sexta-feira, dezembro 16, 2011

Calor do Nordeste - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 16/12/11


Os hotéis da Praia de Boa Viagem neste fim de semana estavam lotados. Um deles, no qual fiquei, teve que mudar o local do café da manhã para caber os 600 hóspedes. E era um fim de semana normal. O Nordeste continua com sinais de forte crescimento. De 1995 a 2009 foi a região que mais cresceu sua participação no PIB: de 12% para 13,5%.

Os dados divulgados na quarta-feira pelo IBGE mostram como o Brasil é concentrado: cinco cidades têm 24% do PIB. Só a cidade de São Paulo é quase um Nordeste inteiro. Renda, crescimento e PIB concentrados, o Brasil sempre teve. O fenômeno interessante dos últimos anos foi o crescimento mais forte de regiões como o Centro-Oeste ou o Nordeste. A crise tirou um pouco do gás, produziu alguns números negativos, mas quem vai lá sente que o clima ainda é de crescimento.

Ele é generalizado. Acontece em vários segmentos, às vezes por um investimento específico, às vezes pelo desempenho dos setores. O setor de serviços nordestino passou a representar 14,1% dos serviços brasileiros. Era 12,4% em 1995. O comércio foi de 13,2% para 15,5%, a indústria saiu de 10% para 12,2%. Na produção e distribuição de serviços públicos - água, gás, esgoto, limpeza urbana - a participação do Nordeste saltou de 12,4% pra 19,3% do total brasileiro. Na agropecuária, caiu de 22,9% para 18,2%; enquanto o Centro-Oeste saía de 11,4% para 19,5%.

Quando se conversa com empresas, principalmente do setor de consumo, o entusiasmo fica claro. As Lojas Americanas estão executando o plano de abrir 90 lojas de 2010 a 2013. Quando elas estiverem todas implantadas, a região vai significar 22% do faturamento da empresa. Antes era 13%. A B2W, que reúne Americanas, Submarino e Shoptime, inaugurou em novembro um centro de distribuição em Recife, Pernambuco. A Oi acaba de criar três unidades regionais com mais autonomia, quer inaugurar mais 23 lojas até 2012 e ampliar em 30% a rede de distribuição.

A Nestlé inaugurou uma fábrica em Feira de Santana na Bahia. Em 2008, a fábrica recebeu novos investimentos para triplicar a produção original. Em 2010, outra fábrica foi inaugurada em Garanhuns. A Nestlé conta que fazem sucesso no Nordeste os Produtos Popularmente Posicionados (PPP): com preços baixos e embalagens menores. A crise econômica fez com que a empresa levasse essa estratégia de vendas para outras partes do mundo. Segundo a empresa, esses produtos já são 13% do faturamento mundial e a meta é chegar a 20%.

Outro setor que tem crescido muito é o de construção civil. Cresceu muito no Brasil todo, mas o Nordeste era 15,8% do setor no Brasil e agora é 17,5%, de 1995 a 2009. O presidente da Associação Nacional dos Comerciantes de Materiais de Construção (Anamaco), Cláudio Conz, diz que o crescimento no Centro-Oeste, puxado pelo agronegócio, é diferente do que acontece no Nordeste.

- No Centro-Oeste há um crescimento concentrado. Um grande fazendeiro tem uma renda enorme anual. No Nordeste é mais disseminado, cresce o setor de serviços, as pousadas, os hotéis, o turismo. O dinheiro circula mais.

Para o pesquisador Marcelo Neri, do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas, a educação é o principal fator para o crescimento da região, mais até do que as políticas de transferência de renda. Ele explica que a renda per capita no Nordeste cresceu 41,8% de 2001 a 2009. No Sudeste, a alta foi de 15,75%. O aumento da escolaridade corresponde a 31,8 pontos do crescimento da renda, e os programas sociais, 5,4 pontos.

- A elevação do nível educacional é o fator principal desse desempenho. Ele sempre foi muito baixo, então com uma pequena melhora, já houve um prêmio grande nos salários. Há um efeito líquido dos programas sociais, mas principalmente a qualificação do trabalhador é que elevou a renda. O principal da educação foi feito nos anos 1990 para se colher os frutos nos anos 2000. As mudanças na educação não acontecem de um dia para o outro, tem um tempo grande de defasagem - disse Neri.

O gerente de Contas Regionais do IBGE, Frederico Cunha, concorda. Ele também acha que a educação é o principal fator de indução. Cunha também cita as agências públicas de fomento, que foram reformuladas e aumentaram os investimentos, e a guerra fiscal, que levou empresas para a região, atraídas pelos incentivos:

- As políticas de transferência de renda foram importantes porque garantiram uma proteção social e exigiram a presença dos filhos nas escolas. O aumento da escolaridade, no entanto, puxou o rendimento salarial. A guerra fiscal no final dos anos 1990 levou para o Nordeste várias indústrias e isso beneficiou a região também.

Apesar dos dados divulgados esta semana mostrando a concentração do PIB em poucas cidades, o panorama mais geral continua sendo a tendência de disseminação do crescimento. É que o Brasil é tão concentrado que tornar o país um pouco menos desigual leva tempo e exige persistência nas políticas. Se em relação à guerra fiscal há muita controvérsia, sobre a elevação da educação não há dúvida. Ela é fundamental para sedimentar um novo ciclo de desenvolvimento no país, seja em que região for.

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