sexta-feira, dezembro 16, 2011
Patrícia Poeta transtorna o Waldemar - IGNÁCIO DE LOYOLA BRANDÃO
O Estado de S.Paulo 16/12/11
Estava numa mesa do Vianna, esperando as brusquetas de presunto cru com rúcula e parmesão, quando o Waldemar entrou, e veio direto. Ele é assim, anda pelos bares e senta-se à mesa com pessoas sozinhas. Diz que o entristece ver uma pessoa só, quer fazer companhia, consolar. Não sabe por que a pessoa está só, se ela quer estar. Acomoda-se ao lado e procurar trazer aquilo que chama de alívio espiritual. A coisa que mais Waldemar tem medo, isso desde os tempos de ginásio, quando o conheci, é de que uma pessoa só possa se matar. No fundo, acho que solitário é ele.
- O que faz aqui?
- O que se faz num bar? Bebo.
- Cadê a bebida?
- Ainda não pedi.
- Por que nesta mesa onde ninguém te vê?
- Como ninguém me vê? Aqui, no Vianna, entrou se vê todo mundo.
- Precisei olhar bem para te enxergar. Tem medo do quê? Esconde-se do quê?
- De mim mesmo.
Digo por dizer, para ver o efeito, mas ele deixa passar batido. Pede uma margarita, a do Vianna é famosa no bairro, este bairro que acaba de derrubar um monte de casinhas para a construção de um conjunto, sei lá do quê. E cuja ameaça é também a de estar completamente congestionado no futuro, porque anunciam um imenso prédio com shopping, escritórios, apartamentos, na esquina da Teodoro com a João Moura. Os bairros vão sendo desfigurados pouco a pouco. A margarita perfumada chega.
- A primeira da noite, para comemorar.
- Comemorar o quê?
- A vitória do Luis Fernando Verissimo.
- Ele ganhou algum prêmio? Ou um jogo?
- Não, para mim foi uma vitória pessoal do Verissimo o fato da Patrícia Poeta ter assumido o lugar da Fátima Bernardes.
- Como assim?
- Lembra-se quando a Patrícia apareceu na televisão? Morenaça, com aquele sorrisão? Mulher misteriosa, surgiu de repente e se tornou um personagem do Verissimo, toda coluna dele falava na Patrícia Poeta. Depois ela sumiu, soube que se casou, ficou anos fora, teve filho. O filho dela deve ser um poema...
- Sem essa, Waldemar, sem essa.
- Na verdade, estou muito preocupado.
Lágrimas vieram aos olhos dele.
- Você, Waldemar? Seria a primeira vez na vida.
- Tem algo inexplicado no ar...
- O que é?
- A Fátima! Como vai ser? Ela em casa vendo televisão olhando o Bonner ao lado da Patrícia? Ninguém pensa nisso, no que existe além da telinha.
- Isso é coisa para tirar o sono, Waldemar? Coisas da vida, do trabalho, da poesia e dos poetas. Da poeta.
Ele passa batido pelo meus clichês.
- Nos acostumamos com as coisas, elas passam a fazer parte de nossa vida, é o cotidiano, o mundo arrumado. De repente, tudo desarruma, perdemos o pé. Só falta tirarem a Renata Vasconcelos do Bom Dia, Brasil. Aí o mundo se acaba. De uma vez! Tudo menos isso! Viu o que aconteceu na Avenida Brasil? Ali na esquina da Rua Colômbia?
É hábito dele saltar de um assunto para o outro, quer falar, ora é calmo, ora catastrofista.
- Não! O que houve ali? Trabalhei 20 anos naquela esquina, na Vogue. O que houve?
- Lembra daquela árvore linda, imensa, frondosa, que havia no pátio da extinta loja Imi? Pois é, derrubaram. Do dia para a noite, desapareceu. Era das coisas mais bonitas do bairro. Um símbolo. Ali tem um tapume, há uma obra. Ninguém sabe o que vai ser. Seja o que for, que seja um mico, vire caveira de burro pela derrubada da árvore. Não tem meio ambiente nesta cidade?
Começou a chorar ali na mesa mesmo e nem tinha recebido ainda a margarita. Virei-me para o balcão e mandei que reforçassem a dose de tequila, e que fosse da melhor. Waldemar é assim, lutando pelas causas, sejam quais forem, o mistério da Patrícia Poeta, o corte da árvore. Dia desses, chorou sem parar, aqui no Vianna mesmo, por causa daquele cachorro que foi enterrado vivo pelo dono em Novo Horizonte. Tudo porque, ao passar por uma pet shop do bairro, viu cãezinhos vestidos para o frio, com os donos comprando ração importada, camas, coleiras antipulgas. "Tudo para uns, nada para os outros", comentou. Vai chorar mais quando ler sobre aquele homem em Guarulhos que amarrou o cão ao carro e o arrastou pelas ruas. Waldemar prometeu que esta semana mandaria um telegrama à prefeita de Santarém que decretou luto oficial pela não divisão do Pará. Santarém seria capital. Teria Palácio do Governo, residência oficial, Assembleia, Tribunal de Contas, Tribunal de Justiça, Corregedorias, Secretarias e cargos, cargos, cargos, cargos, cargos, cargos, cargos, cargos, cargos...
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