quarta-feira, novembro 09, 2011

ROSÂNGELA BITTAR - À distância da grandeza


À distância da grandeza
ROSÂNGELA BITTAR
Valor Econômico - 09/11/2011

A coreografia da desistência de Marta Suplicy a concorrer à prefeitura de São Paulo em 2012, só para deixar o caminho livre ao candidato de Lula, o popular ex-presidente da República e presidente de honra do PT, uma espécie de proprietário do partido desde que passou a ser por ele considerado eleitoralmente invencível, representou um enterro de luxo de um dos principais instrumentos democráticos nos sistemas eleitorais de todo o mundo: as campanhas eleitorais prévias, ou primárias.

No Brasil, a disputa pela primazia da candidatura levou a rachas, divisões inconciliáveis, abertura de dissidências e criação de novos partidos para abrigar facções insatisfeitas.

Isso vinha acontecendo em praticamente todas as legendas com uma exceção: o PT realizou boas e eficientes prévias na época em que a democracia interna era exercida sem os solavancos que a golpearam depois que o partido passou a se instrumentalizar do poder central.

A morte precoce das prévias é retrocesso no sistema eleitoral

Lula nunca foi um amante das prévias. Tanto que irritou-se com Eduardo Suplicy e ameaçou tomar a bola do jogo quando, estando candidato natural, foi desafiado a disputar eleições primarias. O senador não tinha a menor chance, mas a ojeriza a se ver contrariado levou o ex-presidente a sair do sério.

O PT insistiu, teoricamente, no modelo do qual ficou sendo exemplo. Em congresso partidário manteve as prévias em seus estatutos, depois de estudos e ajustes das regras elaborados por uma comissão de notáveis. O feito, porém, não ficou de pé ao primeiro casuísmo.

Imaginava-se que a disputa municipal de São Paulo iria consagrar as prévias tanto pelo PT, onde dois candidatos fortes - um deles pelo dedazo e desejo pessoal do ex-presidente, a outra pela história política - e três médios disputariam, como pelo PSDB, seu adversário da última década. À falta de um candidato para chamar de natural, o PSDB começou a preparar-se para as prévias entre quatro nomes médios do partido.

No caso de Lula, o temor da derrota na prévia levou o ex-presidente a investir força e poder na pressão para a desistência dos demais candidatos, cujo apoio agora irá buscar para dar densidade eleitoral ao seu preferido.

No PSDB, a ainda incipiente democracia interna parece já estar sendo tragada pela facilidade do acerto a portas fechadas. A disputa primária foi transferida de novembro para janeiro, agora pretende-se protelá-la um pouco mais para dar tempo ao surgimento de um acordo político que evite a preliminar.

Tal qual houve agora no PT, a direção do PSDB, que tem lado e está em litígio com uma das facções da legenda, jamais deu condições à ideia das prévias, seja para as disputas municipais, seja para o pleito presidencial.

Vai prevalecendo a fuga, o medo, o acerto interno e oculto, a rasteira, o autoritarismo, o consequente enfraquecimento partidário.

A eleição municipal de São Paulo, em 2012, seria um exemplo perfeito da utilidade da prévia. Os pré-candidatos são pouco conhecidos, não têm realizações a apresentar, são de uma geração ainda não testada, políticos de pouca sintonia com a cidade. Quando, senão no período pré-campanha eleitoral, seria o melhor momento para informação do eleitorado?

O cientista político e sociólogo Antonio Lavareda resume: "A utilidade das prévias é reconhecida internacionalmente. Faz-se na Europa, na América Latina, além das mais conhecidas, as primárias americanas. A prévia oxigena o partido, fortalece o candidato porque o torna mais conhecido, dá oportunidade ao eleitor de conhecer e ao partido de apresentar as teses que vão ganhar maior adesão na opinião pública, amplia a ocupação na mídia". Como diz Lavareda, a importância das prévias "é óbvia".

Cada vez mais se fazem, pelo mundo, prévias abertas, exatamente para explorar suas vantagens. Abertas aos filiados, aos militantes e até aos cidadãos, os eleitores em geral.

O PSDB fez de conta que tem democracia interna e aprovou as prévias na Convenção que elegeu a atual Executiva. O PT ensaiou o mesmo ao assumir compromisso com a disputa preliminar. O passo atrás, separando teoria e prática, é retrocesso político.

Lavareda considera as prévias tão necessárias que deveriam ser adotadas mesmo por um candidato único, como foi o caso de Nicolas Sarkozy, na França. "De tudo o que estudei e li sobre prévias, no mundo, hoje tenho certeza que mesmo que só houvesse um único candidato, ele devia fazer prévia, para chegar mais forte à eleição. Submete seu nome e dá oportunidade de engajamento aos militantes, interessados em geral, filiados, simpatizantes, dá sentimento de poder ao eleitorado".

A prévia permite também que um candidato de Estado pequeno, pouco conhecido, comece a empolgar o eleitorado e surgir como uma grande surpresa. "Na prévia o partido já sabe o discurso que tem mais chance de dar certo, já sabe as vulnerabilidades de cada candidato. É um momento interessantíssimo".

Ajudando a enterrar as prévias, no Brasil, há a justiça eleitoral, que dá argumentos pseudo legais para fugirem da disputa. O período oficial de campanha é muito curto e a legislação veda a propaganda partidária fora desse período, geralmente de julho a outubro. A legislação também considera crime os partidos usarem a propaganda partidária, veiculada em maio, junho, para apresentar seus candidatos.

A Justiça Eleitoral precisa definir uma posição, ou uma normatização das prévias. Mal ou bem elas são uma fase de campanha que, se interpretada como infração, condena o candidato depois de eleito. O TSE, que tem legislado sobre eleições, no Brasil, daria grande contribuição ao fortalecimento dos partidos e democratização do sistema se editasse resolução para esclarecer que as prévias partidárias não são propaganda eleitoral. São um período de escolha do candidato.

O ano já se perdeu para Dilma. É preciso terminar os reparos com mais pressa, concluí-los até dezembro, para que possa começar a governar por três anos que, na realidade, são dois, uma vez que o último é dedicado à reeleição. Um mandato encolhido pelos erros na montagem do governo, mais do que pelas circunstâncias, que não vai fluir enquanto houver necessidade de um conserto por mês.

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