sexta-feira, dezembro 23, 2011

Terceirização: ideologia à parte - ELENA LANDAU


Valor Econômico - 23/12/11


Recentemente a Suprema Corte e o Tribunal Superior do Trabalho (TST) suspenderam decisões obtidas pelo Ministério Público (MP), que pretendiam encerrar a prática de terceirização nas empresas prestadoras de serviços públicos, especificamente, empresas de telefonia e distribuição de energia elétrica.

O imbróglio jurídico começou porque o MP entende que se aplica às empresas concessionárias de serviço público o enunciado 331 do TST, que, resumidamente, veda a terceirização em atividades-fim do tomador dos serviços.

Ministério Público ignora que as concessionárias de serviço público estão obedecendo à lei

No entanto, o MP esquece que as concessionárias de serviço público estão obedecendo literalmente à Lei 8987/95, também conhecida como a Lei das Concessões. O art. 25 da lei permite a contratação de terceiros para o "desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço concedido, bem como a implementação de projetos associados".

Isto porque os serviços concedidos muitas vezes envolvem atividades complexas, cuja prestação é fiscalizada por agência reguladora setorial encarregada de assegurar qualidade, eficiência e modicidade das tarifas. A regulação específica é fundamental porque tais serviços, como energia e telefonia, são essenciais ao bem estar da população e ao desenvolvimento econômico, este sim fundamental para o aumento de postos de trabalho, sejam eles diretos ou indiretos.

Em sua pretensão, o MP, ao exigir a aplicação errônea de súmula do TST e negar vigência à lei federal, como a Lei das Concessões, ignora solenemente o princípio da legalidade e a hierarquia entre normas.

Deixando de lado o equívoco da aplicação do enunciado 331 do TST às concessionárias de serviço público, não se justificam de forma alguma os pedidos do Parquet, que além de pretender que tais empresas se abstenham de novas contratações, quer também a rescisão de todos os contratos existentes com todos os terceirizados. Isso significa na prática a paralisação das atividades dessas empresas.

As recentes decisões, sejam dos Tribunais do Trabalho sejam do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendendo ações ajuizadas pelo MP, são muito bem-vindas. Primeiro, porque é totalmente impossível paralisar e, ainda por cima, reverter a contratação de todos os serviços terceirizados. O MP parece ignorar o princípio básico do "serviço adequado", o qual exige, entre outros requisitos, a continuidade da prestação do serviço público.

Em segundo lugar, ainda que a fiscalização tenha encontrado condições precárias de trabalho nos serviços terceirizados, o MP deve atuar nestas situações exatamente como atua quando encontra precarização nas relações de trabalho dos diretamente contratados. Isto é, multar, punir e, eventualmente, encerrar as atividades da empresa. Da mesma forma que a terceirização não pode ser entendida como sinônimo de precarização, a contratação direta igualmente não pode ser considerada sinônimo de solução.

O exagero da pretensão denota evidentemente um viés ideológico contra o instituto da terceirização. Recentemente, em artigo publicado no Valor, o economista Marcio Pochmann, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), classifica a terceirização como prática "neoliberal" e exalta a redução do número de terceirizados, que vem acompanhada de um aumento significativo de trabalhadores sindicalizados.

Ora, a terceirização nada tem a ver com qualquer opção ideológica. Ela é prática comum em diversas empresas brasileiras e internacionais, inclusive estatais controladas pelo governo, como a Petrobras, e representa importante vetor de desenvolvimento e competitividade.

Na discussão jurídica também foram deixados de lado os argumentos econômicos que justificam o uso de empresas terceirizadas. Por exemplo, a terceirização permite a empresa tomadora dos serviços acompanhar com muito mais agilidade os avanços tecnológicos, porque facilita a contratação de equipes especializadas, treinadas especialmente para as tarefas que exigem conhecimento específico. Outra justificativa, por exemplo, é a diversidade de serviços, e a complexidade desses serviços, que exigem celeridade e especialização. Exatamente por esses motivos, a Lei das Concessões garante a terceirização nas atividades inerentes ao serviço, para que a concessionária tenha liberdade de gestão na busca da prestação de um serviço adequado, como demandam os preceitos que regem as atividades concedidas e reguladas e a Constituição Federal.

E mais, como já ressaltado, nos serviços regulados há agências reguladoras que fiscalizam a qualidade na sua prestação, assim como garantem o repasse às tarifas de eventuais ganhos de eficiência obtidos pelas empresas concessionárias. Ou seja, todos saem ganhando, com destaque para o usuário do serviço que será atendido com melhor qualidade e tarifas mais módicas.

Não se questiona a importância do MP no combate a precarização das condições de trabalho, seja na contratação direta seja via empresa terceirizada. Mas deve-se ler com cuidado as estatísticas por ele utilizadas para justificar a tese de precarização nas empresas alvo de suas ações, como as distribuidoras de energia elétrica. A manutenção de redes, da mesma forma que a exploração de petróleo em águas profundas, é naturalmente uma atividade de maior risco, sendo incabível a comparação com médias, influenciadas por trabalhos mais rotineiros.

Enfim, há normas suficientes na ordem jurídica-trabalhista para que o MP exerça seu papel fiscalizador e combata as precárias condições de trabalho em qualquer tipo de relação trabalhista, sem a necessidade de demandar a extinção do instituto da terceirização. Clamar pelo seu fim encobre um preconceito contra a prática, injustificável tanto econômica como juridicamente. Parece a velha história de curar a febre quebrando o termômetro.

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