sábado, dezembro 10, 2011

Misto-quente - MANOEL CARLOS



REVISTA VEJA - RIO
Para quem acha que as novelas exageram, inventam enredos mirabolantes, fogem do plausível e da coerência, que tal saber desta história verdadeira? A atriz Loretta Young, uma das deusas de Hollywood do meu tempo, engravidou do ator Clark Gable, que era casado. Para evitar o escândalo, Loretta foi engordar na Europa, incógnita, e voltou secretamente aos Estados Unidos, onde a criança nasceu, em 1935, sendo imediatamente entregue a um orfanato. Pouco tempo depois, a atriz anunciou a adoção de uma criança. Adivinhem quem. Ela mesma, a filha verdadeira, que só 31 anos depois ficou sabendo ser a filha biológica da mãe adotiva. Esta historinha, que noticia que essa filha morreu aos 76 anos, na Pensilvânia, está na seção Datas da última VEJA. Como veem, a vida real é que exagera muitas vezes, querendo passar por novela.
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O escritor argentino Adolfo Bioy Casares teve uma trepidante vida sentimental, amando e sendo amado por muitas mulheres. Era um homem bonito e inteligente, o que fazia dele um irresistível sedutor. Mas tinha suas queixas, como podemos ler nesta confissão que ele tenta disfarçar, colocando a história na terceira pessoa do singular:
 “Quando ele queria estar com ela, ela não queria estar com ele. Agora, no entanto, que estar ou não estar com ela tanto faz, não sabe por que ela quer estar com ele a toda hora. E por isso conclui-se que basta querê-las para que elas não nos queiram”.
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Cecília colocava Horácio acima de tudo e de todos.
— Abaixo só de Deus — disse-me ela um dia.
Realmente, vi poucas relações tão sinceras. Viviam abraçadinhos, aos beijos, de mãos dadas pelas ruas do Rio, rindo dessas bobagens em que só mesmo os namorados conseguem achar graça. Um dia tudo acabou. Não por um novo amor de um ou de outro, mas porque Horácio recebeu uma imensa e inesperada fortuna como herança. Diante de tanto dinheiro, jogou no lixo tudo o que tinha e que já não queria mais: roupas, sapatos, livros, um Rolex falso… e um amor verdadeiro. Viajou com uma modelo para a Europa, mais precisamente para a Toscana, na Itália, onde comprou uma grande propriedade. Mas Cecília não ficou de mãos abanando: para ela, Horácio deixou a quitinete em Copacabana onde por doze anos foram felizes.
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Atrizes são a desgraça dos rapazes de boa família. De uma lubricidade espantosa, entregam-se a orgias, devoram milhões e acabam no hospital. Perdão! Há entre elas boas mães de família.
Esqueci das aspas no pequeno parágrafo acima. A injusta definição não me pertence. é de Gustave Flaubert, escritor francês do século XIX, em seu dicionário de ideias afins, que fecha o romance inacabado Bouvard e Pécuchet. Classificado por alguns como a comédia da imbecilidade, da fragilidade e da genialidade, o livro do autor de Madame Bovary é leitura obrigatória. Segundo o escritor argentino Juan José Saer, Bouvard e Pécuchet faz o leitor rir bastante, mas muitas risadas serão acompanhadas de um “nó na garganta”. Sei como é isso. Gosto muito de um verso de Fernando Pessoa que diz: “e ri como quem tem chorado muito”.
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Consta que, ao ler num jornal de Praga uma nota que afirmava que o que ele escrevia precisava ser lido nas entrelinhas para ser compreendido, o escritor Franz Kafka comentou com seu amigo Max Brod:
— Mas que idiotice é essa? Eu só escrevo nas linhas! 
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No filme Um Dia, que eu e minha mulher fomos ver nesta semana, uma cena me tocou especialmente: a do filho subindo a escada com a mãe doente em seu colo. Esse tipo de cena sempre me comove: filhos amparando os pais, como numa troca de papéis, em que os jovens devolvem aos velhos gestos tantas vezes usados por eles. Me lembrou um episódio que um amigo me contou:
— Quando meu pai caiu gravemente doente, sem condições de cuidar de si mesmo e não querendo expor toda a sua fragilidade diante da minha mãe, era eu, o filho, quem o colocava dentro da banheira e lhe dava banho, paciente e carinhosamente. Depois, eu carregava meu pai até a cama e ali o enxugava e lhe vestia o pijama, como se fosse uma criança. Como tantas vezes ele fizera comigo!
Nunca esqueci essa história de inversão de papéis, que a vida, às vezes, pode nos proporcionar, e a cena do filme me fez lacrimejar como uma criança.

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