sexta-feira, novembro 25, 2011

O mar é nosso - BARBARA GANCIA


FOLHA DE SP - 25/11/11

É bom lembrar da agonia em que se encontra a indústria do tabaco depois de décadas mentindo ao público


É preciso Texaco para aguentar a malandragem da Chevron.

O muy amado leitor deve lembrar, durante o vazamento cau­sado pela BP no Golfo do México, de ter sido submetido diariamente às imagens de gringo obeso tentando limpar ora a garça, ora o ganso, ora o pato recobertos de petróleo e de ter pensado na época: "Imagine se isso acontece com a gente, teremos de importar gringo forte e bem-dis­posto para dar conta de limpar tan­ta ave".

Quando a Chevron-Texaco nos informa de que foram disponibili­zados vários navios para ir até o va­zamento e nos damos conta de que, na verdade, zero navios foram en­viados, ou quando percebemos que eles falam em xis barris e nós vemos que são xis barris vezes mil que va­zaram e que o tamanho da mentira também é proporcional, quando is­so acontece, automaticamente duas palavrinhas vêm à tona: Bho­pal e Seveso.

Em 1984, extraordinárias 40 to­neladas de gases tóxicos vazaram de uma unidade de produção de fertilizantes da Union Carbide em Bhopal, na Índia. Foram 27 mil mortes e 150 mil sequelados. Até hoje, a Dow Chemical, que com­prou a Union Carbide, não se mani­festa sobre o assunto. Aliás, eles não só não falam, como tentaram enco­brir a verdade inventando que ti­nha sido ataque terrorista, depois, na outra semana, acidente, depois que um funcionário tinha sentado sem querer em um botão de "on-off", esse tipo de coisa.

O desastre de Seveso, na Itália, em 1976, foi nos mesmos moldes, me­nos o drama da perda de vidas.

Ninguém sabe de que forma a contami­nação afetou a cadeia alimentar. Ao todo, contaram 10 mil animais sacrificados e a certeza de que a Ic­mesa, a petroquímica suíça res­ponsável, estava fazendo em solo estrangeiro experimentos que não queria conduzir em seu país por medo de contaminar rios, solo e tu­do mais que nos é tão caro a ponto de, no nosso caso, termos esses símbolos registrados na bandeira.

Representantes do setor petrolei­ro criticaram o que chamaram de "maneira passional" com que o go­verno está lidando com o vazamen­to. Bem, que eu saiba, todos somos particularmente passionais quan­do se trata de petróleo. No meu caso específico, esta é a semana do ano mais lambuzada de petróleo.
Explico: petróleo lembra posto de gasolina, que lembra carro, que lembra carro de corrida, que lem­bra GP Brasil de F-1, que lembra Piero Gancia, que a mim lembra tu­do de bom que existe na vida. Está vendo só como carro faz a gente ser passional? Todo brasileiro gosta, já dizia aquele anúncio.

O desenvolvimento do país foi im­pulsionado pela indústria automo­bilística. Está aí a trajetória do ope­rário Luiz Inácio Lula da Silva para provar. Não podemos cometer o pecado de desprestigiar o automó­vel, desconhecer a história do país, de desconsiderar todas as ou­tras coisas para as quais o petróleo é usado além de fazer gente egoísta fechar pedestres e ciclistas no trân­sito. Não podemos não levar em conta a riqueza e o emprego que ele vai gerar. Mas que não venham nos tratar com a irresponsabilidade posta em prática pela Chevron-Texaco.

É bom ter em mente o poço de agonia em que se encontra agora a indústria do tabaco depois de déca­das de mentiras deslavadas ao pú­blico, não é mesmo, dona Che­vron-Texaco?

A multa deve ser multimilionária para que tenha efeito profilático. E vamos logo tratando de criar um prêmio igualmente cheio de ci­frões para dar a quem desenvolver a tecnologia que acabe com esse ti­po de desastre.

Um comentário:

  1. Foi a crônica de um acidente anunciado , que um dia aconteceria aqui , e não é tanto pelo acidente , mas pela maneira como ele foi tratado pela mídia , pela empresa e pelo governo , que com medo das consequências para o pré-sal se fez de maneira discreta . Não fosse pelos blogs especializados , pelos navios mercantes que detectaram um cheiro característico do óleo cru e nós estaríamos , até hoje , sem saber as dimensões do acidente , coisa que a Texaco deve explicações ao país ...

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