quarta-feira, novembro 23, 2011

New Miami - MARTHA MEDEIROS


ZERO HORA - 23/11/11

É um senhor com diversos serviços prestados à cultura brasileira, além de ter um refinamento como já não se vê. Foi ele que me contou que encontrou um casal de amigos no aeroporto e perguntou para onde estavam embarcando. Responderam que para Paris. “E você?”. Meu amigo respondeu meio constrangido: “Para Miami”. Incredulidade. “Miami? Você, Ricardo?”

Para esse casal, Miami não passa de um shopping center atrativo para sacoleiros, e não para pessoas de bom gosto habituadas a ir a concertos de música erudita e exposições de arte. Eu tinha essa mesma impressão, e o elegante Ricardo Cravo Albin, de quem falo, idem. Nosso preconceito foi confidenciado um ao outro num bate-papo que tivemos durante uma das mais expressivas Feiras do Livro dos Estados Unidos. Pois é, a de Miami.

Admito que aceitei o convite da feira pela chance de conhecer essa cidade mítica. Não fosse a trabalho, quando iria? Jamais. Depois de fazer um passeio transcendental pelo Peru, imaginei que a Flórida seria o anticlímax. E quebrei a cara, como sempre quebram os que resolvem dar uma olhada por trás das cortinas de suas ideias prontas.

Conversando com moradores e circulando pela cidade, descobri uma Miami disposta a provar que é mais do que uma devoradora de cartões de crédito. De 10 anos para cá, foram feitos investimentos em modernas casas de espetáculos e centros culturais, que hoje recebem musicais e peças de teatro que antes só eram vistas em Nova York.

O orgulho atual é o New World Center, concebido por Frank Gehry (arquiteto do Gugenheim Bilbao) e que possui um megatelão instalado de frente para um jardim público, para que os concertos possam ser assistidos por transeuntes. Outra experiência democratizante: jovens escutam ópera e música clássica por 30 minutos, como aperitivo antes de shows de hip hop e festas techno. Educação cultural, com resultados que o futuro mostrará.

Além disso, os prédios art déco em Miami Beach são um museu a céu aberto. A Art Basel, que começa semana que vem, é a maior mostra de arte da América. E é animador caminhar pelas ruas do centro e encontrar esculturas permanentes de Botero e Henry Moore. Basta de Romero Britto.

E há o de sempre: belas praias, temperatura amena e espírito alegre. Lojas? Cheguei e saí com a mala do mesmo tamanho. Fora os outlets, que dizem ser uma oportunidade econômica imperdível, não entendo a compulsão por compras. O check in no aeroporto, na hora de embarcar de volta ao Brasil, parece um filme de terror, com pessoas tentando passar volumes enormes e suspeitíssimos: o que trazem de lá que não tem aqui?

Enfim, há vida inteligente em Miami para quem consegue desviar os olhos das vitrines. Agora, é torcer para que não construam o descomunal resort-cassino patrocinado por um grupo da Malásia, que promete ser a principal fonte de renda da cidade, já que jogo atrai mais que cultura. É a vulgaridade lutando para não ceder à – eca! – sofisticação. Resista, Miami.

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