quarta-feira, novembro 30, 2011
Os chineses ensinam o ''huyou'' - ELIO GASPARI
FOLHA DE SP - 30/11/11
Os repórteres Patricia Campos Mello e Gustavo Henneman foram atrás dos números e descobriram que, numa lista de 24 grandes investimentos chineses anunciados para o Brasil num montante de cerca de US$ 20 bilhões, 25% não saíram do papel. Do total, metade vem de outros financiadores, às vezes brasileiros.
A joia dessa coroa é o investimento de US$ 12 bilhões da Foxconn para produzir equipamentos eletrônicos. Festejado em abril, quando a doutora Dilma foi a Pequim, nem ao papel chegou. A montadora JAC, que levaria US$ 450 milhões para a Bahia, será financiada em 80% pelo sócio local. O investimento de US$ 3,5 bilhões da Wisco na EBX de Eike Batista, para construir uma siderúrgica no porto do Açu ainda é apenas um acordo para "estudos de viabilidade".
Não se trata de pura empulhação. É apenas o matrimônio malandro de dois maus hábitos. Um, chinês, outro do empresariado e do governo brasileiros. Basta lembrar que o salão do Planalto onde são anunciados esses projetos é conhecido, há tempo, como "Cabo Kennedy", nome da base de lançamento de foguetes americana. De lá saíram os aviões não tripulados que vigiariam a fronteira, os números do "Minha Casa Minha Vida", o ProJovem e o programa de 100 mil bolsas de estudo no exterior até 2014.
Em português, o nome disso é empulhação. Em chinês, é "huyou". Num livro instrutivo, "China in Ten Words" ("China em Dez Palavras"), o renomado escritor Yu Hua reuniu pequenos ensaios, um deles dedicado ao "huyou". Pode ser traduzido como enganação, ou vigarice. Não chega a ser fraude, está mais para bravata do que para golpe. Segundo ele, "huyou" tornou-se "uma nova estrela no "firmamento do léxico" chinês.
Três exemplos:
1) Em 2008, às vésperas da Olimpíada, uma imobiliária anunciou que Bill Gates comprara um apartamento de 700 metros quadrados de frente para o Centro Aquático. Era "huyou", pois Gates não comprara coisa alguma. O golpe deu certo e o lançamento ganhou status.
2) A emissora estatal de TV leiloou seu espaço publicitário no horário nobre. Um sujeito arrematou a oferta e foi saudado como o "Rei do Leilão". Não tinha o dinheiro, mas voltou para sua cidade e avisou ao prefeito: "Eu dei notoriedade a vocês, não me deixem mal". Conseguiu um empréstimo oficial no valor de 25% do lance e, alavancado, foi atrás do resto.
Outro:
Em 2009, a casa de leilões Christie''s vendeu por US$ 18 milhões duas esculturas que foram roubadas em 1860 pelos ingleses, no saque e incêndio do Palácio de Verão. Os chineses insistiam na ilegalidade do leilão. Não lhe deram ouvidos. O comprador, Cai Minchao, não tinha um tostão, avacalhou a hasta e foi festejado como herói. Os grandes leiloeiros aprenderam a respeitar os protestos da China.
Como em todo conto do vigário, para que ele ocorra é necessário que haja alguém querendo acreditar no negócio (muitas vezes supondo que o vigarista é um otário).
Ninguém pode acusar os investidores chineses de empulhar seus parceiros brasileiros. A Foxconn nunca disse oficialmente que investiria US$ 12 bilhões em Pindorama. Pode ter sugerido, mas o "huyou", convertido em empulhação, foi oferecido aos brasileiros por brasileiros.
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