segunda-feira, dezembro 26, 2011

Democracia relativizada - EDITORIAL O ESTADO DE MINAS


O ESTADO DE MINAS - 26/12/11

 Imprensa argentina vive sob perigosa perseguição do governo

Menos de duas semanas depois de assumir um segundo mandato consecutivo na Casa Rosada, a presidente da Argentina revela-se mais do que disposta a condicionar a liberdade de imprensa no país. Depois de suceder ao marido, Néstor Kirchner, e ser reeleita com 54% dos votos, Cristina Fernández de Kirchner finalmente obteve do Congresso, onde fez maioria nas duas Casas, a aprovação de lei que garante ao governo o controle da produção e da comercialização de papel-jornal. Detentora de poder extraordinário, com o domínio do Executivo e do Legislativo, além de influência potencial sobre o Judiciário, é forte o risco de que ela agora leve às últimas consequências a perseguição implacável que faz aos órgãos de comunicação independentes que lhe negam apoio irrestrito.
O histórico do casal K recomenda alerta total aos democratas. Embora a postura firme no combate a resquícios da ditadura que perseguiu e assassinou cidadãos entre 1976 e 1983, com a responsabilização criminal dos responsáveis, é cada vez mais evidente, no país, a ameaça à liberdade de expressão. As tentativas do Estado de intervir no mercado de papel-jornal vêm desde 2009. Mas há mais de uma década — portanto, desde o governo Néstor Kirchner —, sobretudo o Grupo Clarín, principal conglomerado de comunicação do país, sofre perseguição implacável. Entre outras investidas, o órgão teve proibidas várias publicações dominicais, passou por rigoroso cerco da fiscalização fazendária e se tornou alvo do populismo, que se esmera em desacreditá-lo.
Sob o pretexto de investigar denúncia de uma concorrente (a operadora de tevê a cabo Supercanal), a Cablevisión, de propriedade do Grupo Clarín, foi invadida por 50 policiais armados na última terça-feira. A alegação era de que o veículo não alinhado à Casa Rosada havia violado a Lei de Defesa da Competição ao adquirir a Multicanal, em 2008. Numa ação que durou mais de três horas, a emissora teve documentos apreendidos e um interventor nomeado. Em abril, uma greve de gráficos impediu a distribuição do Clarín e o governo descumpriu ordem judicial para suspender o bloqueio. À época, a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) já acusava a existência de "uma estratégia oficial de controle da informação".
Não resta dúvida quanto ao acerto da denúncia da entidade de defesa da liberdade de expressão e de imprensa no continente. Menos ainda depois dos acontecimentos da semana passada. Soma-se a eles a aprovação de outra lei com potencial para cercear a mídia independente: a antiterrorismo, convenientemente ampla para ser usada contra jornais, TVs e rádios, a depender da interpretação que se possa dar ao noticiário que produzam. Ora, o respeito à democracia é uma exigência aos países-membros do Mercosul. Sem plena liberdade de imprensa não há que se falar em democracia.

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