sábado, dezembro 10, 2011

Readymade feito à mão - SILVIANO SANTIAGO


O Estado de S.Paulo - 10/12/11


Em The First Pop Age (Princeton, recém-lançado), Hal Foster revisita a arte pop com o fim de demonstrar que a crítica deve comprometer-se hoje com uma leitura formalista daquela inesgotável produção artística. E ser menos sensível aos efeitos de conteúdo gerados por ela junto aos que lhe foram contemporâneos e eram politizados. Foster rejeita a valorização da arte pop por ela reduplicar o fato real (sociedade do espetáculo) ou o produto industrial comercializado (sociedade de consumo), a fim de singularizar as técnicas artísticas de mediação que fundam a avaliação estética. A mediação é de responsabilidade do paparazzi e do publicitário, que clicam e liberam imagens ao público, e também do artista, que entrega a tela pintada ao mercado de arte.

Segundo Foster, a arte pop armazenou mudança significativa nas técnicas de produção da imagem que está à espera do lugar que de direito merece na história da pintura teorizada a partir da "grande tradição da arte", para retomar F.R. Leavis. Nem criador romântico nem engenheiro racional, o artista pop é um experiente designer - alguém que se especializa na aparência (look) das coisas. Hal Foster, o crítico jovem e atuante dos anos 1970, se traveste hoje de historiador e teórico da arte. Ao pautar imagem e subjetividade como temas, o antigo instrumental sociológico cede a vez ao estético/psicanalítico.

Desde a bela capa do livro, Foster destaca o britânico Richard Hamilton (1922-2011). É ele quem transita da técnica de colagem, explorada pelo Independent Group inglês, para a pintura tabular, fundamento da estética pop. Destaca-o e privilegia os experimentos intitulados Swingeing London 67, nos quais o artista ofusca a foto original (Mike Jagger e Robert Fraser presos e algemados por possessão de droga) para se entregar ao trabalho de arte, em que afloram reminiscências do afresco A Expulsão do Paraíso, de Masaccio (1424). Ao analisar Hamilton, Foster mira menos o escândalo rock-and-roll do que o modo pelo qual a prisão em flagrante lhe chegou e chegou a nós, mediatizada pela foto e pela arte. Acontecimento é imagem. Há uma imagem primeira a ser elaborada e transformada em várias e sucessivas imagens segundas. Foster desata os nós para, ao ritmo pop, reatá-los ad infinitum.

O efeito do fato fotografado e difundido pelos tabloides explora a revolução comportamental em curso e é diferente do efeito estético alcançado pelos trabalhos feitos à mão por Hamilton a partir da foto chocante. Como mediação, a foto liberou o flagrante e confundiu o paparazzi e o artista, mas não se confunde com o trabalho singular de Hamilton. Mediação é palavra-chave e conceito ambivalente na leitura de Foster. É a palavra/conceito que, discursiva e teoricamente, desata foto e pintura para reatá-las em outro plano, no qual impera o contrassenso a que Foster chama, somando Marcel Duchamp a Brian O'Doherty, de "handmade readymade" (readymade feito à mão).

A mediação confunde o mecânico (foto) e o manual (pintura) para distingui-los. Boicota a crítica à cumplicidade ideológica da arte para discursar teoricamente sobre a subjetividade na sociedade do espetáculo e de consumo. Descuida-se da contemplação para focar a distração. Baixa é alta cultura, sem ser de todo alta nem de todo baixa. A mediação desova híbridos, exibindo-os nas galerias e museus. O readymade feito à mão está na base do florescente mercado de arte.

Na narrativa de Foster, a mediação tem, pois, um fim que é explicitado todo o tempo: o artista pop trabalha com vistas ao quadro (tableau) como suporte para a pintura. Eis a razão pela qual durante o transcorrer do livro Hal Foster evoca a tradição da arte clássica e da vanguarda histórica para analisar os trabalhos dos artistas pop Richard Hamilton, Roy Lichtenstein, Andy Warhol, Gerhard Richter e Ed Ruscha.

Para quem se interessa pela arte brasileira, o novo livro de Foster abre uma brecha por onde se enxerga a personalidade única de Hélio Oiticica, a lançar os Parangolés a partir de 1965. Em lugar de enquadrar a foto à estética do quadro, trabalho perseguido a duras penas por Foster, Hélio tinha se descondicionado do próprio e originalíssimo passado, noo qual imperou o quadro como suporte para o abstracionismo geométrico, a fim de se adentrar por propostas experimentais da cor no espaço e no corpo em movimento do espectador.

Segundo o artista, os Parangolés devem ser associados à "experiência de estrutura-cor no espaço". Eles desvencilham a arte de Hélio do quadro sem decretar a morte da pintura. Pelo contrário, o fim do quadro é "a salvação da pintura". Esclarece ele: "A pintura teria de sair para o espaço, ser completa, não em superfície, em aparência, mas na sua integridade profunda". E, ao se distanciar da "nova figuração", Hélio pondera: "Na verdade a desintegração do quadro ainda é a continuação da desintegração da figura, à procura de uma arte não naturalista, não objetiva".

Duas outras brechas. Talvez os poetas concretos paulistas estejam mais próximos da arte pop, tal como defendida por Hal Foster. Por não terem abandonado o retângulo da folha de papel, insistiram em suporte semelhante ao quadro para as palavras. A leitura do capítulo 5 de The First Pop Age, dedicado à pintura de Ed Ruscha, designer de palavras, seria de grande proveito.

Já quem ganha crédito como legítima herdeira da estética pop no Brasil é Adriana Varejão. Suas apropriações em pintura das "figuras de convite", tomadas à azulejaria senhorial portuguesa, e do "mapa de Lopo Homem", portulano renascentista, assinalam, por um lado, uma guinada delicada na raivosa atitude antropofágica dos anos 1920 e, por outro, são exemplos redivivos da tradição pop - do readymade feito à mão. De proveito seria a leitura dos capítulos 2, sobre Roy Lichtenstein, e 4, sobre Gerhard Richter.

SILVIANO SANTIAGO ESTÁ PASSANDO UM SEMESTRE LETIVO NA PRINCETON UNIVERSITY (EUA) COMO PROFESSOR VISITANTE

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