Nossos pequenos Iraques
JANIO DE FREITAS
FOLHA DE SP - 15/11/11
O que ameaça as invasões às favelas do Rio não é e não será a arma inimiga; é a política
É total a naturalidade com que todos testemunhamos, via imprensa e TV, o uso necessário dos monstros blindados em favelas. Mas são em tudo veículos de combate assemelhados ou idênticos aos das brutais guerras do Iraque, do Afeganistão, da Líbia -no entanto necessários aqui para a reincorporação ao Estado e à cidade de uma área que nem chega a um pequeno bairro.
Por mim, entre o fenômeno do poder de traficantes e a naturalidade dos bem-letrados ante a necessária situação bélica, não sei o que é mais ridículo para o país e mais doentio na sociedade brasileira.
Assim estão feitas com êxito as três invasões simultâneas. O que as ameaça não é e não será a arma inimiga. É a política, que, caso não seja ainda, não está longe de ser mais uma distorção doentia da atualidade brasileira.
Se ao governador Sérgio Cabral não for reconhecido outro mérito, a determinação de destroçar, com o auxílio de José Mariano Beltrame, o domínio criminoso das favelas ninguém lhe poderá tirar. Mas depois vem o depois. E o depois, na política brasileira, tem vícios perversos que só muito raramente não se impõem.
No problema das favelas cariocas há uma sucessão desses depois. Na primeira eleição estadual livre, por exemplo, Brizola foi eleito em 1982 com programas sociais que incluíam vários projetos para as favelas e outras zonas carentes.
Um deles, que avançou muito e se estendeu pelo Rio e pelo Estado, foi o dos Cieps, colégios de período integral, com alimentação e todas as atividades pedagógicas, em prédios projetados por Niemeyer. Pouco tempo já comprovava resultados fascinantes, o que produziu apoio até na oposição para mais colégios. Moreira Franco sucedeu Brizola. Sustou de imediato o programa de construção de Cieps e abandonou os já ativos.
Moreira Franco elegeu-se por força da promessa de acabar com a incipiente violência urbana em seis meses. Passados os rapapés de dois ou três meses, deu sumiço no falso mago que inventara e abandonou a violência a si mesma.
Tiveram o igual fim os programas de creches, postos de saúde e esportivos que encontrara. Moreira Franco foi ajudado a eleger-se pelos meios de comunicação, pelo governo Sarney e pelo poder econômico para tentar extinguir os laços da parte majoritária da população com Brizola. O demais eram problemas de quem os tinha e continuaria a tê-los, multiplicados.
Exemplo recente, forçando-se um salto lamentável, está em uma das favelas agora ocupadas. Cria política de Cesar Maia, o arquiteto Luiz Paulo Conde empenhou-se, como prefeito, no projeto Favela Bairro, bastante interessante como presença do Estado.
Para sua efetivação no Vidigal, Conde fez comprar um correr de moradias desde a célebre avenida Niemeyer até o alto final da favela. Seria a área de um plano inclinado ou de carros suspensos em cabos aéreos.
Apressado pelo fim próximo do mandato, Conde pagou preços altíssimos pelas moradias visadas, para evitar retardamentos. Pagou o bastante para os vendedores comprarem, entre outros, a maioria dos apartamentos duplex em três prédios de projeto muito criativo de Sérgio Bernardes.
Conde teve tempo apenas para deixar tudo encaminhado ao sucessor. Que seria Cesar Maia, àquela altura, porém, brigados política e pessoalmente. Cesar e seu secretário de urbanismo, o verde Alfredo Sirkis, abandonaram o legado de Conde, para não lhe servir de promoção.
As casas da longa e cara faixa desapropriada foram reocupadas, com outras desapropriações. E a falta da urbanização planejada continuou a facilitar, cada vez mais, a inviolabilidade dos que agora precisaram ser desalojados com carros blindados de combate, nesse mínimo Iraque vizinho do Leblon. Depois, pode ser qualquer coisa.
Brizolista, Jânio de Freitas só não mencionou a retirada da polícia (e do Estado, portanto) das favelas para entregá-las ao poder exclusivo do tráfico. Entre corrigir os desvios ou omitir-se, Brizola achou a segunda alternativa bem mais fácil.
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