Corrida do ouro
MIRIAM LEITÃO
O GLOBO - 20/07/11
O ouro bateu novo recorde esta semana e acumula alta de 35%, em 12 meses, e de 81%, desde setembro de 2008. É reflexo da crise econômica mundial.
Na procura por ativos seguros na era do dólar fraco, de dúvidas sobre o euro, risco de calote em dívidas públicas e muita liquidez, até os bancos centrais estão na corrida do ouro.
No mesmo período de 12 meses, o Ibovespa caiu 6,7%, e o dólar, 6%. O petróleo subiu na onda da alta das commodities, mas bem menos: 15%. Mas espantoso mesmo é o que aconteceu com a prata: subiu em um ano 121%.
Os números de ativos em alta, num período de crise e baixo crescimento de economias maduras, mostram que os grandes investidores tentam se proteger contra o agravamento da crise, para ganhar em qualquer conjuntura.
Até os bancos centrais têm pressionado o mercado. A alta do ouro é parte da valorização das commodities, provocada pela hiperatividade dos fundos financeiros, mas há outro motivo para o metal subir. Ouro sempre foi considerado reserva de valor, com liquidez em qualquer mercado, em qualquer época.
"Houve o que chamamos de fly to quality (voo para qualidade). Os investidores buscaram ativos menos arriscados. O ouro se descolou das outras commodities, que caíram, e continuou subindo", disse Nathan Blanche, da Tendências Consultoria.
Na segunda-feira, a onça chegou a US$ 1.602. No segundo trimestre, o crescimento foi de 4,6% em relação ao primeiro.
"O aumento do preço do ouro está relacionado à crise na Europa e nos Estados Unidos. Especificamente nesta semana, mais atrelado ao risco de calote dos americanos. A projeção é que a onça possa passar de US$ 2.000 este ano se a crise não se dissipar", disse Mauriciano Cavalcante, sócio da corretora OM DTVM.
Até o início do ano, o Banco Central mexicano praticamente não tinha reservas internacionais em ouro. De janeiro a julho, comprou mais de 100 toneladas para compor 4% de sua carteira. A Rússia comprou 22,8 toneladas este ano e 15 toneladas em julho do ano passado. O BC russo possui a oitava maior reserva mundial em ouro do mundo, com 830 toneladas, ou 7,8% de suas reservas.
"O total de compra de ouro por parte de bancos centrais este ano já é maior do que o comprado em todo o ano de 2010. Os bancos centrais dos emergentes continuam sendo a principal força de sustentação", escreveu o Conselho Mundial do Ouro (World Gold Council, WGC), em relatório na última semana.
Nos últimos 10 anos, o BC chinês foi o que mais comprou ouro. Elevou suas reservas de 395 toneladas para 1.054. O BC da Índia fez movimento semelhante, saindo de 357 toneladas para 557 toneladas. Já o BC brasileiro manteve em 0,5% o total de nossas reservas em ouro, com 33,5 toneladas.
O Brasil tem a maior parte das suas reservas em dólar e em títulos do Tesouro americano, que está com problemas, como se sabe, de impasse político na elevação do limite do endividamento. Emissor da moeda de referência mundial, o BC americano lidera a lista dos detentores de ouro, com 8.133 toneladas, que compõem 75% das reservas americanas.
"O petróleo está subindo 15% em 12 meses. Chegou a subir 38% até abril, mas depois desfez parte da alta. A mesma coisa aconteceu com outras commodities, que caíram um pouco no último trimestre. Enquanto isso, o ouro foi mantendo sua trajetória de alta, na medida em que a crise não encontrava solução. Com a prata, que tem uma lógica parecida, o crescimento foi de 121%", explicou André Perfeito, da Gradual Investimentos.
A compra de ouro físico também tem aumentado na China e na Índia. Os chineses negociaram cerca de 205 toneladas no mercado de ouro entre abril e junho, cerca de 26 toneladas acima do mesmo período do ano passado, com crescimento de 14,6%.
Mesmo com a alta de 81% desde setembro de 2008, em termos deflacionados, os preços atuais estão menores do que em 1980, quando a onça estava num preço equivalente a US$ 2.400. Naquela época, o mundo vivia outro tipo de crise, a da inflação, que estava alta em economias maduras. A taxa superou 15% nos Estados Unidos e 22% na Inglaterra. Houve também queda na produção de ouro da África do Sul, responsável por 70% da produção mundial.
Ontem, o clima em relação à crise internacional melhorou um pouco com números do mercado imobiliário acima do previsto, com a Espanha conseguindo vender papéis da sua dívida. As bolsas subiram e o ouro caiu. Há uma expectativa de que esta semana se consiga fechar algum acordo na Europa para a dívida da Grécia, ainda que a chanceler alemã, Angela Merkel, tenha dito ontem que a crise do euro não vai se resolver com nenhuma solução espetacular. Como toda crise fiscal, será de saída lenta. Enquanto isso, o ouro será refúgio nos momentos de maior incerteza, para depois oscilar como qual outro ativo.