domingo, novembro 06, 2011

MÔNICA BERGAMO - PARA INGLÊS OUVIR


PARA INGLÊS OUVIR
MÔNICA BERGAMO
FOLHA DE SP - 06/11/11

Professora brasileira analisa o inglês das cantoras que se arriscam em língua estrangeira para lançar CDs internacionais
A música popular no país não anda muito brasileira. Mallu Magalhães divulga "Pitanga", com metade das faixas em inglês. Wanessa lançou em setembro o CD "DNA", com 15 músicas na língua do Tio Sam.
Claudia Leitte promete para ainda este ano a gravação de um DVD onde coloca o seu inglês para rebolar.
Ivete Sangalo, desde o ano passado, esboça querer tomar o mercado americano cantando... em inglês.

Mas é possível mostrar ao mundo as sutilezas da música brasileira que nem toda tradução consegue preservar? O repórter Chico Felitti pediu uma avaliação do inglês dos cantores brasileiros a Ângela Levy. Ela é uma das primeiras intérpretes do país (faz tradução simultânea em palestras, discursos e apresentações) e cofundadora da escola Alumni.

"Essa menina fez intercâmbio, né? Morou fora? Pronuncia um inglês americano perfeito!", reage Levy à primeira música do novo CD de Mallu Magalhães, 19, famosa desde que, aos 13, começou a colocar na internet interpretações de músicas que escrevia. Muitas em inglês.

"Aprendi inglês no [colégio paulistano] Santa Cruz, como todo mundo da minha turma", diz Mallu.
Ela também compõe em francês e espanhol. "É muito particular se expressar em cada uma das línguas. Muda tudo."

Já Wanessa passou por temporada estrangeira. "Morei nos EUA dos 16 aos 17 anos. Sempre me interessei pela língua." O intercâmbio "valeu pelo aprendizado", diz. "Mantenho os amigos que fiz lá. Procuro ver filmes sem legenda, para não perder a fluência."

"Tá bom. Tá muito bom", diz a intérprete sobre o inglês de Wanessa em "Worth It". "Foi bem brasileiro e feio o jeito que ela pronunciou 'sober state' [estado de sobriedade] nas duas primeiras vezes, mas depois o sotaque se foi. Seria aprovada. Acho..."

Para cair no gosto do público americano quando foi gravar um CD em Nova York, em agosto de 2010, Ivete Sangalo recorreu ao professor Enoque da Silva, de Salvador. 

"Foram 300 horas de treinamento em poucos meses", diz Enoque.

As aulas eram ora enquanto a cantora fazia academia e ora na cobertura dela, na capital baiana, tendo como colegas de classe o produtor, uma bailarina e o piloto de seu jato particular.

"A gente trabalhou muito as junções de certos vocábulos, para que soasse o máximo possível como a música original", diz Enoque.

Alcançaram o objetivo na dicção de "Easy", de Lionel Richie, e nas outras duas canções em inglês do show, a que ele foi como convidado? "Ela não é americana nem nunca vai ser."

"É, de fato ela não consegue pronunciar 'world' [mundo]. Mas poucos brasileiros conseguem, é um som muito difícil para nossa língua", diz Ângela sobre Ivete.

A professora ressalva: "Nenhum artista deve soar como se fosse um gringo. Sotaque é charme."

O sotaque mais charmoso, no boletim da professora, foi o de Claudia Leitte cantando "Locomotion Batucada" no Miss Universo 2011. "Ótimas pronúncia, entonação e divisão das sílabas." Melhor que Ivete? "Só é pior que a Mallu. Entende-se tudo."

O problema é atrapalhar a compreensão. Como aconteceu com seu aluno mais famoso: Roberto Carlos. "Ele queria gravar um disco em inglês, lá por 1970 e pouco. O pessoal da Embaixada dos EUA me recomendou e partimos para as aulas."

O objetivo era gravar músicas como "I Only Have Eyes for You", de Harry Warren e Al Dubin. "Mas o Roberto dizia 'I only have ice for you' ['eu só tenho gelo para você']. E eu falava: 'Roberto, assim você só oferece gelo a essa mulher, não seus olhos'."

É para evitar confusões como essa que a banda Calypso cantou só em português na turnê que fizeram pela Europa no começo do ano. "Tem muito brasileiro batalhando em todo lugar do mundo, e eles sentem falta de ouvir nossa música, nossa cultura", diz a vocalista Joelma Mendes. Mas o grupo tem planos.
"Temos o repertório de um CD em espanhol pronto", diz o guitarrista Chimbinha. "Só falta tempo para gravar."

Além das letras latinas, o Calypso também transpôs a música "Acelerou" para o inglês. A versão, chamada "Accelerate", foi apresentada no programa de Ana Maria Braga e avaliada por Ângela Levy. "Não é tão ruim que não se possa entender, mas ela começou bem mal", diz. "Ou ela [Joelma] melhora essa pronúncia ou os fãs é que vão desacelerar dela!"

Enquanto Wanessa e Ivete levam sua carreira para fora, Alexandre Pires trilha caminho oposto. Está frequentando aulas de inglês, mesmo depois de morar por quatro anos nos EUA. Até porque a língua oficial dos álbuns que lançou na América do Norte era espanhol. "Eu mal precisava falar inglês na rua, tem muitos 'de nós' por lá."

Pires chegou com sua canção "Amame" ao segundo lugar da parada latina nos EUA. Cantou "Garota de Ipanema" para o então presidente americano George W. Bush, em 2003. A escolha da canção de Vinicius e Tom Jobim, diz, foi para mostrar a Bush que ele, Pires, era um artista brasileiro. "Acho que ele não sabia não", desconfia. "Eles confundem muito quando se canta fora do inglês."

"É o momento do Brasil!", grita Ivete no palco, em cena registrada no DVD da apresentação que fez no Madison Square Garden, renomada arena multiuso de Nova York (EUA). Enquanto isso, o CD e DVD que ela gravou na gringa, ao custo de US$ 5 milhões, superam 500 mil unidades vendidas. No Brasil. E só no Brasil.

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