvidos tem razão, pelo menos a julgar pelos cânones da boa teoria econômica.

Como explica Flávia Caheté Lopes Carvalho em "Aspectos Éticos da Exploração do Petróleo", sua dissertação de mestrado, conceitualmente os royalties servem para compensar as próximas gerações pelo uso presente de um bem que, por ser exaurível, não estará disponível no futuro, quando valeria mais do que hoje.

Quem destrinchou as bases matemáticas do problema foi Harold Hotteling (1895-1973) num texto clássico de 1931. A ideia central do autor é que é preciso pôr um preço extra na utilização de bens esgotáveis para estabilizar o mercado e maximizar, ao longo do tempo, os benefícios que eles podem produzir.

É claro que apenas cobrar os royalties não basta para assegurar que o objetivo seja alcançado. Seria necessário também aplicar os recursos em áreas estratégicas, que preparem o país para o futuro no qual o petróleo não mais existirá. Tipicamente, o dinheiro deveria ir para rubricas como pesquisa, desenvolvimento tecnológico e educação. São, afinal, conhecidos os perigos da "doença holandesa", a desindustrialização provocada pela exploração de recursos naturais e pelas distorções cambiais dela decorrentes.

O Brasil, contudo, deturpou inteiramente a ideia por trás dos royalties. Os Estados que hoje os recebem não pensam duas vezes antes de empenhá-los no pagamento de despesas correntes e até no financiamento da guerra fiscal, como vem fazendo o Rio de Janeiro. Tampouco consta que as unidades federativas prestes a tomar sua parte no butim estejam pensando muito seriamente em constituir fundos tecnológicos.

Mais uma vez, vamos rifando o futuro de nossos filhos e netos em troca de mais um punhado de cargos e verbas para torrar.

RENATA LO PRETE - PAINEL


Organograma
RENATA LO PRETE
FOLHA DE SP - 18/10/11

Além de adotar estratégia de exposição máxima, na contramão de colegas de Esplanada que já estiveram na berlinda, Orlando Silva (Esporte) não se absteve de trazer aos holofotes o personagem Agnelo Queiroz (PT), governador do DF e ex-titular da pasta quando da assinatura de um dos convênios com as ONGs envolvidas nas denúncias de corrupção. Na entrevista de ontem e em conversas com integrantes do governo, o nome do ex-comunista Agnelo apareceu reiteradas vezes na narrativa do ministro. No PC do B, há quem seja mais direto. "O Orlando pode até cair. Mas aí o governador do DF tem de cair junto", afirma um expoente da sigla.

Tá quente O silêncio de Agnelo Queiroz, passados três dias da denúncia envolvendo o programa Segundo Tempo, chamou a atenção do Planalto. O governador está em viagem e só se pronunciou até aqui por meio de sua assessoria de imprensa.

DNA O entorno de Dilma acredita que as denúncias contra Orlando tenham sido ressuscitadas com ajuda de atores externos -leia-se CBF e Fifa. O pano de fundo seria a tentativa de interferência na discussão da Lei Geral da Copa, que começa a tramitar no Congresso e é objeto de polêmica.

Ironia... Orlando Silva começou a cair em desgraça com a cúpula da CBF desde que passou a se portar em relação à entidade da maneira como Dilma desejava que seus dirigentes fossem tratados. O clima azedou de vez quando Pelé foi escolhido "embaixador" da Copa.


q ...do destino No governo Lula, a relação do ministro do Esporte com os cartolas do futebol era estreita.

Talk show Renata Pereira, gerente de relacionamento com a imprensa da Fifa no Brasil, apresentará a cerimônia de anúncio das tabelas do Mundial, quinta, em Zurique. Com ela no palco, Jerome Valcke (secretário-geral) e Ricardo Teixeira (em nome do comitê local) explicarão os critérios de escolha das sedes.

Tenho dito O ministro Guido Mantega (Fazenda) telefonou para o líder do PMDB, Henrique Alves (RN), reforçando a orientação de Dilma: deixou claro que o governo não cederá mais na disputa sobre os royalties.

W.O. 1 Geraldo Alckmin preferiu não ir ao evento durante o qual São Paulo será anunciada sede da abertura da Copa. O tucano sabe que a oficialização da escolha devolverá à sua mesa o desconfortável compromisso do custeio da estrutura móvel de 17 mil lugares exigida pela Fifa para que o Itaquerão inaugure a competição.

W.O. 2 O governador insiste na tentativa de buscar patrocínio privado para os assentos extras, mas não definiu o modelo de contratação e o valor do investimento.

Mochila vazia 1 A Prefeitura de SP atrasará a entrega de kits escolares a 700 mil alunos em 2012. A licitação foi suspensa pelo Tribunal de Contas, que considera que o material só deve ser entregue a estudantes carentes e que os 20 itens devem ser adquiridos separadamente.

Mochila vazia 2 O governo alega que, desde 2002, oferece o kit a toda rede e, ao licitar o lote fechado, facilita a logística. Caso o tribunal não libere o edital, Gilberto Kassab recorrerá a uma ata de compras estadual.

Visita à Folha Andrea Calabi, secretário da Fazenda do Estado de São Paulo, visitou ontem a Folha, a convite do jornal, onde foi recebido em almoço. Estava com Euripedes Oliveira, assessor.

com LETÍCIA SANDER e FÁBIO ZAMBELI

tiroteio

"A presença do ministro agora no Congresso Nacional é o início da operação abafa. Para que se tenha transparência, primeiro deve comparecer quem acusa."
DO LÍDER DO DEM, ACM NETO (BA), criticando a decisão de Orlando Silva, que se comprometeu a prestar esclarecimentos à Câmara antes de os congressistas interrogarem os autores das denúncias de corrupção no Ministério do Esporte.

contraponto

Também quero


Em sessão da Câmara, Benedita da Silva (PT-RJ), 69, discorria sobre seu apoio ao Estatuto da Juventude:
-Como a mais idosa deputada da Frente Parlamentar da Juventude, queria agradecer aos pares da minha idade que estão na luta pelos direitos dos jovens.
O presidente da Casa, Marco Maia (PT-RS), interveio, lembrando a recente aprovação da meia-entrada:
-Esta aí uma objeção minha em relação ao projeto, que beneficia que tem até 29 anos. Poderia bem ser até os 46, assim eu também estaria nessa...

JOSÉ PAULO KUPFER - A economia e as gravatas



A economia e as gravatas
JOSÉ PAULO KUPFER 
O Estado de S.Paulo - 18/10/11

Em nada o clima às vésperas da nova reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), hoje e amanhã, se parece com que o que envolveu a decisão anterior, anunciada em fins de agosto. Um mês e meio de prolongamento da crise externa e de informações menos ambíguas a respeito da redução do ritmo de crescimento da economia doméstica, mesmo com a inflação em zona desconfortável, ajudaram a desanuviar o ambiente.

Os últimos 45 dias também foram úteis para fazer refluir a percepção de que o Banco Central (BC) havia abandonado - e abandonado sem aviso prévio - o regime de metas de inflação. Depois de provocar fortes ruídos na comunicação com os agentes econômicos, sobretudo no mercado financeiro, o BC veio a público com frequência maior do que a praxe e ajustou o discurso.

Pode-se supor que a falha do BC se deveu a uma suposta convicção de que, uma dúzia de anos de vigência do regime de metas entre nós seria suficiente para um entendimento dos conceitos e instrumentos com os quais ele opera, cujo âmago é uma "flexibilidade restrita". Mas não foi bem isso o que se viu.

As teorias econômicas e seus instrumentos de aplicação são como as gravatas. As gravatas evoluem conforme seu tempo e não deixam nunca de ser gravatas. Afinam, depois alargam, voltam a afinar e a alargar, exibindo durante um tempo estampas berrantes e em outros desenhos mais discretos.

Regimes monetários de metas de inflação são os atuais sucessores do regimes de metas monetárias dos anos 70 e 80. E esses, por sua vez, sucederam regimes de metas cambiais, cuja versão da época de sua substituição datava do pós-guerra. Cada um serviu a seu tempo e foi substituído por outro quando os tempos mudaram.

Quando as metas cambiais, derivadas do dólar-ouro, perderam eficácia, na entrada da década de 70, com o fim da relação do dólar com o ouro e a crise dos petrodólares, a gravata econômica adotou o feitio do controle da base monetária (oferta de moeda em circulação).

A ideia era aplicar uma regra que vinculava a trajetória da inflação à emissão de moeda. Por trás da ideia, as teorias de Milton Friedman, segundo as quais a política monetária é neutra em relação à economia real, pois no longo prazo a economia tende a uma taxa "natural" de desemprego.

O regime de metas monetárias sucumbiu a uma fase de turbulências econômicas e políticas - elevação dos preços do petróleo e guerras nas regiões produtoras, resumidas num período de estagflação. Os que viveram esse tempo se lembram de Paul Volcker, presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), jogando os juros, nos Estados Unidos, acima de 20% ao ano, e do ministro Mário Henrique Simonsen, no Brasil, de olhos pregados "na sensibilidade da base monetária". Devem se lembrar também das gravatas larguíssimas e de desenhos berrantes então na moda.

É já nesse período que o regime de metas de inflação começa a ser gestado. A Nova Zelândia, em 1990, é o primeiro país a adotar o novo regime. Virou moda global nas duas últimas décadas e mesmo economias que não definiram um regime de metas explícito, como é o caso dos Estados Unidos, adotaram algum tipo de sistema de metas.

A partir da mesma matriz teórica - a de que a política monetária não afeta a economia real -, diferentemente do determinado pelo receituário keynesiano, que nega a neutralidade da política monetária e sugere que os BCs devem operar sem condicionantes, o regime de metas de inflação manteve a concepção de que a autoridade monetária precisa obedecer a regras na perseguição dos objetivos fixados. Mas, agora, a regra deve ser bem mais flexível.

Para o economista André de Melo Modenesi, professor do Instituto de Economia da UFRJ, e autor do livro Regimes Monetários (2005, Manole, São Paulo, 450 págs.), o regime de meta de inflação foge, de certo modo, da dicotomia entre condicionantes e não condicionantes na aplicação da política monetária.

"Trata-se de um regime híbrido, que proporciona algum nível de flexibilidade, ainda que limitada pelo anúncio dos objetivos gerais e estratégias na condução da política monetária", afirma Modenesi.

Dessa natureza mais flexível decorrem as diversas configurações que o regime de metas tem assumido. Alguns países, como Inglaterra, Canadá e África do Sul, adotam como meta alguma medida de núcleo de inflação. Outros, como Espanha, Suécia e Austrália, não definem prazo para alcançar a meta.

O Brasil adota um regime mais rígido, com meta de inflação cheia e período definido pelo ano civil, mas compensa as instabilidades inerentes ao regime de metas de inflação com a aceitação de um intervalo de dois pontos porcentuais em torno do centro da meta.

Agora, num ambiente de crise profunda e de amplas dimensões, o regime de metas passa por uma prova de fogo. Já se imagina que terá de ser adaptado, para incluir em seu arcabouço estratégias que permitam evitar, quando a inflação estiver baixa, a formação de bolhas de ativos, como a que deflagrou as turbulências em que estamos metidos.

Não se duvide de que, nos novos tempos que virão depois da crise, uma nova moda econômica esteja a caminho. Assim como no caso das gravatas, que já estão ficando mais finas.