quinta-feira, dezembro 15, 2011
Como matávamos os mastodontes - FERNANDO REINACH
O Estado de S.Paulo - 15/12/11
Somos especialistas em caçar mamíferos até a sua extinção. Com um cérebro capaz de construir armas, usufruímos uma enorme vantagem competitiva.
Na Europa, nossos ancestrais dizimaram os mamutes. Mais recentemente, quase acabamos com os grandes felinos na África e na Ásia. Os rinocerontes estão à beira da extinção. Nos continentes habitados por nossos ancestrais há mais de 100 mil anos, a lista é longa.
Mas o que teria ocorrido na América do Norte, onde chegamos há menos de 20 mil anos, atravessado o Estreito de Bering, que separa a Sibéria do Alasca?
Quando os europeus chegaram à América do Norte, encontraram índios, pequenos felinos e bisões. Imaginaram que os elefantes e outros grandes mamíferos nunca teriam existindo por lá. Mais tarde, foram encontrados fósseis de diversos grandes mamíferos, como os mastodontes, parentes dos elefantes.
Os fósseis mais recentes coincidem com a época em que os seres humanos chegaram à América, o que sugeriu aos cientistas que o massacre que fizemos na Europa havia se repetido nas Américas. Agora, estudando a ossada de um único mastodonte, essa suspeita foi confirmada.
Uso de arma. Entre 1977 e 1979, foi desenterrada uma ossada de mastodonte (Mammut americanum) no Estado de Washington, no oeste dos EUA. Muitos ossos desse animal estavam fraturados e continham marcas produzidas por dentes ou instrumentos cortantes, indicando que o coitado havia sido morto e esquartejado por um predador.
O mais interessante foi a descoberta de uma costela, na qual estava inserido um fragmento de osso de quase 3 centímetros de comprimento.
Ao estudar cuidadosamente essa costela, os cientistas descobriram que o fragmento de osso que estava inserido nela era provavelmente a ponta de uma lança.
O osso possuía uma ponta bem afiada e havia penetrado 2 centímetros no interior da costela. A outra extremidade estava quebrada. Como não havia tecido ósseo cicatricial ao redor da ponta de lança, os cientistas acreditam que o animal morreu pouco depois do ferimento.
Reconstituição. Após reconstituir o esqueleto do mastodonte, foi possível determinar que a costela atingida pela lança era a 14.ª do lado esquerdo do mastodonte.
A ponta da costela em que a lança havia penetrado era exatamente o ponto em que a costela se encaixa na vértebra correspondente. Sem dúvida, aquele mastodonte havia sido morto por um animal capaz de manipular uma lança, ou seja, um ser humano.
O passo seguinte foi determinar a data exata em que o animal foi morto. Para tanto, amostras das presas de marfim e da costela em que a lança estava inserida foram datadas usando o método do carbono 14. Os resultados indicam que o mastodonte viveu entre 13.860 e 13.763 anos atrás.
Em seguida, os cientistas extraíram DNA da ponta de lança e determinaram que esse DNA era típico de um mastodonte, o que sugere que as armas de nossos ancestrais eram feitas a partir dos ossos de suas vítimas.
Parte da culpa. Até pouco tempo atrás, os seres humanos ainda podiam ser inocentados da extinção dos mastodontes. Isso porque se acreditava que os primeiros grupos humanos (civilização Clóvis) somente haviam ocupado a América por volta de 12 mil a 13 mil anos atrás, enquanto que a extinção dos mastodontes parecia ter ocorrido entre 14,8 mil e 13,7 mil anos atrás.
Os otimistas acreditavam que os mastodontes haviam sido extintos um pouco antes da chegada dos seres humanos. Essa nova descoberta, de um esqueleto de mastodonte ainda com a arma do crime, morto por um ser humano há 13,8 mil anos, demonstra que os humanos, se não foram os únicos responsáveis pela extinção dos mastodontes na América do Norte, seguramente contribuíram para que ela ocorresse.
Exemplos como esse mostram que vem de longe nossa vocação predadora. Provavelmente, sem ela não teríamos nos espalhado por todo o planeta. Não é à toa que é tão difícil convencer o Homo sapiens moderno a abrir mão do direito ao porte de arma (EUA), ao hábito de caçar patos e raposas (Grã-Bretanha), leões (África) e macacos (Amazônia). A história mostra que somos predadores sofisticados e eficientes, e não é o verniz cultural dos últimos cem anos que mudará radicalmente o nosso comportamento.
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