Congresso faz planos para as sobras da Selic
MARIA CRISTINA FERNANDES
VALOR ECONÔMICO - 16/09/11
Na política posta em curso pela presidente Dilma Rousseff, a uma queda continuada na taxa de juros deve corresponder um esforço de redução das despesas do governo. Mais expressiva mudança de seus quase nove meses de governo, a política econômica da presidente, além de não ser capitalizada por seus aliados no Congresso, tem a seguinte leitura parlamentar: os juros vão cair e, consequentemente, vai sobrar mais dinheiro para o governo gastar.
A presidente já se deu conta do que esse divórcio de interesses vai lhe aprontar na regulamentação da emenda 29. Na quarta-feira se deixou parar durante 23 minutos por repórteres que a acompanhavam na visita a uma exposição em Brasília e, sem pressa, explicou detalhadamente sua posição: a saúde tem, sim, um problema de gestão que se traduz na ausência de dados precisos sobre o quanto o setor privado usa dos recursos do SUS sem reembolsá-lo; em equipamentos de saúde irregularmente distribuídos e utilizados no território nacional; e num atendimento desumano nos hospitais. Mas o problema não é só de gestão. O Brasil, disse Dilma, gasta 42% a menos, per capita, do que a Argentina gasta em Saúde; e 27% a menos do que o Chile gasta. E o setor público gasta duas vezes e meia a menos do que o setor privado com Saúde. Para que o sistema seja universal e de qualidade precisa tanto gestão quanto de dinheiro.
Os dados de que fala a presidente estão no endereço eletrônico da Organização Mundial de Saúde (www.who.int). Aprende-se com suas tabelas que o gasto do governo com saúde em relação ao total de gastos públicos no Brasil (6%) não fica abaixo apenas do verificado na Argentina (13,7%) ou no Chile (15,6%), mas também perde para todos os países da fronteira: Paraguai (12,3%), Colômbia (18,3%), Peru (15,6%), Uruguai (13,8%), Bolívia (8,9%) e Equador (6,9%).
É fato, portanto, que os gastos são baixos. É na sua justificativa que surgem as versões. A da presidente é que não há dinheiro no Orçamento para aumentá-los. A dos parlamentares é que, além de a arrecadação, que já beira os 40% do PIB permitir aumentar a despesa, uma conta menor de juros vai dar ainda mais folga de caixa ao Tesouro.
Na primeira sessão que a Comissão Mista de Orçamento fez com a ministra do Planejamento, Miriam Belchior, o deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS), presidente da Frente Parlamentar da Saúde, tinha o número da ponta da língua: a cada ponto percentual da taxa Selic reduzem-se R$ 16 bilhões do serviço da dívida.
O que a tramitação do Orçamento revela de mais importante não é o mapa de gastos do governo, mas a estratégia política traçada pelos parlamentares a partir das intenções enunciadas pelo Executivo.
O chefe da bancada da Saúde anunciou ali sua rota. A emenda 29, que prevê os percentuais mínimos de gastos da Saúde para União, Estados e municípios vai entrar em pauta na próxima semana na Câmara, devendo ser aprovada sem a fonte de recursos. Líderes do PT e do PMDB têm se revezado em propostas como a taxação de grandes fortunas ou dos bingos que não têm sido levadas a sério nem por seus correligionários. A ideia de tirar dinheiro do pré-sal, além da resistência do governo, tampouco tem entusiasmado o Congresso porque o fundo a ser formado com os recursos da exploração só ganhará corpo a partir de 2015.
No Senado tampouco há maioria clara pela recriação de uma contribuição para a Saúde nos moldes da CPMF. A emenda tende, pois, a ser aprovada sem um novo imposto, o que vai levar os governadores a pressionar a presidente pelo veto sob a alegação de que não podem gastar 12% com saúde sem uma fonte extra de recursos. A presidente já tentou colocar no colo dos governadores a missão de dobrar o Congresso. O mais entusiasmado com a ideia foi o governador Sérgio Cabral (RJ), cujo histórico de negociação nos royalties não autoriza um bom prognóstico.
No Orçamento, que tramita paralelamente no Congresso, a bancada da Saúde vai pressionar a Comissão de Orçamento para que a reestimativa de receita inclua mais recursos para o setor. Contará com um relator, Arlindo Chinaglia (PT-SP), e um presidente, Vital do Rego (PMDB-PB), sensíveis ao tema porque médicos.
Na reunião desta semana, o deputado Gilmar Machado (PT-MT) calculou entre R$ 20 e R$ 30 bilhões a receita adicional que não está prevista no projeto de lei enviado pelo Executivo. Apenas a renegociação do Supersimples, em seus cálculos, vai trazer essa bolada para o caixa da União.
Além da Saúde e de uma fatia dos R$ 7,7 bi pretendidos pelo Judiciário, a Comissão ainda vai ter que abrigar nessa receita adicional emendas parlamentares e a compensação dos Estados prejudicados pela pendenga da Lei Kandir, que desonerou as exportações.
"Com um salário mínimo que vai chegar a R$ 620 o trabalhador vai gastar e movimentar a economia. Não queremos fazer nenhuma irresponsabilidade mas vamos ter que chegar mais perto dos números reais da economia", disse o deputado do partido da presidente.
A negociação da Emenda 29 não coloca em risco apenas uma solução para o financiamento da saúde que já perambula há 11 anos no Congresso. Se mal conduzida, pode queimar pontes entre o governo e sua base para a aprovação de projetos necessários à continuidade da política de redução de juros como, por exemplo, a desvinculação da poupança da taxa Selic.
A presidente já se deu conta do que esse divórcio de interesses vai lhe aprontar na regulamentação da emenda 29. Na quarta-feira se deixou parar durante 23 minutos por repórteres que a acompanhavam na visita a uma exposição em Brasília e, sem pressa, explicou detalhadamente sua posição: a saúde tem, sim, um problema de gestão que se traduz na ausência de dados precisos sobre o quanto o setor privado usa dos recursos do SUS sem reembolsá-lo; em equipamentos de saúde irregularmente distribuídos e utilizados no território nacional; e num atendimento desumano nos hospitais. Mas o problema não é só de gestão. O Brasil, disse Dilma, gasta 42% a menos, per capita, do que a Argentina gasta em Saúde; e 27% a menos do que o Chile gasta. E o setor público gasta duas vezes e meia a menos do que o setor privado com Saúde. Para que o sistema seja universal e de qualidade precisa tanto gestão quanto de dinheiro.
Os dados de que fala a presidente estão no endereço eletrônico da Organização Mundial de Saúde (www.who.int). Aprende-se com suas tabelas que o gasto do governo com saúde em relação ao total de gastos públicos no Brasil (6%) não fica abaixo apenas do verificado na Argentina (13,7%) ou no Chile (15,6%), mas também perde para todos os países da fronteira: Paraguai (12,3%), Colômbia (18,3%), Peru (15,6%), Uruguai (13,8%), Bolívia (8,9%) e Equador (6,9%).
É fato, portanto, que os gastos são baixos. É na sua justificativa que surgem as versões. A da presidente é que não há dinheiro no Orçamento para aumentá-los. A dos parlamentares é que, além de a arrecadação, que já beira os 40% do PIB permitir aumentar a despesa, uma conta menor de juros vai dar ainda mais folga de caixa ao Tesouro.
Na primeira sessão que a Comissão Mista de Orçamento fez com a ministra do Planejamento, Miriam Belchior, o deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS), presidente da Frente Parlamentar da Saúde, tinha o número da ponta da língua: a cada ponto percentual da taxa Selic reduzem-se R$ 16 bilhões do serviço da dívida.
O que a tramitação do Orçamento revela de mais importante não é o mapa de gastos do governo, mas a estratégia política traçada pelos parlamentares a partir das intenções enunciadas pelo Executivo.
O chefe da bancada da Saúde anunciou ali sua rota. A emenda 29, que prevê os percentuais mínimos de gastos da Saúde para União, Estados e municípios vai entrar em pauta na próxima semana na Câmara, devendo ser aprovada sem a fonte de recursos. Líderes do PT e do PMDB têm se revezado em propostas como a taxação de grandes fortunas ou dos bingos que não têm sido levadas a sério nem por seus correligionários. A ideia de tirar dinheiro do pré-sal, além da resistência do governo, tampouco tem entusiasmado o Congresso porque o fundo a ser formado com os recursos da exploração só ganhará corpo a partir de 2015.
No Senado tampouco há maioria clara pela recriação de uma contribuição para a Saúde nos moldes da CPMF. A emenda tende, pois, a ser aprovada sem um novo imposto, o que vai levar os governadores a pressionar a presidente pelo veto sob a alegação de que não podem gastar 12% com saúde sem uma fonte extra de recursos. A presidente já tentou colocar no colo dos governadores a missão de dobrar o Congresso. O mais entusiasmado com a ideia foi o governador Sérgio Cabral (RJ), cujo histórico de negociação nos royalties não autoriza um bom prognóstico.
No Orçamento, que tramita paralelamente no Congresso, a bancada da Saúde vai pressionar a Comissão de Orçamento para que a reestimativa de receita inclua mais recursos para o setor. Contará com um relator, Arlindo Chinaglia (PT-SP), e um presidente, Vital do Rego (PMDB-PB), sensíveis ao tema porque médicos.
Na reunião desta semana, o deputado Gilmar Machado (PT-MT) calculou entre R$ 20 e R$ 30 bilhões a receita adicional que não está prevista no projeto de lei enviado pelo Executivo. Apenas a renegociação do Supersimples, em seus cálculos, vai trazer essa bolada para o caixa da União.
Além da Saúde e de uma fatia dos R$ 7,7 bi pretendidos pelo Judiciário, a Comissão ainda vai ter que abrigar nessa receita adicional emendas parlamentares e a compensação dos Estados prejudicados pela pendenga da Lei Kandir, que desonerou as exportações.
"Com um salário mínimo que vai chegar a R$ 620 o trabalhador vai gastar e movimentar a economia. Não queremos fazer nenhuma irresponsabilidade mas vamos ter que chegar mais perto dos números reais da economia", disse o deputado do partido da presidente.
A negociação da Emenda 29 não coloca em risco apenas uma solução para o financiamento da saúde que já perambula há 11 anos no Congresso. Se mal conduzida, pode queimar pontes entre o governo e sua base para a aprovação de projetos necessários à continuidade da política de redução de juros como, por exemplo, a desvinculação da poupança da taxa Selic.