VALOR ECONÔMICO - 28/12/11
O atabalhoado aumento de tributos motivado pela crescente tendência protecionista do governo só poderia resultar em decisões como a liminar obtida na Justiça pelo grupo Caoa, importador e fabricantes de veículos coreanos, para não pagar o aumento de 30 pontos percentuais no Imposto sobre Produtos Industrializados de automóveis. A liminar atravessou o Natal incólume. Mostrou, como havia previsto este jornal, que a medida, contrária aos compromissos do Brasil na Organização Mundial do Comércio, tinha tudo para se tornar um imbróglio jurídico. Nem tudo, porém, é erro na política recente do governo para o setor automotivo.
As últimas declarações das autoridades sobre IPI de automóveis mostram uma salutar volta às ideias originais embutidas no plano Brasil Maior, anunciado em setembro, que previam vantagens tributárias para as montadoras dispostas a investir na incorporação de tecnologia e eficiência no consumo de combustíveis dos automóveis fabricados no país. Esse é o tipo de medida discriminatória em favor da produção nacional aceito pelas regras da OMC, como já indicou uma das maiores especialistas do assunto, a professora Vera Thorstensen, da FGV.
A busca de maior eficiência energética é uma contrapartida razoável e desejável a ser exigida das empresas de capital internacional favorecidas por redução de impostos em um dos mercados mais dinâmicos do mundo para o setor. É também um esforço legítimo para que a proteção garantida aos carros fabricados no país não seja um abrigo para fábricas a caminho da obsolescência, sem competitividade internacional.
A defesa comercial tornou-se obsessão do governo, por temor de que o mercado interno seja vítima de uma "desova" (termo usado pela presidente Dilma Rousseff) da produção de outros países, em tempos de retração no consumo mundial. Há, porém, maneiras e maneiras de evitar a competição desleal. Alguns sinais emitidos de Brasília indicam uma preocupante tendência em abraçar medidas que ameaçam a respeitabilidade adquirida pelo Brasil em anos de atuação de forte embasamento técnico nas instâncias internacionais de comércio.
Como ficou evidente na última reunião da OMC, encerrada há duas semanas, seria ingênuo imaginar que ao Brasil caberia o papel de arauto da liberalização comercial em um mundo de países entrincheirados na proteção aos respectivos mercados internos. Os países ricos, interessados em arrancar das nações em desenvolvimento um compromisso de congelar tarifas de importação e impedir novos aumentos, inviabilizaram um acordo ao se recusarem, eles, a também congelar seus subsídios a produtos exportáveis, que tantas distorções provocam no mercado mundial.
O Brasil, sem ingenuidade, já provou ser capaz de usar as regras multilaterais a seu favor, quando incluiu nas regras da OMC garantias para a produção de genéricos, defendeu seus subsídios à indústria aeronáutica e foi vitorioso na contestação aos subsídios dos EUA aos produtores locais de algodão, por exemplo. Interessa ao Brasil, potência emergente, fortalecer o sistema multilateral, não enfraquecê-lo, desmoralizando-o ao unir-se àqueles que desrespeitam grosseiramente suas regras.
Infelizmente, ao mesmo tempo em que anuncia medidas defensáveis, como um regime automotivo mais exigente, com recompensas à produção nacional, o ministério da Fazenda parece encantar-se com as ideias retrógradas levadas pelos grupos de pressão da indústria. A última delas é a aplicação de tarifas específicas, em valores nominais (ad rem, no jargão do comércio internacional) a importações de têxteis, em lugar das tradicionais tarifas ad valorem - percentuais aplicados sobre os preços.
As tarifas ad rem, que pesam mais, proporcionalmente, quanto mais barata for a mercadoria, são uma prática do passado, que se tentou eliminar antes mesmo da criação da OMC, em favor da simplicidade e transparência na administração do comércio. Sua aplicação é explicável somente por interesses protecionistas dos mais atrasados ou por confissão de fracasso na fiscalização do Estado sobre as importações. Em ambos os casos, não apontam para o aperfeiçoamento da inserção comercial brasileira, mas para o recurso a paliativos, na incapacidade de adotar medidas, como a simplificação tributária e melhoria da infraestrutura, que a tornariam mais competitiva.
Policarbonato (PC) é uma resina termoplástica descoberta pela Bayer há mais de 100 anos e entre suas aplicações constam lentes de faróis automotivos ou tetos (domus)transparentes de edificações como shoppings. No consenso da petroquímica mundial, a escala padrão para assegurar competitividade econômica à produção de policarbonato varia entre 100.000 e 150.000 t/a. Em nova recaída no protecionismo jurássico, O governo Dilma anuncia hoje (30/12/2011) a abertura de investigação contra práticas de dumping (venda abaixo do custo) em importações de policarbonato tailandês e coreano. No Brasil, a produção de policarbonato é monopólio da nacional Unigel, autora do pedido de taxa antidumping. Sua arcaica micro fábrica de policarbonato tem capacidade restrita a 15.000 t/a na Bahia. Ou seja, sua escala não tem a menor condição de disputa nesse segmento de plásticos commodities,cujo retorno depende do volume de produção.Não é a primeira vez que a Unigel pleiteia essa proteção imerecida epor várias vezes a obteve do governo,apesar de sua capacidade risível, demonstrando a influência política na metodologia dos órgãos de defesa econômica do Brasil.Numa dessas vezes, um ex-funcionário da Unigel me disse,rindo muito,ter abarrotado de números supérfluos o pleito da Unigel a ponto de confundir e enrolar os técnicos do governo,conseguido assim a injustificada proteção tarifária, apesar de a capacidade instalada de policarbonato da empresa ser considerada um cisco no ramo. Pelo andar da carruagem, falta pouco para o governo brasileiro revogar a lei da oferta e da procura.
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