sábado, janeiro 22, 2011

AUGUSTO NUNES


Os idiotas estão por toda parte

AUGUSTO NUNES 
VEJA ON-LINE

Nelson Rodrigues acordou especialmente inspirado em 20 de maio de 1969. “Nada mais XIX que o século XX”, descobriu já na primeira linha da coluna que O Globo publicaria no dia seguinte. Abstraídas “a praia e as medidas masculinas dos quadris femininos”, não havia nada que permitisse distinguir uma época de outra. Em contrapartida, escancaravam-se as incontáveis semelhanças, começando pela consolidação do fenômeno que, segundo o cronista genial, configurou a mais notável singularidade do século XIX: “a ascensão espantosa e fulminante do idiota”.
Até então, os integrantes da tribo se haviam limitado a babar na gravata. “O idiota era apenas o idiota e como tal se comportava”, explicou Nelson Rodrigues. “O primeiro a saber-se idiota era o próprio idiota. Julgando-se um inepto nato e hereditário, jamais se atreveu a mover uma palha, ou tirar uma cadeira do lugar. Nunca um idiota tentou questionar os valores da vida”. Como ocorrera desde o começo dos tempos, decidiam pelos idiotas os que tinham cabeça para pensar e sabiam o que faziam. Os rumos eram ditados pelos melhores.
As coisas mudaram dramaticamente quando a imensidão de cretinos fundamentais  se descobriu majoritária. “Houve, por toda parte, a explosão de idiotas”, avisou a crônica que, escrita há quase 42 anos, hoje tem cara de profecia. Neste começo de milênio, a praga que afligiu o século XIX e consolidou-se no século XX assumiu, em território brasileiro, dimensões amazônicas. Em suas infinitas variações ─ o espertalhão, o otário, o vigarista, o fanático, o farsante, o bobo alegre, o cafajeste, o prepotente, o gatuno ─, os idiotas elegem e são eleitos, nomeiam e são nomeados. Estão por toda parte.
No oitavo ano da Era da Mediocridade, a espécie em acelerada expansão é representada no governo e nos partidos da oposição, no Ministério e no segundo escalão, no Congresso, nos tribunais e na imprensa, na plateia que assiste à passagem do cortejo ou nos andores da procissão de espantos que começou há oito anos, não foi interrompida sequer pelas festas de fim de ano e seguiu seu curso no primeiro mês do governo de Dilma Rousseff. O imenso viveiro de cérebros baldios não se assusta com nada.
De saída, Lula apareceu ao lado de caminhões de presentes que não lhe pertencem, passaportes diplomáticos expedidos ilegalmente para alegrar a filharada e um forte do Exército reduzido a pensão de governantes ociosos. De chegada, Dilma montou o ministério mais bisonho de todos os tempos, escalou para gerenciá-lo um estuprador de contas bancárias e recolheu-se ao silêncio de quem não tem nada de aproveitável a dizer nem dispõe de ideias para trocar. Só recuperou a voz depois de surpreendida por uma tragédia anunciada em 2008.
Ao fim do passeio pela Região Serrana do Rio, Dilma prometeu fazer amanhã o que Lula jurou ter feito em 2005, solidarizou-se com as famílias assassinadas pela incompetência dos governos federal, estadual e municipal e elogiou o comparsa Sérgio Cabral. O governador devolveu o elogio, agradeceu a Lula por oito anos de providências imaginárias e debitou o massacre premeditado na conta de antecessores populistas, de São Pedro, do imponderável e dos mortos.
Nesta quinta-feira, em depoimento no Congresso, o secretário demissionário de Políticas e Programas do Ministério de Ciência e Tecnologia, Luiz Antonio Barreto de Castro, implodiu com seis palavras a conversa fiada sobre a catástrofe que até então contabilizava 762 mortos e 400 desaparecidos. Depois de revelar que não conseguiu incluir no PAC a implantação de um sistema de alerta com radares, orçado em R$ 115 milhões, que ajudaria a prever desastres em áreas de risco, Barreto resumiu o espetáculo do cinismo homicida: “Falamos muito e não fizemos nada”. Embora saiba disso há oito anos, a oposição oficial nada fala e nada faz.  Há idiotas por toda parte.
Mas também há mais de 40 milhões de brasileiros que continuam enxergando as coisas como as coisas são e contando o caso como o caso foi. Não é pouca gente. E a munição é farta, como mostrarão os posts que pretendem retratar em preto e branco o verão brasileiro de 2011.

SONIA RACY - DIRETO DA FONTE

Cabo de guerra
SONIA RACY
O ESTADO DE SÃO PAULO - 22/01/11

Mais um capítulo na disputa entre PMDB e PT pelos cargos do segundo escalão do governo. O PMDB responde ao avanço do PT e está de olho na presidência do Ipea, a joia da Secretaria de Assuntos Estratégicos. O instituto está hoje sob comando do petista Marcio Pochmann.

O economista, por sua vez, parece saber disso e fez um tour pelos principais jornais de São Paulo, na semana passada.

Cabo de guerra 2

Questionado pela coluna sobre a mudança, o peemedebista Moreira Franco, atual titular da SAE, não diz que sim nem que não, muito pelo contrário. Mas frisou: "Político aqui, só eu". Para meio entendedor, quatro palavras bastam.

Em cima da hora

É grande a expectativa para que José Alencar saia do hospital e receba homenagem de Dilma no aniversário de SP, terça. Josué Gomes, filho do ex-vice, disse à coluna que há grandes chances de o pai voltar para casa em breve. Mas, pondera: deixar o Sírio-Libanês para ir à solenidade exigirá muito de sua saúde.

A autorização médica, segundo Roberto Kalil Filho, sairá em cima da hora.

Contrapé

Fernando Haddad teve que desfazer as malas. Ia curtir férias na Bahia, quinta, mas com a pane no sistema SiSU, sua família foi e ele ficou.

Promete só colocar o pé na areia depois que o problema estiver resolvido.

Dramin

A Força Aérea Brasileira é rigorosa com quem embarca em seus helicópteros durante buscas nas região serrana do Rio. Em caso de enjoo, o passageiro não deve aliviar, em hipótese alguma, o mal estar no chão da aeronave. Porque pode danificar a parte elétrica.

Em caso de emergência, precisará fazê-lo dentro da própria roupa ou no calçado. Levar um saquinho também não é má ideia.

Atacado

Cliente do hipermercado Extra, do ABC, gastou R$ 100 mil em água e leite em pó. Ao passar pelo caixa avisou, porém, que não levaria nada para casa. Pediu que tudo fosse entregue às vitimas da devastação na região serrana do Rio.

Ao todo, o Grupo Pão de Açúcar enviará 100 caminhões com donativos para os desabrigados.

Positivo

Decididos os nomes para comandar os dois principais institutos de pesquisa da Secretaria de Saúde do Estado: Jorge Kalil Filho fica com o Butantã e Alberto José Duarte assume o Adolfo Lutz.

Menu

Ashton Kutcher, principal atração da Colcci na SPFW, mandou, ontem, lista de exigências para a produção da grife. Ele e a mulher, Demi Moore, que o acompanhará na viagem ao Brasil, querem litros e litros de... água de coco.

Na mesa, só culinária kosher.

Bandeja

Hortência e Jorge Pagura, secretário de Esportes, batem bola para organizar clínicas de basquetes em diversos pontos do Estado. A intenção é revelar talentos e divulgar a modalidade.

Tudo será feito via Lei Estadual de Incentivo ao Esporte.

Planilha

Para evitar imbróglio, o Clube dos 13 está contratando auditoria para acompanhar a concorrência sobre direitos de transmissão do Brasileirão 2012.

Até 30 de março serão analisadas propostas de TVs abertas, fechadas, pay-per-view, telefonia e portais de internet.

Rosa-choque

Flavia Ribeiro de Castro lança "versão feminina" de Carandiru mês que vem. Flores do Cárcere descreve o trabalho da educadora junto a 160 presas da cadeia feminina de Santos. Sai pela Talento, com prefácio de Dalmo Dallari.

Na frente

Wilbert Das pilotará a tradicional Festa de São Brás em Trancoso. Em fevereiro.

Margarida Cintra Gordinho, Antonio Kehl e Iatã Cannabrava autografam Patrimônio da Metrópole Paulistana. Segunda, no Museu da Casa Brasileira.

Alireza Esmaeli e Hoseein Bordbar, da Organização de Artesanato de Isfahan, do Irã, comandam oficinas de arte no CCBB. A partir de hoje.

Flavio Meyer abre a mostra fotográfica sobre SP. Terça, no Espaço Cultural Chakras.

O IAB premiou o escritório Piratininga Arquitetos Associados pelo restauro da Biblioteca Mário de Andrade.

Da home da BBC: "Uma pesquisa feita na Grã-Bretanha, com 3 mil pessoas, indicou que os casais brigam em média 312 vezes por ano, principalmente às quintas-feiras, por volta das 20h, por dez minutos". Vai entender...

CELSO MING

Cano furado
Celso Ming 
O Estado de S.Paulo - 22/01/11

De toda água produzida pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), 26% se perdem. São 944 bilhões de litros desperdiçados por ano, volume suficiente para abastecer a cidade do Rio de Janeiro.

A Sabesp perde na água limpa e perde na água suja. Como metade da conta d"água corresponde aos serviços de esgotos, a falta de faturamento no fornecimento de água tratada implica falta de faturamento também no escoamento da rede de esgotos.

E, no caso da água limpa, não está se falando aqui do que sai pelo ralo quando o banho demora demais ou do que escoa da torneira aberta na hora de escovar os dentes. O assunto é água que se perde por deficiências de gestão.

Cerca de 70% dessa perda ocorre por vazamentos nas tubulações ao longo da rede. Outra parte desaparece em ligações clandestinas, obra dos "gatos". E há aquela água que é consumida, mas que não é faturada corretamente porque os hidrômetros estão com defeito.

O até agora presidente da Sabesp, Gesner de Oliveira, vem repetindo que a redução das perdas é uma das prioridades da empresa. Nos últimos quatro anos foram investidos mais de R$ 850 milhões em melhorias nessa área. Os resultados começam a aparecer, mas ainda são tímidos: queda do índice de perdas de 34%, em 2004, para 26%, em 2010.

Esse número é melhor do que o da média nacional, que gira em torno dos 40%. Mas é descomunal se comparado com o que acontece em outras partes do mundo. O índice médio de perdas da OCDE (países ricos) é de 15%. O do Japão está abaixo de 5%. A meta da Sabesp é se igualar aos padrões internacionais, chegando em 2019 a um índice de perdas de 13%.

A estratégia para alcançar esse objetivo não tem mistério: é mapear os pontos de vazamento e tratar de corrigir os problemas. Outra frente de atuação é melhorar a medição nas residências.

O especialista Paulo Costa, da consultoria H2C, adverte que o Brasil emprega tecnologias ultrapassadas. Em Israel, por exemplo, os medidores de água são dotados de chips e a coleta de informações sobre o uso da água é feita por aviõezinhos teleguiados que sobrevoam as casas. Para introduzir sistema semelhante aqui, seria preciso trocar todos os relógios de água.

O consultor em saneamento Airton Gomes aponta outra deficiência: baixo fortalecimento do aparato regulatório do Estado. As agências reguladoras desse segmento são relativamente novas. A responsável em São Paulo é a Agência Reguladora de Saneamento e Energia (Arsesp), com menos de três anos de atuação. Hoje ela somente acompanha a medição para ver o quanto de água se perde. O que se espera é que participe mais ativamente de todo o processo e exija mais eficiência.

"Nós sabemos que os programas de redução de perdas são caros, mas as companhias precisam entender que custa muito mais jogar fora água tratada", avisa Tobias Jerozolimski, superintendente da Arsesp.

A Sabesp tem prejuízo de R$ 2 bilhões por ano (28% das receitas) com essas perdas. Mas perde também com a falta de faturamento de serviços de esgoto. Apenas na Grande São Paulo há 6 mil poços artesianos clandestinos, cuja água usada vai para a rede de esgotos e deixa outro rombo nas contas. / COLABOROU ISADORA PERÓN

CONFIRA

O vizinho reclama
O ministro Mantega está determinado a encaminhar à Organização Mundial do Comércio e ao Grupo dos 20 proposta no sentido de que a manipulação do câmbio passe a ser considerada manobra desleal que favorece as próprias exportações em detrimento dos demais.

Reclamação antiga
Nos anos 30, o economista inglês Dennis Robertson já denunciava políticas de desvalorização cambial como manobras destinadas a "transformar o vizinho em mendigo" (beggar thy neighbour). Em outubro, o presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick, engrossou essas denúncias.

Queixo de vidro
O objetivo de Mantega é enquadrar os Estados Unidos, cujo banco central está despejando dólares no mercado e produzindo sua desvalorização, e também a China, que mantém o yuan atrelado ao dólar. É improvável que Mantega seja ouvido. Com menos sucesso, o Brasil também está tentando desvalorizar o real para favorecer seus exportadores.

JOSÉ NÊUMANNE

Doces venenos da diplomacia
José Nêumanne 
O Estado de S.Paulo - 22/01/11

Política, espionagem e psicanálise estão no centro de O Punho e a Renda, de Edgard Telles Ribeiro

O bom escritor se conhece pelo princípio da obra. Meio caminho terá andado o autor para ter o texto bem avaliado se lhe providenciar um bom começo para cativar o olhar e, como ensina Gabriel García Márquez, segurar o fôlego do leitor. O Punho e a Renda, de Edgard Telles Ribeiro, vence este desafio com folgas. O narrador, diplomata noviço, busca uma palavra para usar num relatório e, de repente, como se baixasse o anjo da anunciação, um vulto sai da penumbra e lhe sopra o vocábulo, que cai como uma luva. Assim é apresentado o protagonista da história, que não é o narrador, mas seu melhor colega de trabalho na juventude. Um lance de mestre: narrador e leitor fisgados pela mesma isca.



Mas evidentemente um boa pegada no início não é suficiente para segurar uma história capenga. É necessário encontrar um bom fim. E não é que o dito romancista conseguiu um fecho estupendo para sua narrativa? Revelá-lo nesta resenha não será incorrer em pecado mortal nem mesmo capital ou até venal. O tema do livro é a longa noite dos porões na ditadura militar brasileira e a fábula que o encerra não descreve uma seção de tortura nas masmorras nem a saga de alguma mãe em busca de seu filho tresmalhado nas celas clandestinas do sórdido Gulag tupiniquim. Nada disso: o personagem da narrativa em questão faz parte do rebanho dos sobreviventes. E esta ficção de terror não foi contada com gritos, sussurros nem pontos de exclamação, mas em silêncio tenso e sepulcral no meio de ruidoso tumulto. Muito tempo depois de haver fugido de casa para escapar dos esbirros que o foram prender, ele encontra a irmã num ônibus urbano e se olham sem uma palavra, um sorriso ou um aceno - apenas o gesto do dedo dele selando o lábio para evitar a bandeira da emoção deslavada por parte dela. O medo conteve a euforia e manteve represada a surpresa.

O leitor arguto poderá argumentar que estas duas cenas poderiam ter sido filmadas por Costa-Gavras ou Michelangelo Antonioni. De fato, são cinema em estado de extrema pureza. Narrador e autor lecionam - ou lecionaram - cinema na universidade. Mas nem mesmo o mais ranheta dos críticos, depois de lê-las, deixará de reconhecer que foram lavradas na mais perfeita e canônica arquitetura literária. Aí é que emerge outro aspecto fundamental no bom romance e que este aqui resenhado tem: um miolo à altura da entrada e da saída do leitor de suas páginas. Edgard Telles Ribeiro saiu-se bem nesta empreitada. Sem querer ser mais irreverente do que porventura possa se propor um ocupante deste espaço fugaz - mas sendo -, é o caso de deixar registrado que ele escreve muito bem... como o faria um competente profissional estrangeiro da escrita. E muito além do amadorismo reinante nestes trópicos mais enfadonhos do que tristes.

Víboras de gravata. O Punho e a Renda narra os bastidores da diplomacia brasileira por ocasião de um dos mais sórdidos episódios da história latino-americana, a Operação Condor, esquema transnacional de colaboração clandestina entre serviçais civis e militares de direita dos regimes autoritários vigentes na América do Sul nos anos de 1970. Só isso pode dar ao leitor a ideia da oportunidade oferecida a quem enfrentou o desafio de escrever e a quem aceita a gozosa tarefa de ler seu texto. Trata-se de um roman-à-clef, aquele gênero literário em que personagens reais com nomes fictícios atuam em cenários históricos. Chega a ser divertido procurar no entrecho do livro figuras com traços de caráter muito comuns nos desvãos da política, que muda como as nuvens do céu, e nos corredores do Itamaraty, serpentário de silvos refinados e doces venenos.

A saga do aventureiro que serviu à sanha da direita e continuou a subir após algumas de suas vítimas no passado conquistarem o poder republicano chega a ser corriqueira, de tão frequente. Para Telles Ribeiro contar a história que contou, mesmo sendo passados 40 anos, teve de reunir ao talento narrativo coragem cívica. Nada disso lhe faltou em nenhum momento. E o recurso da chave, usado na ficção para bois seguirem anônimos nos currais, não o poupará de picadas de víboras desmascaradas, pois estas ainda poderão lhe prejudicar a carreira no Itamaraty, ainda que já seja embaixador.

Em todo caso, o que menos importa neste caso é saber quem na vida real corresponde aos personagens tecidos com precisão de joalheiro no texto que é longo, mas leve. Importa mais é conhecer a natureza da história e suas implicações na vida de cada um, com todos os ingredientes bem misturados de política, guerra, colunismo social, espionagem e psicanálise.

Este livro, cujo título se refere menos aos punhos de renda e mais à força bruta e à corrupção, certamente elevará seu autor no pódio dos maiores ficcionistas em língua portuguesa. O exagero do emprego de tipos itálicos na composição da mancha gráfica e o mau gosto evidente do arame farpado usado na capa para insinuar que o volume possa conter o relato de algum sobrevivente de campos de concentração nazista, em nada impedir-lhe-ão a fortuna crítica que, com todos os méritos, lhe está reservada.

GUILHERME FIUZA - 2

A volta do nosso Delúbio

GUILHERME FIUZA
REVISTA ÉPOCA

Nelson Rodrigues dizia, com calculado cinismo, que a única possibilidade real de consciência é o medo da polícia. O grande dramaturgo não viveu para ver o dia em que nem o medo da polícia serviria como fronteira ética. À luz do dia, representantes da casta sindical que governa o Brasil informam que não têm medo de nada. Nem mesmo de articular a ressurreição de Delúbio Soares, uma das estrelas do mensalão - o episódio que, em dimensões inéditas, transformou a política em caso de polícia.

O cinismo de Nelson é brincadeira de criança perto da evolução moral do PT. O partido, que completará 12 anos no poder - envelhecido no puro malte de Brasília -, já trabalha para estender esse reinado para 16 anos, aproximando-se do recorde da era Vargas. Nessa marcha firme, vai-se impondo o seguinte princípio ético: o que a opinião pública engolir, está valendo.

Não foi à toa que Luiz Inácio da Silva se despediu da Presidência avisando que iria desmontar "a farsa do mensalão". Em tese, o filho do Brasil não precisaria, do alto de sua popularidade sobre-humana, gastar um minuto com o capítulo negro do valerioduto. O povo já lhe dera o habeas corpus vitalício. Mas apagar a existência do mensalão é importante a médio prazo. A companheirada vai precisar de uma ficha mais ou menos limpa para levar a revolução dos cargos ao quarto mandato seguido - sem que a opinião pública desperte de sua soneca cívica.

Até aqui, tudo bem. O deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), líder do governo na Câmara, defendeu a reintegração do ex-tesoureiro Delúbio ao Partido dos Trabalhadores. Vamos repetir baixinho, para não perturbar o sono dos brasileiros: não foi um militante petista que disse isso em "off". Foi o líder do governo, de cara limpa (até onde isso é possível), quem declarou publicamente que o lendário Delúbio, apontado pelo Ministério Público como um dos vértices da quadrilha que ordenhou o Estado em prol do PT, merece uma nova encarnação no partido.
Não à toa Lula se despediu da Presidência avisando
que iria desmontar "a farsa do mensalão"

"Nenhuma pena é eterna", disse Vaccarezza. Pode-se questionar o teor filosófico da afirmação, mas pelo menos uma certeza cristalina ela traz: o pessoal perdeu completamente o medo da polícia.

É compreensível. Dos 40 indiciados por aquela fantástica operação de empréstimos fictícios, que faziam dinheiro público brotar na boca do caixa privado para os parlamentares fiéis, ninguém foi punido pela Justiça. Nem será. Passados mais de cinco anos, o escândalo já foi mais que engolido pela opinião pública. Ao lado dela, o Supremo Tribunal Federal aninhou-se na mesma soneca, para não fazer barulho no momento em que a candidata de José Dirceu chegava para a troca de guarda no palácio.

Com Dilma lá, o medo da polícia sumiu de vez. E o líder Vaccarezza pôde soltar seu brado definitivo sobre os mensaleiros: "Todos eles já pagaram um preço maior do que seus pecados".

Quem imaginar que uma declaração dessas é a apoteose da cara de pau está redondamente enganado. A coisa é científica. O líder petista joga o disparate no ar para sondar o terreno. Não havendo reações significativas, ele fotografa o sismógrafo parado no zero e emite o sinal para os companheiros: todo mundo dormindo, caminho livre.

A ressurreição do "nosso Delúbio" (como dizia Luiz Inácio) é só um detalhe do projeto. O abraço apertado de Erenice Guerra na presidenta, em plena posse, foi parte da mesma experiência científica altamente bem-sucedida. O laudo é conclusivo: o povo não está nem aí para o tráfico de influência. E lá vem mais um teste de laboratório ao vivo: José Sarney, flagrado com o filho e o também lendário Agaciel Maia usando o parlamento para empregar seus simpatizantes, já foi lançado para presidir novamente o Senado.

Tudo normal. Na ausência de Nelson Rodrigues e da polícia, não há mesmo mais nada a temer.

RUTH DE AQUINO

Uma razão para se orgulhar
RUTH DE AQUINO
REVISTA ÉPOCA

Época
RUTH DE AQUINO
é diretora da sucursal de ÉPOCA no Rio de Janeiro
raquino@edglobo.com.br
Existe uma máxima no mundo da mídia: “Good news is no news” (boas notícias não são notícia). Entre os escombros da tragédia de 2011, há uma notícia tão boa que não dá manchete. A cidade do Rio de Janeiro inaugurou o centro mais moderno de controle de operações do mundo, totalmente computadorizado, com radares e alertas para enchentes. Um novo sistema poderá prever dilúvios 48 horas antes e deslocar a tempo famílias em risco de perder suas casas e suas vidas.
O centro carioca de operações tem um telão de 80 metros quadrados – maior que o da Nasa, segundo o prefeito Eduardo Paes. Reúne 30 órgãos municipais e concessionárias e 400 profissionais. É resultado de uma parceria com a IBM. O objetivo é transformar o Rio em referência para o Brasil e o mundo no planejamento de eventos e gestão de crises. A ideia é repetir o modelo em metrópoles brasileiras até a Copa.
O cérebro tecnológico do prédio é um indiano que vive em Nova York, mas tem visitado tanto o Rio que uma de suas bebidas prediletas é a caipirinha e seu point favorito é a Lapa boêmia e musical. É vice-presidente de tecnologia da IBM e seu nome é Guru. Foi batizado como Guruduth Banavar, mas até a mãe dele o chama de Guru (leia a entrevista.
Em cada monitor, vemos o que está acontecendo naquele momento em todos os pontos da cidade: obras, engarrafamentos, acidentes, falta de luz ou de gás, onde estão os reboques, por onde trafegam os ônibus, onde está sendo recolhido o lixo. É evidente que não basta ter acesso aos dados. Só com inteligência e integração esses dados podem ser úteis. Mas acabou a desculpa “eu não sabia de nada”. O prefeito tem um quarto ali para dormir, em emergências.
Uma reportagem recente da revista The Economist, intitulada “It’s a smart world” (É um mundo inteligente), traduz o que se tenta fazer nesse centro. É como se o mundo real e o mundo digital convergissem para criar eficiência. Para as pessoas comuns, significa menos estresse e mais conforto. Segundo o diretor da IBM Pedro Almeida, carioca apaixonado pelo que faz, essa é a base para o conceito de Smarter Cities, ou “cidades mais inteligentes”, que a IBM criou em 2007 e, agora, inclui o Rio como uma das vitrines mais vistosas.
Entre os escombros da tragédia, há uma ótima notícia: o novíssimo centro de alerta para enchentes
No caso das chuvas, a era do achismo e da irresponsabilidade terá de acabar para não se repetir o vale de lágrimas da serra fluminense. Cientistas e geólogos concluíram o primeiro mapeamento do solo da cidade do Rio, depois de fotografar de helicóptero, com câmeras especiais e laser, ruas, vales e morros. Existem hoje 18 mil casas em alto risco em 117 comunidades. Fora o médio risco e o baixo risco.
Caso o novo radar da prefeitura, importado dos Estados Unidos, preveja chuvas fortes, sirenes tocarão. A IBM promete, com seu novo sistema, a ser instalado neste semestre, prever calamidades com dois dias de antecedência. Mais de 2 mil agentes comunitários foram treinados pela Defesa Civil e equipados com celulares para receber alertas por mensagens de texto.
Se um sistema parecido estivesse em vigor na serra do Rio, não estaríamos chorando hoje mais de 700 mortos. Podemos ser solidários e generosos, mas não vamos esquecer que existem culpados.
O que aconteceu em Petrópolis foi um crime premeditado. As estações meteorológicas sofisticadas existem, estão instaladas em lugares estratégicos, uma delas ao lado do vale que deixou de luto dezenas de famílias. Mas não estavam funcionando. Por quê? O prefeito Paulo Mustrangi diz que era fim de ano, havia raspado o caixa e não tinha os R$ 900 mil para fazer funcionar. O Instituto Estadual de Ambiente afirma que não recebeu nenhum pedido de ajuda do prefeito.
Prefeitos que permitem construir favelas, condomínios e hotéis em encostas e áreas de risco e não tomam providências para garantir o bem-estar de seus eleitores deveriam perder o mandato e ser levados à Justiça. Pensando bem, que Justiça? Na cidade do Rio, liminares judiciais impedem a prefeitura de reassentar mais de 130 famílias que permanecem em casas condenadas, que já deveriam ter sido demolidas. Quem vai julgar os juízes?

JOSÉ SIMÃO

Ueba! Alugo sogra pro carnaval!
JOSÉ SIMÃO
FOLHA DE SÃO PAULO - 22/01/11

E como disse o presidente da Câmara de Itabuna: "Por falta de CLORO, está encerada a sessão"
BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Chego na Bahia e já dou de cara com essa placa: "ALUGO MINHA SOGRA PARA O CARNAVAL". Isso que é otimismo! Rarará!
Na Bahia já é Carnaval. Não tem aquele intervalo in-su-por-tável entre o Réveillon e o Carnaval.
É ensaio do Olodum, ensaio do Psirico e se ligar um liquidificador todo mundo sai correndo atrás pensando que é trio elétrico.
E olha a placa numa loja de colchões: "Promoção: colhões a preço de fábrica".
E essa piada pronta: "Ponte JK interditada por oscilações na estrutura". Como é o nome do presidente da Companhia Urbanizadora? Maurício SEGURA!
Perfeito: quando a ponte balança, todo mundo grita: SEGUUUUUUUUURA! E como disse o presidente da Câmara de Itabuna: "Por falta de CLORO, está encerada a sessão". E aí foram todos pra piscina? Rarará.
E diz que a Deborah Secco fazendo papel de periguete é como chover no molhado. Deborah Secco chove no molhado! Rarará.
E essa: "Prostituta diz que foi a jantar de Berlusconi com seis brasileiras".
E ele ainda quer o Battisti? Insaciável. Ele devia mudar o nome pra BERLUSCOMI. Berluscomi Todas!
E essa: "Empresa americana lança robô sexual que conversa com o usuário". Tem versão muda? Ele trabalha no "BBB"? E o robô sexual fala o quê? "Você me ama mesmo ou só quer me comer?"
E a última coisa que uma pessoa quer quando procura um robô sexual é conversar!
O Brasileiro É Cordial! A penúltima do Gervásio, o Pinochet de São Bernardo.
Olha a placa na empresa em São Bernardo: "Se eu descobrir quem foi o tarado que ligou três vezes no mês passado para o telesexo, vou fazer o garanhão da madrugada usar o uniforme da copeira e sentar numa doce garrafa pet de 2 litros. Conto com todos. Assinado: Gervásio". Ufa!
O almoxarifado do Gervásio deve se chamar AlmoXERIFADO! Rarará! A situação tá ficando psicodélica. Nóis sofre mas nóis goza.
Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

WALCYR CARRASCO

Minha lipo
WALCYR CARRASCO
REVISTA VEJA - SP

Há alguns anos, fiz um grande regime que culminou com uma plástica na barriga. Mas... ai de mim! Adoro comer bem! Faço cursos de culinária, coleciono livros de receitas, não abro mão de um bom restaurante. Sou um guloso assumido. E me encanto com tudo: de um prato exótico a um arroz com feijão benfeitinho. Pior, devoro cada prato como se a guerra nuclear fosse começar no instante seguinte! Resultado: a barriga retornou. Passei alguns meses indeciso. Finalmente, resolvi: ano novo, vida nova, barriga novíssima!
Meu cirurgião plástico, o doutor Rogério, foi franco:

— Parte da sua gordura é visceral. Não se tira com lipo, mas com regime.
— Se eu me sentir melhor, vou me animar para a sequência — insisti.
— Não faça, não faça! — rugiu meu personal trainer, Igor.
— Você perde tudo na malhação. É só comparecer às aulas com frequência.
— Depois da lipo, não perco mais a cintura. Até começo a fazer boxe! — prometi.
Internei-me em uma clínica especializada em intervenções estéticas. Deitei na cama. Olhei o teto. Pensei: “Que diabos estou fazendo aqui? Não sou ator, muito menos modelo. Não vivo da minha aparência. Para que me arriscar com uma anestesia?”.
Quase desisti. Isso não é tão incomum: uma amiga já pulou nua da mesa na hora de retocar os seios e fugiu pelada pelos corredores de um hospital. Mas só um barrigudo pode compartilhar do sentimento que eu tinha. É horrível entrar em qualquer loja, perguntar se há uma roupa que lhe sirva e constatar que o vendedor traz a maior camisa. Horror! Quando se tenta fechar no umbigo, o botão explode como uma couve-flor! Lembrei-me da última festa de réveillon. Experimentei uma camisa branca após a outra. Todas apertadíssimas. Resignei-me e fui com a mais soltinha. Sim, reconheço: vive-se sob um império estético. O reino dos magros. E daí? Não pretendo começar a revolução dos gordos. Apoio quem ousar.
Mais uma vez, irritei-me com os cientistas japoneses. Inventam de tudo. Por que não uma máquina na qual eu entre por um lado e saia idêntico ao Brad Pitt pelo outro?
Estiquei o braço. Recebi uma injeção preparatória. Fechei os olhos e parti para o centro cirúrgico. Acordei com uma cinta no abdômen. Surpresa! Apenas levemente dolorido.
— Algumas pessoas sentem uma dor insuportável — disse o enfermeiro. — Outras reagem como você.
— Eu poderia ir embora dirigindo! — anunciei alegremente.
— Mas eu não deixo! — avisou o doutor Rogério.
Quando cheguei em casa, tive dor. Mas de consciência.
Fiz a lipo exatamente no fim de semana em que ocorreu a tragédia fluminense. Ao assistir às cenas de devastação, ao ver pessoas perdendo a vida, famílias sem teto, emocionei-me. E me senti tremendamente superficial. Refleti: “Como posso brincar com meu corpo?”.
Não sou contra plásticas, nem intervenções estéticas. De jeito nenhum. Mas essa só aconteceu por que depois da primeira, em vez de me reeducar, achei mais fácil fazer a segunda.
Passados os primeiros momentos de revolta comigo mesmo, comemorei. A maior parte das minhas roupas voltou a servir. E ainda estou desinchando! Logo estarei usando uma cinta menor. É quente. Sinto coceiras. Mal posso sair de casa, porque as calças escorregam na Lycra da cinta. Há uma semana, quase fiquei pelado em pleno Shopping Higienópolis. Mas em pouco mais de um mês retiro também esse adereço. Sou vaidoso. Há uma enorme satisfação em me sentir mais elegante. Mas não pretendo transformar intervenções estéticas em modo de vida. Meu corpo merece mais que isso.

JOSÉ GOLDEMBERG

Potencial hidroelétrico não está esgotado 
JOSÉ GOLDEMBERG


FOLHA DE SÃO PAULO - 22/01/11

A opção de geração de eletricidade com energia nuclear foi estimulada pelos governos de vários países que não tinham muitas outras opções, como nos casos da França, do Japão, da ex-União Soviética e dos Estados Unidos, que desejavam se libertar da dependência da importação de gás e petróleo.
Ela teve sua época de ouro durante a década de 1970, mas, a partir de 1985, praticamente estagnou no mundo todo; hoje, ela representa aproximadamente 15% da eletricidade usada no mundo; apenas em alguns países, como França e Japão, representa fração maior.
Os demais 85% provêm de outras fontes, como carvão, energia hidroelétrica e, mais recentemente, as energias renováveis (vento, energia solar e biomassa).
Quais as razões para tal? Em primeiro lugar, as preocupações com a segurança dos reatores nucleares, que foi seriamente abalada com os acidentes de Three Mile Island (nos Estados Unidos) e Chernobyl (na ex-União Soviética).
Com outras tecnologias para produzir eletricidade também ocorrem acidentes (como incêndios ou ruptura de barragens em reservatórios de usinas hidroelétricas), mas acidentes nucleares que espalham radioatividade podem ser muito mais graves, como se viu em Chernobyl, onde até hoje centenas de quilômetros quadrados em torno da usina estão interditados.
Questões não resolvidas sobre como armazenar o "lixo nuclear" contribuem para o problema.
Em segundo lugar, custos. Energia nuclear é tecnologia complexa e cara, e ficou ainda mais cara e deixou de ser competitiva em relação a outras fontes de energia com os gastos para melhorar o desempenho e a segurança dos reatores nucleares. De modo geral, só empresas estatais constroem reatores nucleares, ou empresas privadas com fortes subsídios governamentais.
Finalmente, as visões ultrapassadas do "Brasil grande" de que o domínio da energia nuclear era o "passaporte para o futuro", como se ela fosse a única capaz de fazê-lo.
O Brasil, há 35 anos, no governo Geisel, se viu diante desses dilemas e quase embarcou num projeto de se tornar um país "nuclear", com dezenas de reatores nucleares.
Felizmente, o bom senso prevaleceu, porque os cientistas brasileiros, por meio da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, alertaram o governo de que o país tinha outras opções melhores para produzir a energia elétrica de que necessitava. Sem esses alertas, a usina hidroelétrica de Itaipu não seria construída, pois os recursos seriam desviados para usinas nucleares, como nos confidenciou em 1992 o general Costa Cavalcante, que, em 1975, era presidente da Eletrobras.
Passados 35 anos, a situação não mudou muito. O país ainda tem amplas oportunidades de produzir energia elétrica a partir de fontes renováveis e não poluentes, como a energia hidroelétrica, cujo potencial ainda está longe de estar esgotado, além de outras opções, como bagaço de cana, em São Paulo, e energia eólica, no Norte do país.
O fato de as usinas nucleares não emitirem "gases de efeito estufa" pode ser uma vantagem na Inglaterra, onde energia elétrica é gerada com carvão, mas não no Brasil, onde as energias renováveis também não emitem esses gases.
Não há, portanto,razões para investir mais em energia nuclear no Brasil, a não ser para acompanhar os desenvolvimentos tecnológicos dessa área.

CLÓVIS ROSSI

Como fica o Brasil diante do G2?

CLÓVIS ROSSI
FOLHA DE SÃO PAULO - 22/01/11

Perante a consolidação informal do bloco, país deve reavaliar as relações com os EUA e a China

ESTRASBURGO - A recém encerrada visita aos Estados Unidos de Hu Jintao, o presidente chinês, serve, claramente, para consolidar o G2, esse micro-clube das duas únicas nações indispensáveis para criar e/ ou resolver problemas globais, na economia e na política.
Mas entendamos: o G2 não tem parentesco com o antigo G7, o clube das sete principais economias do mundo. O G7 era um grupo razoavelmente homogêneo: países ricos, democráticos, de economia de mercado e com um inimigo a vencer, o comunismo.
Se não se coordenassem, corriam o risco de dar munição ao inimigo.
Já o G2 reúne um país grande, rico, democrático e de economia de mercado e outro, que é grande mas não é rico. Trata-se, é verdade, da segunda maior economia do mundo, agora que acaba de desbancar o Japão, mas sua renda per capita (que é uma medida mais adequada de riqueza) é só a 93ª no planeta.
Além disso, a China não é democrática e sua "economia social de mercado" tem uma dose de intervencionismo estatal sem paralelo.
Por fim, já não há mais inimigos a derrubar. Por isso, o presidente Barack Obama batizou o relacionamento China/EUA como "concorrência amistosa". Logo, concorrentes mas não inimigos.
Se há um G2 informal, mas tão relevante, qual seria o melhor papel para o Brasil?
Por enquanto, tem uma parceria estratégica com os Estados Unidos, o que é um rótulo pomposo mas de pouco significado prático, enquanto não se traduzir na derrubada de barreiras norte-americanas à produção brasileira.
Estaria, pois, na hora de rediscutir não a Alca (Área de Livre Comércio das Américas), porque hibernou durante tanto tempo que apodreceu, mas o chamado acordo 4+1 (Mercosul/Estados Unidos).
A economia brasileira já está suficientemente madura para que um acordo do gênero não significasse a "anexação" do Brasil pelos Estados Unidos, como chegou a dizer o então vice-chanceler Samuel Pinheiro Guimarães.
Quanto à China, em vez de acreditar em institucionalizar o BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), o Brasil deveria adotar a mesma fórmula de Obama: "concorrência amistosa".
Sim, porque o que há agora não é amistoso. Basta ler o que escreveram faz pouco três especialistas da Fiesp em comércio exterior, Fabrizio Sardelli Panzini, Paula Cristina Corrêa Bolonha e Wellington de Lima Freire:
"A competição entre Brasil e China foi amplamente desfavorável para a economia brasileira, que sofreu perda líquida em todos os mercados analisados [Estados Unidos, União Europeia e Argentina]. Em uma década [2000/ 2009], a perda alcançou US$ 18,2 bilhões, distribuída entre EUA (US$ 9,3 bilhões); UE (US$ 7,3 bilhões) e Argentina (US$ 1,6 bilhão)."
O estudo mostra que, também no mercado interno, "a competição entre Brasil e China resultou em uma perda líquida de US$ 15,2 bilhões para os produtores nacionais". É evidente que, nesse ritmo, o Brasil corre o risco de "anexação" não pelo velho "império" mas por um parceiro insuspeito até faz pouco.

WALTER CENEVIVA

 São Paulo na Justiça do Brasil

WALTER CENEVIVA
FOLHA DE SÃO PAULO - 22/01/11

Cidade tem hoje os maiores tribunais, por onde passa a metade dos processos em andamento no país

É razoável dizer que Cabral encontrou a terra que veio a ser o Brasil graças ao avanço científico gerado pela bússola, por volta do ano 1000, atribuído aos chineses.
Lembrando Camões, permitiu viagens por mares nunca dantes navegados, em barcos cada vez mais confiáveis, em particular a caravela, com os estudos liderados por dom Afonso Henriques, na Escola de Sagres.
Foi assim que Martin Afonso de Sousa chegou mais facilmente à capitania de São Vicente, na qual foi autorizado a nomear juízes do cível e do crime e auxiliares judiciários.
Em 1538, lançadas as bases para o governo-geral da colônia, com Tomé de Souza, o desembargador Pero Borges foi nomeado primeiro-ouvidor-geral para representar a coroa. São Paulo, fundada em 1554, somente em 1751 ampliou a participação judiciária na colônia, quando incluída nas jurisdições da Relação do Brasil.
Se o leitor tiver interesse nos fatos da magistratura em nosso país, leia "Justiça no Brasil - 200 Anos de História", de Paulo Guilherme de Mendonça Lopes e Patrícia Rios.
O livro tem prefácio do ex-ministro José Francisco Rezek e oferece, com ilustrações, a história da atividade judiciária na colônia, no Império e na vida republicana (República Velha, Era Vargas, democracia de 1945 a 1964, ditadura militar de 1964 a 1985 e daí a 2009), com posfácio dedicado ao Supremo Tribunal Federal e às variações de sua composição.
Em 1800, passados 300 anos da descoberta, São Paulo ainda não havia chegado aos 10 mil habitantes, mas da pequena vila partiram os bandeirantes, entre os séculos 16 e 18, avançando pelos grandes espaços internos na busca de metais preciosos e índios para escravizar.
Assim dominaram quase todo o território de 8,5 milhões de quilômetros quadrados do Brasil de hoje. Proclamada a Independência, no Ipiranga, Pedro 1º quis que aqui -e em Olinda- fossem criados cursos jurídicos, instalando o primeiro em São Paulo, em 1827.
Desde o início, tem sido constante a crítica das insuficiências da Justiça oficial pelos profissionais da área jurídica, alguns dos quais da própria magistratura.
Aumentaram muito com a exigência crescente de sua prática, na transformada sociedade urbana do século 20, da mulher no mercado de trabalho, nas novas e complexas relações sociais.
Pensemos que, há meio século, a cidade do Rio de Janeiro ainda era a maior do Brasil e a capital do país. De lá para cá, o Estado de São Paulo triplicou seus 13 milhões de habitantes. O crescimento incluiu Guarulhos, São Bernardo do Campo e Santo André, ao lado de Santos e Campinas, entre as maiores cidades brasileiras.
Nenhum gênio de organização poderia prever deslocamentos populacionais nesses níveis. Por outro lado, houve advertências, sobretudo pela Ordem dos Advogados, contra a tardia modernização do Judiciário daqui, bem depois de Estados menos prósperos.
A estatística diz que São Paulo tem hoje os maiores tribunais, do Regional Federal, dos Regionais Trabalhistas e da Justiça estadual.
Passa por eles a metade dos processos em andamento no país -ou quase isso- dia após dia. A estatística não é tudo, mas compõe o perfil da participação deste Estado na Justiça do Brasil, quando sua capital se prepara para o aniversário, na próxima terça-feira.

RUY CASTRO

País esnobe

RUY CASTRO
FOLHA DE SÃO PAULO - 22/01/11
RIO DE JANEIRO - Em 2011 teremos o centenário de muita gente boa da música brasileira -compositores e letristas a quem devemos tanta beleza e alegria na área do samba, do Carnaval, da valsa, do samba-canção, até do fox. Tais efemérides deveriam se estender pelo ano todo, com shows sobre eles por cantores novos e velhos, debates entre especialistas, lançamento e relançamento de seus discos e, quem sabe, biografias e documentários.
Mas, como aconteceu com Noel Rosa e outros que fizeram cem anos em 2010, esses artistas só serão lembrados no próprio dia do aniversário e, mesmo assim, por iniciativa de fãs devotados. Eis alguns.
A 1º de fevereiro, será o dia de Pedro Caetano, autor das obras-primas do samba "Foi uma Pedra que Rolou", "Onde Estão os Tamborins?" e "É Com Esse Que Eu Vou", e co-autor de "Caprichos do Destino", "Sandália de Prata", "A Dama de Vermelho", "Eu Brinco", "A Felicidade Perdeu seu Endereço". No dia 7, será a vez de José Maria de Abreu, cuja obra vai de valsas como "Boa Noite, Amor" à modernidade de "Alguém Como Tu" e à irresistível euforia de "Pegando Fogo".
Em março, teremos os cem anos de dois favoritos de Carmen Miranda: no dia 14, o de Synval Sylva ("Adeus, Batucada", "Ao Voltar do Samba", "Coração", "Gente Bamba"); no dia 19, o de Assis Valente ("Minha Embaixada Chegou", "E Bateu-se a Chapa", "Uva de Caminhão", "Recenseamento", "E o Mundo Não se Acabou", muitas mais). E, a 23 de maio, será a vez do letrista Mario Rossi, parceiro de Roberto Martins no samba "Beija-me" e no fox "Renúncia", e de Marino Pinto no bolero (sim!) "Que Será?" ("Da luz difusa do abajur lilás/ Se nunca mais vier a iluminar/ Outras noites iguais...").
Isto apenas entre os aniversariantes que serão esnobados no 1º. semestre. Mas, até o fim do ano, o Brasil promete superar-se e esnobar Nelson Cavaquinho.

MÔNICA BERGAMO

COMISSÃO DE FRENTE
MÔNICA BERGAMO

FOLHA DE SÃO PAULO - 22/01/11

O creme Ferodelle Seios, que promete aumentar o volume do busto em até 4 cm, está na mira da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Lançado nesta semana, o produto concebido pela Quadrifarma e produzido pela Lamy Química foi registrado como hidratante e firmador da pele. A agência já havia obrigado os responsáveis a alterar a embalagem do produto, que estampava o crescimento das mamas como consequência do uso diário.

PROPAGANDA 
A fabricante, no entanto, continua usando o efeito como estratégia de marketing. "Não posso esconder da minha paciente que seu seio vai crescer", diz José Machado Neto, da Quadrifarma. No site do produto, é anunciado: "Chegou o creme que firma e aumenta seus seios. Experimente, você só tem a ganhar". Custa R$ 89. É recomendado por seis semanas.

BARRACO NA POLÍCIA
A briga de moradores do Real Parque com a prefeitura por causa do projeto de urbanização da favela ficou barulhenta. Os condôminos dos prédios de classe média da região reclamam que a construção está sendo tocada até de madrugada. Na quinta, um deles chamou a polícia, às 2h, incomodado com o barulho da sirene de um caminhão no canteiro de obras.

SEM AVISO 
O escritor João Silvério Trevisan está processando a "G Magazine". Alega ter sido dispensado da revista voltado ao público gay, da qual era colunista, sem explicações, e que deixou de receber por seis meses de colaboração. A editora foi vendida em 2008, e os novos donos atrasaram pagamentos e demitiram funcionários da publicação e do grupo.

COMPENSANDO
A "G"depositou R$ 2.000 para Trevisan nesta semana. E afirma que tem interesse em sua volta. Trevisan diz ainda ter valores a receber.

MULHERES LÁ
Ao receber reivindicações de leitoras da revista "Claudia", anteontem, Dilma Rousseff disse que se surpreendeu, ao chegar ao governo, com a quantidade de mulheres donas do próprio negócio, tema que abre a carta entregue à presidente no Palácio do Planalto. "Muitas delas são chefes de família, o que tem um lado triste. Significa que tem muitas famílias desfeitas, e elas estão sozinhas, tomando conta de tudo", disse Dilma.

IRMANDADE
A ministra Ana de Hollanda, da Cultura, confirmou presença no show da irmã Miúcha, na terça. A cantora se apresenta no Sesc Pinheiros ao lado da Orquestra Sinfônica Municipal.

BAIANOS UNIDOS
Caetano Veloso já produziu oito músicas do próximo CD de Gal Costa.

GAROTA DA MODA
A atriz Alice Braga fotografa na próxima sexta, com Jacques Dequeker, a campanha de inverno da Cori. No domingo, estará na primeira fila do desfile da marca na São Paulo Fashion Week e, na terça, lança o filme "O Ritual", suspense que estrela ao lado de Anthony Hopkins.

TAPAS E SANGRIAS
A inauguração do bar Gràcia, em Pinheiros, foi regada a sangria e tapas. O ambiente e o cardápio da casa são inspirados na região espanhola da Catalunha. A atriz Carolina Ferraz, o stylist Ricardo Benozzati, aarquiteta Maraí Valente, o cabelereiro Luciano Calçolari e a promoter Helô Ricci passaram por lá. 

FILIAL BRASILEIRA
O clube Josephine, original de Washington, abriu suas portas em festa para convidados, entre os quais o cantor Luciano Camargo e sua mulher, Flávia Fonseca. A modelo Daniela Freitas e o empresário Dudu Linhares conferiram o novo local.

CURTO-CIRCUITO

A cantora Isabella Taviani se apresenta no dia 12, às 22h, no Credicard Hall. 14 anos.

O projeto "São Paulo: Seus Povos e Sua Música" começa no dia 29, com debate e apresentação musical sobre a comunidade árabe, na biblioteca Mário de Andrade.

O Jockey Club de São Paulo fará na terça o Grande Prêmio 25 de Janeiro Joesley Batista, com homenagem ao presidente do grupo JBS.

Fred Gelli, da agência Tátil, dará uma palestra na segunda em San Francisco, em encontro da empresa BrainJuicer.

com ELIANE TRINDADE (interina), DIÓGENES CAMPANHALÍGIA MESQUITA e THAIS BILENKY

MERVAL PEREIRA

Organizar a ajuda
Merval Pereira
O GLOBO - 22/01/11

A experiência desses dias de tragédia na Região Serrana do Rio de Janeiro está servindo também para que os envolvidos nos trabalhos voluntários de socorro se defrontem com suas próprias fragilidades. Do relato de dificuldades e desencontros entre os voluntários e os serviços do Estado, e entre os próprios voluntários entre si, fica uma certeza: assim como as ações governamentais, também o voluntariado precisa ser aprofundado, organizado e centralizado.

Há o exemplo da dificuldade que a ONG Viva Rio teve em Teresópolis para trabalhar na vacinação da população, quando tinha especialistas que já haviam atuado no Haiti, prontos para entrarem em ação, e a burocracia da prefeitura atrasou a ajuda.

Há o exemplo de Areal, em que a mobilização pessoal do prefeito, com um tosco carro de som, ajudou a população a minimizar as consequências da tragédia, inclusive poupando vidas humanas.

E há o caso da Cruz Vermelha, que pediu ao BNDES para não mandar as doações recolhidas no banco sem já estarem separadas, mas não explicou como separar, e mesmo assim, só o fazer daqui a algumas semanas, pois já receberam muitas doações que ainda precisam ser despachadas.

Há uma sensação de que todo o chamado terceiro setor (das ONGs até as igrejas, passando pela Cruz Vermelha) precisaria montar uma só rede de socorro humanitário, ou no máximo duas ou três.

Não podem continuar a atuar isoladamente como hoje, e muito menos alimentar uma fogueira de vaidades, com todos querendo aparecer, embora se digam avessos à politicagem.

Ou seja, acontece uma tragédia como essa, precisam trabalhar em rede.

Antes da tragédia, precisariam fazer um planejamento estratégico e montar um modo comum de atuação: estudar e definir o papel de cada um tão logo toque a sirene de alerta em algum lugar do país.

Não pode acontecer, como agora, todos acorrerem para o lugar da tragédia sem saber o que está sendo necessário, provocando situações em que muita doação chega em excesso, enquanto faltam produtos de primeira necessidade para uma situação específica.

Alimentos perecíveis, por exemplo, são difíceis de armazenar; se não forem distribuídos na hora, são perdidos.

Há necessidades que são óbvias, mas não percebidas no primeiro momento. Botas de borracha para enfrentar a lama, por exemplo, eram um produto de primeira necessidade escasso. Assim como luvas.

Houve casos nas regiões das enchentes em que o que era preciso eram roupas de baixo para homens e mulheres, e não colchonetes, por exemplo.

Falta desde uma linha de montagem para receber e processar doações, até logística para transportar e distribuir.

O ideal seria ter uma rede social na qual cada ONG tivesse responsabilidade, previamente definida e posteriormente avaliada e cobrada, em relação a uma etapa dessa cadeia de assistência humanitária, que fosse desde a coleta da doação (em espécie ou em dinheiro) até a entrega ao desalojado ou desabrigado.

Em suma, o terceiro setor deveria atuar como uma empresa.

Hoje, atua exatamente como o governo, mas se julga mais honesto e eficaz do que ele, porém, mesmo sem querer, acaba repetindo os mesmos vícios: desorganizados; descoordenados; ineficientes e ineficazes.

Na raiz, as vaidades pessoais ou institucionais, uma ONG querendo ser melhor do que a outra. O ideal seria ter uma rede nacional, com marca genérica, sem grife individual.

É um sonho impossível?

Ora, as ONGs não montam associações para ir a Brasília pedir verbas para o setor?

Anos atrás, quando se criou uma CPI das ONGs, o chamado terceiro setor se uniu de forma impressionante. Raramente se viu uma força pressionar tanto, do governo ao Congresso, de forma tão unida, coordenada, discretíssima e, o principal, eficiente - aliás, o resultado é simples: algo mudou por causa dessa CPI?

Por que não poderiam fazer o mesmo esforço de articulação e coordenação para prestação de ajuda humanitária?

Uma coisa é certa, como alertam todos os especialistas: essa tragédia da serra fluminense se repetirá em outras localidades do Brasil, esperamos que com menos vítimas, mas não há por que se repetirem os mesmos erros - os próprios socorristas (governamentais e não governamentais) precisam de socorro.

O leitor Valmi Pessanha Pacheco, lendo na coluna a referência a supostos "níveis de governo", lembra que não existe hierarquia ou mesmo subordinação entre eles.

Alguns outros autores, inclusive até membros do Poder Judiciário e do Ministério Público, também expressam supostas "instâncias de governo", diz ele.

Talvez fosse mais adequado denominar "esferas de governo", sugere, já que o artigo 18 da Constituição Federal de 1988 determina que "A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição".

Outra curiosidade brasileira destacada por ele na Constituição: dos 250 artigos do seu corpo principal, dos 95 artigos dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, alguns deles introduzidos pelas 56 Emendas Constitucionais (até 2007) e das 6 Revisões Constitucionais (todas de 1994), os verbetes "direito/direitos" estão inseridos 105 vezes, enquanto os verbetes "dever/deveres/obrigação/obrigações", apenas 25 vezes.

MÍRIAM LEITÃO

Liga das nações
Míriam Leitão 
O GLOBO - 22/01/11

Era uma vez um mundo bipolar. Ele acabou há muito tempo. Um muro caiu sobre aquele mundo dividido entre duas potências inimigas. Esta semana, os chefes de Estado das duas maiores economias se encontraram: Barack Obama e Hu Jintao. Houve chispas e arestas. Mas a relação entre eles é de conflito e interdependência; de amor e ódio. Eles se separam e se misturam.

Os EUA são o país que mais compra produtos chineses. A China é o maior financiador do déficit público americano. Cerca de 60% das exportações chinesas são feitas por empresas de capital aberto, muitas delas, com participação americana. O yuan desvalorizado ajuda a combater a inflação nos EUA, mas dificulta a recuperação econômica. As duas maiores economias do mundo dependem uma da outra e desconfiam uma da outra.

A corrente de comércio Estados Unidos e China foi de US$450 bilhões nos doze meses terminados em novembro de 2010. É mais que a corrente de comércio do Brasil com o mundo. O déficit para os americanos chegou a US$270 bilhões, e isso dificulta a recuperação econômica. Com os setores privado e público endividados, a saída para os americanos é crescer através das exportações. Os chineses utilizam grande parte do seu superávit comercial com os Estados Unidos para financiar a dívida americana. Os chineses carregam quase US$900 bilhões em títulos do governo americano.

- A relação dos dois países é de dependência econômica mútua. A China usa suas reservas, fruto do superávit comercial, para comprar títulos americanos. Desse jeito, o governo americano pode fazer dívidas e rolar os papéis com juros muito mais baixos - explicou o economista Raphael Martello, da Tendências consultoria.

Entrelaçados por esse novelo econômico, o presidente da maior nação capitalista do mundo, Barack Obama, recebeu o presidente da nação supostamente comunista, Hu Jintao, em Washington. Digo supostamente porque a China é cada vez mais capitalista na economia, mesmo governada pelo Partido Comunista. Para falar para seu público interno, Obama teve que pedir respeito aos direitos humanos na China, país que mantém preso o Prêmio Nobel da Paz. Os Estados Unidos vivem um período de forte radicalização política. A China já fez sua sucessão. Xi Jiping assumirá em 2012 vindo de outra linha do PCC.

Na área econômica, reclamações americanas contra algo que fere a indústria do mundo inteiro: a subvalorização da moeda chinesa. Mas ambos precisam desse saldo comercial.

- A China depende muito dos americanos. Se os EUA pararem de comprar produtos chineses, a economia chinesa entra em colapso. Se os chineses venderem os títulos que já possuem, a economia americana também entra em colapso - resumiu o especialista em comércio exterior Joseph Tutundjian.

A pauta de importações americana de produtos chineses é enorme: vai de manufaturados, como roupas e bolas de basebol, a bens de consumo durável e maquinário. Esses produtos, que chegam a baixos preços aos Estados Unidos por causa da subvalorização do yuan, ajudaram por muitos anos a segurar a inflação americana e a manter os juros baixos durante os anos 2000.

As crises imobiliária e financeira deixaram as famílias americanas endividadas. O consumo, que sempre foi o principal motor da economia, precisa voltar-se para produtos fabricados pelas empresas do país. O difícil é quantificar o quanto a indústria americana depende de produtos chineses.

- O que também complica a relação comercial atual é que a China deixou de ser um vendedor de produtos de baixo valor agregado, como foi por muitos anos, e começou a entrar no setor de alta tecnologia. Os chineses já são os principais exportadores de bens de alta tecnologia para a União Europeia. Então, eles se tornaram um forte concorrente para os produtos americanos - explicou Rodrigo Maciel, da consultoria Strategus.

Ontem, a China divulgou crescimento de 10,3% do PIB em 2010. Ganhou o reconhecimento japonês de que já é a segunda maior economia do mundo. O caminho para o crescimento da China nas duas últimas décadas tem percursos semelhantes aos de outros países asiáticos, como o próprio Japão, nos anos 60 e 70, e Coreia do Sul, nos anos 80 e 90.

- O crescimento da China segue o modelo japonês e coreano. Com a diferença que os chineses têm uma população muito maior e um solo mais rico em matéria-prima. Com a enorme mão-de-obra barata, que migrou do campo para as zonas industriais, e o câmbio desvalorizado, os produtos chineses ganharam o mundo. Além disso, o país exige transferência de tecnologia. Uma empresa estrangeira precisa ser sócia de uma empresa chinesa para atuar no país. É o que acontece com a nossa Embraer - explicou Tutundjian.

O grande entrave para a valorização do yuan é justamente o modelo exportador. O governo chinês sabe que não pode simplesmente valorizar sua moeda, como querem os americanos e o resto do mundo, porque isso seria uma catástrofe para suas indústrias.

- O motor do crescimento da China terá que migrar gradualmente do setor externo para o interno. Com isso, o yuan vai se valorizar devagar, até para conter pressões inflacionárias. É o que já está acontecendo. Depois de ficar muito anos congelado, o yuan se valorizou 3,23% frente ao dólar nos últimos seis meses. É pouco, mas é alguma coisa - explicou Martello.

Era uma vez um mundo em que duas potências faziam ameaças nucleares e dividiam o planeta. Era tosco. Hoje, a guerra de conquista é mais sutil, complexa. Os Estados Unidos perdem percentuais do PIB global e não se conformam. A China não se sacia com o que já engoliu.

RENATA LO PRETE - PAINEL DA FOLHA

Junto e misturado 

RANIER BRAGON - interino

FOLHA DE SÃO PAULO - 22/01/11

A presidente Dilma Rousseff já informou a PT e PMDB o desenho geral que pretende implantar no setor elétrico, alvo de uma das disputas mais sensíveis no governo. Partindo do entendimento de que a presidência da Eletrobrás é da sua cota pessoal -a preferência recai sobre Flávio Decat-, ela deixará o comando de Furnas e Eletronorte com o PMDB, mas exigiu nomes técnicos. Já as diretorias de engenharia e operações das empresas do setor devem continuar com apadrinhados do PT. Na disputa intramuros, o PMDB rebate a versão de que "comanda" o ramo elétrico e fez chegar a Dilma lista segundo a qual o partido tem apenas 30% dos cargos, contra 60% do PT.

W.O. O ex-vice-presidente José Alencar mandou avisar ao prefeito Gilberto Kassab que pretende comparecer terça à solenidade em que será homenageado com a "Medalha 25 de Janeiro", em alusão ao aniversário da cidade. Caso se confirme, Dilma também deve ir. Isso afastaria o risco de nenhum dos agraciados aparecer, já que o outro, o ex-presidente FHC, está fora do país. 

#prontofalei 1 A consultoria do "guru" americano de ascendência indiana Ravi Singh na campanha de José Serra (PSDB) foi questionada por 9 entre 10 tucanos, mas na Campus Party a coordenadora de internet Soninha Francine foi só elogios: "Eu gostei muito". 

#prontofalei 2 No mesmo debate, na quinta, o coordenador das redes sociais da campanha de Dilma, Marcelo Branco, escancarou feridas: "Tínhamos três equipes de comunicação, trabalhando em locais distintos, com coordenações diferentes e nunca nos encontramos durante toda a campanha." 

Comandos Além das redes sociais de Branco, havia a parte de TV e rádio, comandada pelo marqueteiro João Santana, e o site oficial, sob responsabilidade da empresa Pepper e coordenado pela hoje ministra Helena Chagas (Comunicação Social).

Opção Pedro Abramovay, que deixou ontem a Secretaria Nacional Antidrogas do Ministério da Justiça, recebeu convite para comandar a Secretaria de Reforma do Judiciário antes de oficializar sua saída do governo. 

Replay Na reunião dos secretários-executivos do governo, ontem, o mantra contra as divergências públicas foi devidamente entoado. 

Cronômetro Fotógrafos e cinegrafistas que registraram o encontro de Dilma Rousseff com o governador Antonio Anastasia (PSDB-MG) começaram a ser retirados do gabinete após 32 segundos. Quem mais resistiu ficou 48s, mostram os marcadores de tempo das câmeras. 

Calendário O estafe de Geraldo Alckmin desmarcou ontem agenda festiva prevista para a Baixada Santista neste final de semana. Assessores do tucano avaliaram que não houve tempo hábil para que cada pasta organizasse um pacote de obras e projetos para a região. Só foi mantida a visita a Cubatão. 

Barba e bigode Aliados de Alckmin trabalham para instalar o deputado estadual Pedro Tobias, de Bauru, na presidência do PSDB-SP. Advogam ainda a indicação de um vereador para chefiar o diretório tucano na capital. 

Visita à Folha Guilherme Canela, coordenador de Comunicação e Informação da Representação da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) no Brasil, visitou ontem a Folha. Estava com Ana Lúcia Guimarães, assessora de comunicação da representação. 
 LETÍCIA SANDER e FABIO ZAMBELI

tiroteio

"O Brasil é mesmo um país singular: aqui escândalo, ao invés de assustar, estimula."
DO CIENTISTA POLÍTICO RUBENS FIGUEIREDO, sobre o aumento em 2010 de 67% nas despesas de cartões corporativos da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), gastos que são sigilosos.

Contraponto

Estado de alerta 

Durante a visita que o candidato do PT à presidência da Câmara, Marco Maia (RS), fez ontem ao Rio Grande do Sul, uma jornalista que acompanhava o evento colocou no Twitter o seguinte relato:
- Marco Maia deve andar cansado da maratona eleitoral. Cochila enquanto Temer saúda autoridades.
Minutos depois, o próprio deputado surgiu no Twitter para responder:
- Embora a maratona seja intensa eu não cochilava, mas lia teus tweets.