segunda-feira, dezembro 12, 2011

Um país resignado - MARCELO COUTINHO


O GLOBO - 12/12/11


As duas últimas grandes potências, Inglaterra e EUA, tornaram-se hegemônicas quando lideraram revoluções industriais. Os ingleses estiveram à frente nas duas primeiras, e os americanos, na terceira. É provável que para completar um novo deslocamento de poder no mundo seja preciso um conjunto de transformações tecnológicas com profundo impacto no processo produtivo e relações sociais.

A pergunta óbvia a fazer hoje é se a China lidera uma revolução como esta, tendo em vista as perspectivas de superar a economia americana. Não há qualquer indício até agora de inovação chinesa que possa ser caracterizada como uma revolução industrial. Outros países como Japão, na nanotecnologia, ou os EUA, na informática e telecomunicações, ou ainda a Europa, na biotecnologia, destacam-se bem mais.

Em ranking sem Taiwan, a China ocupa um modesto 38º lugar em TI, atrás da Índia e apenas uma posição à frente do Brasil. Por outro lado, EUA, China, Alemanha, Japão e Inglaterra são os primeiros no ranking da produção científica. O Brasil vem em 13º lugar. Quando o enfoque é a produção tecnológica, mais importante para identificar os campeões, o país cai para a 29ª colocação. Em 1974, ocupávamos a 28ª. China e Coreia do Sul, que sequer apareciam no ranking, hoje estão em 10º e 4º, respectivamente. Mais uma vez, os EUA lideram, o que não refuta a troca de eixo econômico mundial em razão, sobretudo, do tamanho do mercado chinês.

O crescimento asiático, a desintegração europeia e os desentendimentos em Washington sem dúvida alimentam as chances de uma mudança decisiva ocorrer. Mas ninguém sabe ao certo onde será dada a partida para o novo salto tecnológico. Depois das energias a carvão (sec. XVIII), elétrica (sec. XIX) e nuclear (sec. XX), as apostas recaem sobre a energia Limpa como transição para a economia de baixo carbono.

A China tem investido em proporções cada vez maiores. No entanto, para ficar à frente dos EUA, detentores das melhores universidades, a China ainda precisa avançar muito. Infelizmente, o Brasil abdicou desta disputa. O corte de quase R$2 bilhões no orçamento do Ministério da Ciência e Tecnologia em 2011 é prova disso. A política externa de relações desequilibradas com a China encontrou uma face comum de política interna que nos conduz à redução da capacidade industrial.

Temos apenas uma universidade entre as 200 melhores do mundo, e duas entre as trezentas. Os nossos cientistas até que têm feito o seu papel, aumentando a produção científica nacional numa velocidade acima da média. Mas falta combinar esse esforço com as indústrias do país de modo a nos colocar novamente na corrida tecnológica global. Do jeito que as coisas vão, o Brasil substitui setores industriais por primários, constituindo ainda uma sociedade pós-moderna baseada em serviços.

O Brasil busca uma inserção internacional pelas commodities agrícolas e metálicas. Como são setores tradicionais, é bem possível que a sociedade brasileira e a vida organizativa do país também sofram mudanças. A corrupção e a reoligarquização do poder são sintomas do fortalecimento de padrões clientelistas da Velha República. A alta instabilidade ministerial faz lembrar os piores momentos da nossa democracia de 1946, interrompida em 1964.

Ainda que a política tenha um grau razoável de autonomia e hoje assuma novas fórmulas, cedo ou tarde a desindustrialização impacta sobre ela de alguma maneira. A queda na qualidade política dos congressistas e ministros já não teria algo a ver com a perda de poder dos segmentos econômicos e sociais que modernizaram o país na segunda metade do século passado?

Crescemos em 2011 algo como 3%, média, aliás, dos últimos três anos. Antes considerado insuficiente, muitos já vêem virtudes nesse baixo desempenho, sem oferecer, todavia, qualquer explicação para o fato de o nosso crescimento no segundo semestre ser igual ou inferior ao da tumultuadíssima Europa. Resignado, o Brasil apresenta raras boas iniciativas como o Vale do Silício carioca, que vem sendo criado pela UFRJ no seu parque tecnológico.

No fundo, queremos simplesmente acreditar. Mas será preciso bem mais que isso: abandonar a política externa sinocentrista de 2008 para cá, voltar-se de novo para a América Latina, elaborar uma politica industrial moderna e investir no Brasil pesadamente em pesquisa e desenvolvimento.

MARCELO COUTINHO é professor de Relações Internacionais da UFRJ e do Iuperj.

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