quarta-feira, novembro 23, 2011
Erros e lições - MIRIAM LEITÃO
O GLOBO - 23/11/11
A Chevron errou redondamente, merece as punições cabíveis e puni-la ajuda também como alerta para as outras empresas. Mas é importante que se analise tudo o que não funcionou neste caso para se prevenir. O Brasil escolheu ir cada vez mais longe e mais fundo no mar atrás de petróleo. O produto brasileiro é marítimo e o país tem que redobrar os cuidados.
A Chevron teve um faturamento no mundo de US$ 198 bilhões em 2010. É grande o suficiente para absorver essa multa. No Brasil, é a terceira maior produtora. A Petrobras é sócia, mas não tem envolvimento na operação e foi a estatal que primeiro viu a mancha no dia seguinte ao 7 de novembro, quando o vazamento começou, foi a primeira a começar a limpeza. Precisa continuar acompanhando até porque a estatal é a operadora ou sócia em quase todos os poços no Brasil.
A ANP disse que foi enganada pela empresa nos procedimentos de correção do desastre. O Ibama ameaça com punições e diz que a empresa não cumpriu o Programa de Emergência Individual, que faz parte da licença ambiental. A Secretaria de Meio Ambiente vai entrar com uma ação civil pública.
Tudo deve ser feito, nada disso resolve a questão fundamental que é saber como isso aconteceu e de que forma todos os responsáveis devem trabalhar para evitar a ocorrência de novos desastres. Ficou claro que os órgãos reguladores — o do setor e o ambiental — chegaram tarde. Demoraram para se manifestar. O primeiro a exigir explicações foi um delegado da Polícia Federal. Além de punir a empresa, é preciso rever procedimentos tanto da Agência Nacional de Petróleo quanto do Ibama para que o país não venha a ser novamente surpreendido por um desastre ambiental.
Explorar petróleo é uma atividade de risco; em alto mar é mais arriscado ainda; no pré-sal será mais difícil e com perigos muito maiores. A Petrobras trabalha com redundâncias na operação, como manda a melhor prática no quesito segurança. Tudo é montado pensando sempre no pior caso e a pergunta chave é: e se isso falhar, o que deve entrar em operação para evitar o desastre?
A partir do caso no Golfo do México foi montado um grupo internacional das grandes exploradoras de petróleo, o OGP. A Petrobras faz parte e recentemente, numa reunião em Varsóvia, teve uma proposta sua aprovada, de que seja criado um grupo para compartilhar informações no combate a acidentes. A primeira recomendação é que a produção seja interrompida imediatamente. A Chevron não parou imediatamente.
Os equipamentos da indústria de petróleo não são diferentes; em geral, são os mesmos fornecedores que são subcontratados em qualquer operação. O problema que houve nesse poço pode se repetir, se não for entendido em todos os detalhes.
Não se pode medir o desastre pelo volume de óleo que vazou, com argumento de que no Golfo do México, operado pela BP, foi muito maior; esse tipo de evento — pequeno, grande, médio — é inaceitável e deve-se buscar o impossível: risco zero.
O objetivo de risco zero nunca será conseguido, portanto essa é uma boa hora de se perguntar se queremos explorar petróleo tão perto de um santuário ecológico como Abrolhos. O Parque Nacional Marinho de Abrolhos, criado em 1983, tem nada menos do que 1.300 espécies de invertebrados, peixes, tartarugas, aves, mamíferos e é área de acasalamento de espécies como a baleia jubarte.
Em 2003 o governo decidiu permitir a exploração de petróleo em área bem próxima ao parque e já há dez empresas nacionais e estrangeiras no entorno, em 13 blocos que já foram licitados. O que o país precisa se perguntar é se quer correr esse risco.
A exploração no pré-sal vai significar um desafio operacional enorme e aumento da exposição ao risco. A exploração não será a dois mil metros e sim a sete mil metros. A hora é de rever os protocolos, de todos órgãos envolvidos, na regulação setorial e ambiental, para evitar riscos e prevenir acidentes.
O caso da Chevron poderá ser estudado no futuro como exemplo de erro em lidar com crises. Eles não interromperam a produção imediatamente, omitiram informações ao órgão regulador, não responderam por dias aos telefonemas dos jornalistas. Quando decidiram se pronunciar, foi através de notas, com respostas burocráticas para todos os veículos. E, quando enfim falaram, foi através de um executivo — no caso o presidente — que só fala inglês e tem estopim curto: quis interromper a entrevista por não gostar das perguntas.
Sujou a imagem, sujou o mar, tomou multa, mas que não a assusta. Até porque o decreto que estabeleceu a multa máxima em R$ 50 milhões é de 2000 e registra que esse valor não tem correção. Será eternamente os mesmos R$ 50 milhões.
O mais importante será se sairmos desse acidente com mudanças nos procedimentos de prevenção, com exigência de mais transparência por parte das empresas, novos planos de contingência e maior consciência dos riscos. Os barris de petróleo vazados num acidente podem ser fornecidos por qualquer outro produtor. A biodiversidade perdida não se recupera.
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