Bellini e a menina
RUY CASTRO
Folha de São Paulo - 20/08/11
Em julho de 1958, uma menina de 10 anos, sofrendo de poliomielite desde bebê, fez sua primeira cirurgia na perna. Enquanto convalescia, montou um álbum de recortes sobre seu ídolo, o homem mais bonito do Brasil, o xodó de todas as mulheres, crianças e até avós: Bellini, zagueiro do Vasco e capitão da seleção brasileira recém-campeã do mundo na Suécia. Certo dia, a porta da casa onde ela morava com sua família no Leblon se abriu, e uma visita de surpresa disse: "Boa-noite". Era Bellini.
Como? Simples. Alguém que conhecia alguém que conhecia Bellini falou-lhe da menina. Bellini tinha 28 anos e não chegava para as encomendas. Quando não estava treinando ou jogando pelo Vasco, tinha de viajar com a Copa do Mundo pelo país e levantar o caneco em festas e banquetes. Mas ele achou tempo para ver a garota, que ficou muda de emoção enquanto ele lhe contava histórias da Suécia.
Dois anos depois, em 1960, a menina encontrou Bellini na rua, em Copacabana. Ele a reconheceu e ela lhe disse que, no dia seguinte, iria fazer sua segunda (e última) cirurgia. Bellini se interessou. Dali a dias, ligou para o hospital para perguntar como estava. Ao saber que brevemente ela iria para casa, deu um tempinho e foi visitá-la de novo, desta vez levando bombons. Era assim que ele era.
Passaram-se anos. Celia se tornou a violonista, arranjadora e maestrina Celia Vaz, uma das musicistas mais completas do Brasil e com sólida reputação no Japão, na Europa e nos EUA, muito maior do que em seu país.
Sábado último, após intermediação de amigos, Celia foi a São Paulo para encontrar Bellini e sua esposa Giselda, dar-lhe um beijo e retribuir os bombons. O intervalo de mais de 50 anos -o próprio Bellini tem hoje 81- não impediu que a emoção desandasse e as lágrimas de todos descessem pelos rostos e sobre o estojo da Kopenhagen.