domingo, dezembro 04, 2011

Não me contem. Não quero saber - UGO GIORGETTI


 O Estado de S.Paulo - 04/12/11


Finalmente um domingo de futebol. Não de jogos pachorrentos que não decidem nada, onde o jogo é apenas um som dos domingos de nossas vidas. Ano após ano aquelas vozes que parecem a mesma nos acompanham pelas tardes de domingo, vindas de bares, bancas, pontos de taxi, janelas abertas, carros em movimento que se perdem na distância. De tão repetidos nem mais notamos esses sons. Hoje não. Cada som terá um significado especial. Antes da bolinha no vídeo indicar que saiu um gol, já saberemos que ele saiu.

Alguém sempre sabe antes da gente. Não sei como, mas sabem. São vozes aumentando de volume, uma aqui, outra ali, depois outras, seguidas de gritos antecipatórios da explosão final. É impressionante como os acontecimentos de um jogo se espalham ao mesmo tempo, instantâneos, implacáveis.

Muitas vezes, temendo o pior, não quero nem mesmo ouvir. Finjo que não escutei, quase imploro para a TV retardar a informação que temo. É inútil: não adianta fingir. Quando a TV informa o gol que não queria que saísse, há muito tempo eu já sei que ele ocorreu, informado por milhares de estranhos sinais.

Que ruídos me reserva este domingo? Devo fingir que não é comigo, como convém aos torcedores dos times que não mais podem ser campeões? Devo pegar um livro, tentar ler e constatar depois de minutos que não passo da mesma linha e que meus ouvidos estão atentos ao menor ruído da vizinhança? E se não vem ruído algum, a dúvida: terei deixado de perceber algo? E se caí no sono por minutos? E se sofri momentânea desconexão com a realidade e deixei passar acontecimentos importantes?

O silêncio também pode ser angustiante e terrível. Nesses momentos corro para a TV e rendido, vencido, passo a ver o jogo que daria tudo para evitar, onde um time pode ser campeão, mas não é o meu. A proximidade das moradias, os prédios, o costume que todos têm hoje de gritar e falar alto, tornaram praticamente impossível fugir do futebol. Num domingo como hoje, então, é absolutamente impossível. Recém-nascidos, velhos, turistas que nem sabem o que está acontecendo, todos serão engolfados por esse domingo especial em que todas as cartas serão jogadas.

O que me reserva este domingo? Será que não poderei nem mesmo fazer um gesto inócuo como ir à janela? Porque é claro que posso ter diante de mim o espetáculo de bandeiras desfraldadas nas sacadas. Estou de olho em uma delas, uma sacada, bem visível da minha janela. Durante meses ficou estrategicamente virada para mim uma bandeira de um time que hoje pode ser campeão. Tive que conviver com a amarga visão sem poder fazer nada. Dois dias atrás, percebi que a bandeira tinha desaparecido. Como? Justo na véspera da decisão? Me ocorreu então o óbvio, assustador: a bandeira velha estava para ser substituída por outra maior, nova, enorme. Que certamente aguardava para ser colocada no fim da partida, no fim do domingo, do meu domingo.

Sou educado, civilizado, futebol é um esporte, devemos saber perder, mas decidi que se o pior acontecer hoje, vou manter minha janela hermeticamente fechada por bom tempo. Se acontecer a tragédia anunciada, só saio de casa à noite. Assim mesmo para um passeio a pé, procurando as ruas menos frequentadas do bairro, embora sabendo talvez não escape de ouvir berros de campeão.

O certo é que evitarei pizzarias. Porque eles estarão lá, com suas camisas, faixas, em mesas enormes, comemorando. Haverá uma pizzaria para perdedores? Por que não ocorre a um dono de pizzaria fazer uma promoção domingo à noite, permitindo somente a entrada de pessoas que não querem ouvir falar de futebol? Bem, não posso me deixar levar por tanto pessimismo. Quem sabe o domingo não será mais agradável.

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