quinta-feira, dezembro 15, 2011
No grito, não - JANIO DE FREITAS
FOLHA DE SP - 15/12/11
Se há questionamentos à conduta de um ministro, é dever do governo proporcionar as respostas
Foi um ensaio, ou um "trailer", das investidas tormentosas atribuídas a Dilma Rousseff na relação com os subordinados. Era só uma pergunta sobre a ida, ou não, de Fernando Pimentel ao Senado para depor sobre suas consultorias, com ou sem as aspas. Dilma Rousseff mostrou mais irritação do que a presidente da República se mostrou convincente.
A cena teve um lado positivo. A cada dia encontram-se, nos jornais e na TV, referências a "broncas da presidente", mas a precaução palaciana evita imagens. Dessa vez foi impossível, ficou ao menos um esboço. Afinal atestadas as broncas, vale trazer lá de trás um bom episódio no gênero.
O general Geisel também era dado às "broncas do presidente". Nem as portas do Congresso escaparam aos acessos da fúria autoritária.
Mesmo que não fossem descomposturas, sua presunção permeava os despachos com elevações grosseiras da voz.
O ministro Mário Henrique Simonsen, matemático brilhante, economista de alta reputação, discordava de Geisel em muitos aspectos da política econômica, mas os despachos de presidente e ministro da Fazenda mantinham elegância tolerável.
Até a primeira vez. A discordância era forte e Geisel se exasperava com as razões intransponíveis do ministro. De repente, Simonsen levantou-se e caminhou para a porta.
"Onde é que você vai?" - Geisel, em berros ainda.
"Vou embora. Não vim aqui para gritaria. Até porque, se for para gritar, eu grito mais alto do que o senhor!" - Simonsen, tenor, cantava óperas.
Geisel foi ainda o Geisel na voz exaltada: "Pois então grita! Senta aí e grita você também!"
Naquele e nos despachos seguintes, Mário não precisou exercitar a garganta.
Verdadeiras ou, como de hábito, um tanto exageradas, as atuais histórias palacianas apontam para uma certa falta de brio por lá.
No mínimo, falta um momento de Mário Henrique Simonsen, ainda que só um momento. Talvez tivesse utilidade.
A pergunta a Dilma Rousseff foi sobre o que o governo achava da possível convocação de Pimentel para depor. Pergunta apenas ociosa, porque há mais de uma semana governo e PT são a infantaria do seu escapismo. Mas a resposta, que não era só para um repórter, foi dada com muita rispidez:
"O governo não acha nada, o governo só acha o seguinte [portanto, acha alguma coisa]: é estranho que o ministro preste satisfações no Congresso da vida privada, da vida pessoal passada dele. Se ele achar que deve ir, pode ir. Se achar que não deve ir, não vai".
Não há dúvida de que Dilma Rousseff sabe muito bem, inclusive por sua vida, o que é idoneidade. Não é menor a certeza de que a presidente Dilma Rousseff, apesar das concessões em que se baseou a montagem do seu governo, sabe muito bem que idoneidade é exigência essencial para preencher um cargo público, tanto mais um alto cargo na orientação do país.
E Dilma Rousseff e a presidente sabem, ambas, que idoneidade não se refere ao período preciso em um cargo, em um governo, em dada atividade privada. É a "vida pessoal passada". Um conceito que não abre brechas na "vida pessoal passada".
Se há questionamentos à idoneidade da conduta, como no caso, de um ministro antes de empossar-se, é dever do governo e demais instituições proporcionar ao país as respostas, com a devida sustentação.
Não é "se ele quiser esclarece, se não quiser, não esclarece". Ou pode ser, sim -em regime como foi o do governo Geisel.
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