quinta-feira, dezembro 29, 2011

O novo Cade e o Judiciário - JOSÉ DA FONSECA FILHO e FREDERICO C. DONAS


VALOR ECONÔMICO - 29/12/11

Após sete anos de tramitação no Congresso Nacional, em 1º de dezembro foi publicada a Lei nº 12.529, de 2011, que reestrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência.

A lei entrará em vigor em 30 de maio de 2012 e trará importantes avanços e inovações. No entanto, o texto contém imperfeições que impactarão diretamente a rotina e as decisões do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), refletindo na relação entre Cade, empresas e o Poder Judiciário.

De modo geral, os problemas estão relacionados à falta de rigor técnico e à redação confusa de dispositivos da nova Lei de Defesa da Concorrência, que poderão acarretar interpretação incorreta e ampliação indevida da discricionariedade do Cade na aplicação do texto legal. A consequência imediata esperada será o aumento do número de ações judiciais questionando decisões e procedimentos do Conselho.

Um primeiro aspecto problemático é que o texto sancionado pela presidente Dilma Roussef não prevê consequências para o descumprimento dos prazos para análise de atos de concentração econômica. Nesse sentido, a Lei nº 12.529 representa retrocesso em relação ao sistema atual, que determina a aprovação automática de operações não analisadas pelo Cade dentro do prazo legal.

A importância do tema é indiscutível. Com a instituição do sistema de análise prévia de atos de concentração, nenhuma operação poderá ser concluída antes da aprovação do Cade. A agilidade da autoridade de defesa da concorrência é, portanto, essencial; atrasos representarão prejuízos às empresas e ao próprio mercado. Se não for resolvido pelo próprio Cade, o tema é forte candidato à definição pelo Judiciário.

O texto é infeliz porque ignora as funções essenciais das garantias judiciais

Outro possível foco de discussão será a legitimidade das decisões do novo Cade. A Lei nº 12.529 prevê que "serão tomadas por maioria, com a presença mínima de quatro membros, sendo o quórum de deliberação mínimo de três membros". Aparentemente, o legislador procurou indicar o número mínimo de votos no mesmo sentido necessários para tomada de decisões - três - mas o uso atécnico da palavra "quórum" possibilita, no extremo, que casos importantes sejam decididos pelo voto de apenas dois conselheiros.

Também foi afetada negativamente a dinâmica das ações judiciais que tenham por objeto decisões do Cade.

A Lei nº 12.529 reitera dispositivo da lei atual - Lei nº 8.884, de 1994 - que condiciona a suspensão da execução de decisão do Cade à apresentação de garantia judicial no valor da multa aplicada. O objetivo expresso na própria lei seria assegurar o cumprimento da decisão final proferida nos autos.

Entretanto, além de manter exigência que o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou inconstitucional em relação aos créditos tributários e previdenciários, a lei inova erradamente ao prever que o Cade poderá executar a diferença entre o valor depositado em juízo e o valor atualizado da multa.

O texto é infeliz. Primeiro, porque ignora as funções essenciais das garantias judiciais, que são assegurar o cumprimento da decisão e prevenir os efeitos da mora. Segundo, porque os depósitos judiciais já são atualizados e acrescidos de juros pela própria instituição bancária, nas mesmas bases das multas aplicadas pelo Cade, conforme determinado pela Lei nº 9.703, de 1998.

Além disso, a lei cria situação absurda ao estabelecer que apenas os depósitos judiciais não suspenderão a incidência de juros e atualização monetária da multa, muito embora admita outras formas de garantia do juízo. Na prática, isso significa que garantias com menor liquidez poderão alcançar objetivo vetado aos depósitos.

Por fim, a Lei nº 12.529 manteve incongruência existente na Lei nº 8.884, ao possibilitar a celebração de acordos judiciais nos processos relativos a infrações contra a ordem econômica, mas não naqueles relacionados a atos de concentração. Privilegia-se a solução de casos com potencial de prejudicar a concorrência e os consumidores, em detrimento de outros capazes de gerar importantes eficiências econômicas.

Esses são apenas alguns exemplos das impropriedades da nova Lei de Defesa da Concorrência. A experiência aponta que em pouco tempo outras virão à tona, seja por reflexões como a presente, seja por atos equivocadamente fundamentados na norma recém-nascida. É imprescindível que a sociedade, o Cade e o Judiciário estejam atentos, para, acima de tudo, preservarem o exercício dos direitos e garantias previstos na Constituição Federal, e o Estado Democrático anunciado no preâmbulo daquela.

José Arnaldo da Fonseca Filho e Frederico Carrilho Donas são advogados de Levy & Salomão Advogados

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