quinta-feira, novembro 24, 2011
Na zona do euro, avanço ou ruína - MARTIN WOLF
Valor Econômico - 24/11/2011
Os investidores estão cada vez mais relutantes em confiar em papéis da dívida soberana de muitos países da zona do euro. Essa é a lição mais importante dos recentes acontecimentos. Muitos políticos europeus querem declarar guerra aos mercados. Eles precisam lembrar-se que desejam que as pessoas comprem títulos de suas dívidas.
Na segunda-feira, os spreads em relação aos Bunds alemães eram superiores a 60 pontos-base (0,6 ponto percentual) na Holanda e na Finlândia, 152 pontos na Áustria, 155 pontos na França, 292 pontos na Bélgica, 466 pontos na Espanha, 480 pontos na Itália, 650 pontos na Irlanda, 945 pontos em Portugal e 2.554 na Grécia. Para a maioria dos membros, esses spreads são administráveis. Mesmo a Itália e a Espanha poderiam conviver com os rendimentos atuais por algum tempo, embora não indefinidamente. O preocupante é a intensificação das tensões nos mercados de dívida pública na zona do euro: a Irlanda é o único membro que registrou um declínio significativo nos spreads, apesar de ainda estarem em um nível punitivo.
Existem três explicações para isso. A primeira é que os investidores percebem que uma série de países da zona euro vivem sob um risco de insolvência muito maior do que se pensava.
Os investidores sabem que os políticos mostram-se menos inclinados a dar um calote em seus próprios cidadãos. Mas, em uma união monetária, os estrangeiros detêm uma proporção maior de dívida soberana: metade da dívida italiana foi contratada no exterior
A segunda é que os países da zona do euro não dispõem de um verdadeiro emprestador de última instância. Eles são o que Charles Goodhart, da London School of Economics, denomina "soberanos subsidiários". Sua dívida embute um risco de inadimplência pura e simples e não de mera monetização. Temendo um calote, os investidores criam iliquidez, que se transforma em insolvência. Quanto maior a proporção de credores estrangeiros, mais plausível torna-se um default: os investidores sabem que os políticos mostram-se menos inclinados a dar um calote em seus próprios cidadãos do que em estrangeiros. Mas, em consequência da união monetária, estrangeiros detém uma proporção maior de dívida soberana do que antes: metade da dívida pública italiana foi contratada no exterior.
A terceira explicação é que há risco de ruptura. Nenhuma união monetária é irrevogável. Até mesmo países não sobrevivem para sempre. Mas uma união monetária entre os Estados discordantes é muito mais frágil do que um país.
A primeira explicação não funciona. A posição de endividamento e do déficit espanhol não é, obviamente, pior do que a do Reino Unido. No entanto, o Reino Unido está pagando apenas 2,2% em títulos de 10 anos, contra 6,6% no caso da Espanha. A explicação para esse abismo tem de ser os riscos de falta de liquidez e de ruptura. Esses riscos também estão inter-relacionadas: se iliquidez for a causa de um calote, os países poderão abandonar a moeda única. Isso não é inevitável. Mas é imaginável, tendo em vista o enorme choque resultante do calote de um país importante.
Então, o que deve ser feito? Na semana passada, moderei um debate sobre esse tema numa conferencia em homenagem a Paul de Grauwe, da Universidade de Leuven, na Bélgica. Concluí que a zona do euro enfrenta três desafios interligados. O primeiro é administrar a falta de liquidez nos mercados de dívida pública. A segunda é reverter a divergência de competitividade manifesta desde o lançamento do euro. A terceira é criar um regime capaz de garantir relações econômicas menos instáveis entre seus membros. Por trás dessa lista há uma questão simples: para que confiem no futuro do euro, as pessoas têm de acreditar que os países membros terão um futuro melhor com, do que sem, o euro. Examinemos cada um desses pontos.
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Em primeiro lugar, os países vulneráveis simplesmente não podem, por si sós, eliminar o risco de iliquidez ou de ruptura. Promessas de austeridade que tendam a enfraquecer a economia minam a credibilidade, em vez de fortalecê-la. As taxas de juro têm de ser contidas em níveis administráveis. Como isso pode ser feito é uma questão de segunda ordem. Alguma combinação do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF) com o Banco Central Europeu (BCE) parece um caminho lógico, como sugerem Peter Bofinger, da Universidade de Würzburg, e George Soros. Infelizmente, intervenções potentes são improváveis, devido a uma resistência ideológica equivocada. Soberanos vulneráveis serão deixados na corda bamba. Mas se os spreads forem limitados, embora não eliminados, os países continuarão a ter um forte incentivo para conter seus déficits e reduzir suas dívidas.
Em segundo lugar, grande parte da perda de competitividade dos países periféricos precisa ser revertida. Mas como a Alemanha deve saber, com base em sua experiência na década passada, isso seria muito mais fácil se a inflação fosse relativamente elevada nos países parceiros. O BCE deveria procurar assegurar uma demanda suficiente nos próximos anos para facilitar a melhoria da competitividade necessária nos países periféricos. Sob essa perspectiva, o BCE não foi bem-sucedido. O crescimento da massa monetária entrou em colapso e o Produto Interno Bruto, tanto real como nominal, tem se mostrado excessivamente fraco.
Agora que a austeridade fiscal é a regra, o BCE deveria estar praticando uma política monetária fortemente expansionista, em vez da mais restritiva política entre todos os grandes bancos centrais dos países avançados. Nas atuais circunstâncias, o mantra do BCE sobre estabilidade de preços a médio prazo cria o risco de tornar-se letal. Como disse-me uma autoridade em Bruxelas pouco tempo atrás, o BCE corre o risco de ser lembrado pelos historiadores como o magnificamente ortodoxo banco central de uma união monetária fracassada. É assim que os membros de seu conselho querem ser lembrados? Suspeito que não.
Infelizmente, o ajuste pode, em alguns casos, não dar certo. Nesse caso, a zona do euro teria de enfrentar uma de três alternativas terríveis: um membro permanente deprimido; um membro permanentemente numa UTI externa; ou a saída de um membro. Não conheço nenhuma maneira de tornar essas opções palatáveis.
Finalmente, consideremos o futuro regime político e econômico para a zona do euro. Parece-me que três lições se destacam em meio à crise. Primeiro: como salientou André Sapir, da Université Libre de Bruxelles, o setor financeiro da zona do euro deve ser fiscalizado por uma agência regulamentadora comum e apoiado por uma autoridade comum fiscal. Segundo: no mínimo, a zona do euro se beneficiaria enormemente de um mercado de títulos unificado que cobrisse uma grande parte da dívida dos países membros. Finalmente, é preciso haver disciplina mais efetiva sobre as políticas estruturais e fiscais dos países membros. Mas nenhuma dessas opções seria aceitável para as democracias sem uma substancial adoção de união política. Entretanto, tudo o que temos visto e ouvido recentemente sugere que esse desdobramento, descartado na década de 1990, seria ainda mais difícil agora.
Em suma, a zona do euro tem que avançar ou submeter-se aos riscos de uma desintegração. Em artigo que escrevi há 15 anos, argumentei que "não são apenas a ausência de uma cultura política compartilhada e de um processo político comum o obstáculo para o sucesso duradouro; a União Europeia também não dispõe das estruturas constitucionais para legitimar o exercício centralizado de poderes politicamente delicados". A zona do euro precisa agora provar que estou errado. (Tradução de Sergio Blum)
Martin Wolf é editor e principal comentarista econômico do FT.
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