segunda-feira, dezembro 19, 2011

“É PRECISO ESTAR SEMPRE A SERVIÇO DA MÚSICA” - SONIA RACY

O ESTADÃO - 19/12/11


O maestro Roberto Minczuk fala sobre sua carreira e o futuro da OSB


Ele vive para a música. “É amor, mesmo. Aquilo que torna tudo melhor”, costuma dizer. À frente da Orquestra Sinfônica Brasileira desde 2005 e regente-titular da Filarmônica de Calgary, no Canadá, Roberto Minczuk viveu período turbulento no começo de 2011, com a crise na OSB. A troca de parte dos músicos gerou críticas até então desconhecidas para o trompista premiado que sempre associou a música à iluminação divina. “Foi difícil, mas eu tinha uma missão”. Qual? Transformar a orquestra numa potência sonora à altura das credenciais que seu regente carrega desde 1998, quando estreou no Central Park, à frente da Filarmônica de Nova York. Ao que parece, este paulistano de 44 anos venceu. “Hoje tocamos com muita garra, comprometidos com a qualidade”. Ele concedeu entrevista à coluna pelo telefone, de sua casa no Rio de Janeiro, dias depois de a OSB fazer grande apresentação no Complexo do Alemão. “Fiquei muito empolgado. Foi um ano de muito aprendizado para mim.”


A seguir, os melhores momentos da conversa.


• Como foi reger a OSB no Complexo do Alemão? Emocionante. Uma alegria, porque apresentamos a Nona Sinfonia, de Beethoven, celebrando um ano de pacificação da comunidade. Usamos um coro de crianças muito bacana. O ponto alto foi a Ode à Alegria, que é o tema da sinfonia... a evocação à paz. Muito alegórico para o momento. Todos precisamos disso, o Brasil precisa disso. E o mais legal é que a Nona faz parte da minha vida desde muito cedo. A primeira vez que a interpretei eu tinha 11 anos.


• Tocando trompa?


Sim, trompa. Todos os meus irmãos (somos oito) tocam instrumentos. Meu pai também é músico, foi professor de oboé dos meus irmãos.


• Mas por que trompa? Não é um instrumento usual...


Antes da trompa, eu tocava trompete, estudava piano. Um dia, meu pai me ouviu tocando trompa e sugeriu que eu estudasse mais a fundo. Porque percebeu que eu tinha um ouvido muito bom e trompa é um instrumento que só quem tem bom ouvido consegue tocar. Aí comecei. E gostei muito do instru-


mento, viu? Eu tinha 9 anos de idade. Aos 12, já tocava profissionalmente, aos 13 me tornei primeira trompa do Teatro Municipal. Em 1985, com 18 anos, ganhei a primeira edição do Prêmio Eldorado, tocando Haydn e Mozart. E isso foi muito importante para a minha carreira.


• O que o levou à batuta?


Meu pai, desde que eu tinha 6 anos, me preparou para isso, para a regência. Comecei a reger com 15 anos. Estava nos Estados Unidos. Fui para lá aos 14, estudar na Juilliard, em Nova York. Aos 20, fui para a Alemanha, ser trompista da Orquestra Gewandhaus, de Leipzig. Mas porque eu queria estudar com o Kurt Masur, que era o maestro-titular. Ele me ensinou algo muito importante: que é preciso estar sempre a serviço da música.


• Como foi voltar ao Brasil para estudar com Eleazar de Carvalho? Eleazar era um mestre total. Mas minha relação com ele é muito mais antiga. Toquei pela primeira vez com o maestro aos 11 anos, no Festival de Campos do Jordão
de 1978. Ele também dizia que eu tinha bom ouvido.


• Mas o fato é que o senhor não tem “bom ouvido”, mas ouvido absoluto. Pois é. Quando eu ouço uma música, ouço todas as notas.


• Isso pode ser um problema para um maestro, não? Ah, sim! Porque é como ver em raio X. O que está aparente e o que está dentro. Sou capaz de ouvir a diferença mínima de afinação numa mesma nota executada por um mesmo músico. Se ele toca um ré bemol, por exemplo, eu noto a nuance da afinação. Com o passar do tempo, fui aprendendo a
“desligar” o ouvido. Senão, ficaria louco (risos).


• Porque a perfeição não existe. Claro. Muitos compositores, músicos e maestros sofrem com isso. E é algo que precisa ser trabalhado, porque pode se tornar paralisante.


• Como foi a estreia internacional como regente?


Muito bonita. Foi em 1998, no Central Park, com a Filarmônica de Nova York. Tocamos para 90 mil pessoas. Foi o que abriu as portas do mercado para mim. O concerto foi muito bem recebido, teve críticas muito boas. A partir dali pude desenvolver carreira internacional, regendo as grandes orquestras do mundo.


• E quais as melhores?


Ah, são muitas. Filadélfia, Cleveland, Atlanta, Dallas, Calgary (da qual eu sou regente titular). Na Europa, a Filarmônica de Londres, a Orquestra da BBC de Londres, a Nacional da França, a Filarmônica de Israel. Também tenho regido a Filarmônica de Tóquio. É um privilégio. E sempre uma chance para mostrar os compositores brasileiros lá fora.


• O senhor, sempre que possível, inclui compositores brasileiros em suas apresentações fora do País. É mais fácil tocar autores nacionais no exterior? Porque há aquela sensação de que o brasileiro resiste ao que é nacional.


Hoje em dia o interesse é maior. Houve época em que só lá fora se dava valor à obra nacional. Acho que o Brasil está evoluindo. Não podemos nos achar menores do que os outros países. Temos compositores excelentes. Não estou nem falando de Villa-Lobos, que é um gênio, mas é sempre maravilhoso poder reger Guarnieri, o padre José Maurício Nunes Garcia e os contemporâneos Almeida Prado (recentemente falecido), Edino Krieger. Também faço muitas estreias mundiais de autores contemporâneos.


• Isso também era um tabu, não, maestro? Dizia-se que música erudita tinha data de começo e de término.


Nós vivemos um momento em que não há mais espaço para tabus. Liberdade é tudo. E hoje o compositor não precisa se sentir censurado pelos colegas, pelos acadêmicos. Se a música não é abstrata, é considerada anacrônica. Havia muito isso até metade do século 20. O próprio Villa-Lobos era considerado old fashioned (risos). Hoje, ainda bem, isso acabou.


• O senhor tem um compositor favorito?


Bach. É pão, como diria o Arthur Nestrovski. É perfeito. Faz bem à alma e à mente. Tive a oportunidade de morar em Leipzig, a cidade de Bach, onde comprei muitos manuscritos. Raramente há uma correção, a música dele já nascia perfeita. E para qualquer instrumento. Recentemente, estava com a OSB, o Yamandu Costa e o Hamilton de Holanda. Eles tocaram uma peça de Bach. Parecia ter sido escrita para violão e bandolim.


• Como está a OSB hoje?


Muito bem. Estou muito satisfeito. Os músicos têm demonstrado uma paixão que é fundamental – tanto para o erudito quanto para o popular, porque fazemos muita MPB também. É preciso encarar Paralamas com a mesma seriedade, A mesma devoção com que se enfrenta a Quarta Sinfonia de Mahler. Sem preconceito, com muita garra, comprometido com a qualidade, com a música. Só assim as coisas dão certo.


• Que gravações estão previstas para o ano que vem?


Estou gravando todas as sinfonias de Beethoven com a Filarmônica de Calgary. Já fizemos a 1ª, a3 ª, a 5ª, a7ªea8ª.Em2012, gravaremos a 2ª, a 4ª e a Pastoral (6ª). Além disso, o DVD e o CD do show no Rock in Rio serão lançados no primeiro semestre. A OSB gravou ao vivo com Paralamas, Titãs e Legião, uma maravilha. Fiz também uma gravação belíssima, em abril, com a Orquestra de Câmara da Filadélfia, de obras de um compositor americano contemporâneo chamado Jonathan Leshnoff. É um oratório chamado Hope. A peça foi indicada ao prêmio Pulitzer, o que me deixou muito feliz. O DVD e o CD serão lançados no começo de 2012. 


• E a agenda da OSB? Ainda não divulgamos. Mas haverá muitas novidades, será um grande ano para nós.


• Como foi a celebração de 20 anos de casamento?


(risos) A gente celebra não só o casamento, mas a família diariamente, porque é prioridade. A família sempre foi mais importante que a carreira para mim. Sempre que possível, levava minha família em minhas viagens. Às vezes, gastava tudo que ganhava, mas valia a pena. Acho uma bênção de Deus a Valéria e nossos quatro filhos, a Nata-lie, de 19 anos, a Rebecca, que tem 17, o Joshua, de 14, e a Julia, que está com 8.


• Eles tocam o quê?


A Natalie toca violoncelo, piano, canta e rege o coro da igreja. A Rebeca é compositora, em primeiro lugar. Também toca piano e canta, só que curte mais MPB e gospel. Já o Joshua é roqueiro mesmo (risos), toca guitarra elétrica. E a Julia estuda piano e canto. Tem música o dia inteiro em casa. O que me fascina é que eles se divertem. Nem sei se, profissionalmente, irão para esse caminho. A Natalie, por exemplo, está terminando o segundo ano de Economia na GV.


• O senhor é um homem religioso. Como é isso na vida do músico e do maestro?


Sou protestante. Na verdade, sou cristão, meu relacionamento é com Cristo. Sou uma pessoa que vai à igreja, sou dedicado. Não é questão só de tradição, mas de fé mesmo. A música, para mim, é algo espiritual, é a luz.


• Quando não está regendo, gosta de fazer o quê?


Adoro rafting. Tenho duas experiências memoráveis. Uma foi no sul da Bahia, em Itacaré; a outra, no rio Colorado. Mas quero conhecer Brotas. Também adoro dançar e gostaria de me aperfeiçoar. Invejo quem conhece todos os estilos de dança, da valsa ao rock.


• Qual o seu estilo preferido?


 Melhor não dizer (risos)

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