quarta-feira, novembro 16, 2011
Jogo mínimo, de um ás e um curinga - ROSÂNGELA BITTAR
Valor Econômico - 16/11/2011
Quem olha para o governo com benevolência acha que ele está funcionando plenamente, ao contrário das evidências aqui registradas na semana que passou. Dizia-se que se a presidente Dilma Rousseff demorasse um mês, como vem fazendo, para afastar cada ministro envolvido em denúncia de corrupção e prática de irregularidade administrativa, começaria a governar muito tarde, quando estivesse lhe sobrando apenas dois anos de mandato, uma vez que o último é sempre dedicado à campanha eleitoral seguinte, sem disfarces.
Essa conclusão não é aceita pelo partido na Presidência. Intérprete da organização e estilo administrativo da ampla coalizão do segundo governo do PT, autoridade da cúpula partidária destaca o que considera exemplar prova de que o governo tem projeto e o executou este ano. Os 11 meses de gestão da presidente Dilma não teriam sido jogados pela janela, tanto que dois destaques se fazem notar, um deles o ministro da Saúde, Alexandre Padilha.
O PT acredita ter, sobre isso, uma ideia bem próxima àquela que seria também a da presidente: Padilha está indo bem, seria eleito o melhor ministro do governo, se campeonato houvesse, porque reune três qualidades.
A maioria dos ministros nem subiu à plataforma
A primeira é que dialoga bem com a política, dá satisfações aos senadores, aos deputados, aos governadores, aos prefeitos. Atributo que levou consigo da experiência na coordenação política do governo Lula. O manuseio das emendas parlamentares fez de Alexandre Padilha um especialista no trato com o Congresso, é como o partido o vê.
A segunda vantagem do ministro na corrida de obstáculos em que se transformou o primeiro ano dessa administração é que montou uma equipe de assessores técnicos, pessoas que teriam qualidades exigidas em tão complexo setor, gente que conhece em profundidade a questão da saúde. O ministro teria composto bem o ministério e formulado um plano administrativo, com base no qual cobra iniciativas e cronogramas. Difícil ainda concordar ou discordar da avaliação uma vez que resultados concretos não há, mas estaria aí um membro do governo que se prepara adequadamente para chegar a algum lugar.
Ao contrário da imensa maioria dos ministros, também, Padilha tem relações normais com a mídia, que respeita, fornecendo informações, explicações e atenção. É o próprio PT, defensor do controle da imprensa, que numa evidente contradição destaca como favorável o desempenho do ministro nessa questão.
Com nenhum outro se repete o panorama descortinado no Ministério da Saúde, mas há um que, pelas fatias de poder que conseguiu reunir e a carta branca que recebeu para entrar na área de qualquer outro, interferindo em tudo, destacou-se na multidão das autoridades de governo: o superministro Gilberto Carvalho.
Gilberto faz, hoje, o papel que era desempenhado por cinco ou seis ministros do governo Lula, e a insatisfação daqueles em cuja seara ele atua é um fato. Estão sendo por ele exercidas as ações políticas antes desenvolvidas pelos ministros lulistas Antonio Palocci, Franklin Martins, Luiz Dulci, Carlos Lupi, Miguel Rossetto, Guilherme Cassel, Matilde Ribeiro, Edson Santos, Paulo Vanucchi.
Tudo o que diz respeito a ONGs, organizações sociais, movimentos em geral, direitos humanos, está com Gilberto Carvalho, como também são agora de sua agenda as crises políticas, denúncias, recados para ministros, demissões, convites as novos integrantes do governo. Mais importante: ele é o elo entre Dilma e Lula, o fiador da relação de criador e criatura.
Quando Lula acha que há algo no governo que o denigre, verbaliza por Carvalho. Quando é Dilma a insatisfeita com o exagero da interferência, é a Carvalho que reclama para que a queixa chegue ao destinatário. Quem tem acesso privilegiado aos dois e não será jamais mal interpretado, podendo falar com franqueza, é Gilberto Carvalho. Também da ação desse ministro não há resultados, estão aí as vastas greves a atestar seu insucesso, mas sua movimentação é visível.
Gilberto Carvalho não consegue controlar tudo. Quando Lula não aceitou a evidência da matemática do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) brasileiro, encontrado pela Organização das Nações Unidas este ano, esperneou e desafiou os cálculos do organismo internacional. Como não se tratava de uma avaliação do governo Dilma, pode fazê-lo diretamente, sem preocupações com a diplomacia ou racionalidade. Fez política. Cabe a Gilberto Carvalho, agora, tomar providências para que fatos como esse não se repitam.
Carvalho é um ministro de dois presidentes. Com todas essas atribuições, o ministro da Secretaria-Geral da Presidência precisou cercar-se de uma nova assessoria, teoricamente mais profissional, que, no entanto, por ser integrada de gente originada em esquema rígido, do PT, ainda não compreendeu seu novo papel. O staff de Carvalho faz de conta que ele não é essa pessoa que a sociedade está percebendo que ele é e quer forçar uma inútil e distorcida visão do seu desempenho. Briga com a realidade, com os fatos, agride quem não vê pelos seus óculos.
Os problemas têm se avolumado nesse setor do Palácio e podem mesmo exigir, a qualquer momento, uma intervenção da presidente. Há uma bomba relógio sendo cevada em gabinetes próximos da presidente. Mas há vida.
Dilma está governando, é o que quer demonstrar o PT, embora tenha poucos fatos e personagens a destacar. Fará uma reforma ministerial, sim, mas para ter a colaboração de um ministério mais afinado consigo mesma, como os avanços que acredita ter conseguido nas substituições de ministros que promoveu até aqui. No partido, a presidente já é vista como uma entidade autônoma, descolada da imagem e do comando de Lula.
Por mais que o PT queira apresentar seu benevolente raciocínio, falta à presidente multiplicar parcerias que a ajudem a imprimir personalidade ao governo. Pelo menos como enredo para fazer a reforma ministerial.
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