domingo, novembro 27, 2011

A coisa ficou preta na sexta - VINICIUS TORRES FREIRE


FOLHA DE SP - 27/11/11

Parte do comércio brasileiro macaqueia jornada típica das lojas e das festas americanas

A coisa ficou preta na sexta-feira passada. Ou deu branco? Agora a gente tem "Black Friday" no Brasil, "Sexta-Feira Preta". Negra? Um pessoal do marketing do comércio é quem diz.

"Black Friday" é mais um dia indução pavloviana ao consumo nos Estados Unidos, um dos dois ou três em que o comércio mais vende.

Fazia tempo que não tínhamos uma novidade assim extravagante em termos de macaquice provinciana. A "Sexta-Feira Preta" parece vacuidade ainda mais tola que aqueles letreiros de "sales" (liquidação).

A "Black Friday" é a sexta em que a coisa fica preta no trânsito de cidades americanas, pois um dia feriado, mas também de promoções nas lojas, poucas semanas antes do Natal. Um tumulto.

Foi chamada de "black" como preta ou negra foi a "Black Tuesday", a terça-feira do crash da Bolsa de Nova York de 1929, por exemplo. Ruim.

A "Black Friday é o que é por se tratar da sexta após o feriado de Ação de Graças (sempre às quintas, nos EUA), um dos raros dias em que os americanos podem "emendar".

Por fim, Ação de Graças ("Thanksgiving") é uma data típica americana, também por relembrar uma espécie de mito de fundação do país. É um dia raro ainda porque as famílias, dispersas pelo país imenso, se reencontram. Todo mundo já viu essa festa do peru em algum filme.

Mas não é festa aqui. Não é feriado. Não é neres de nada.

Quem acusa o provincianismo alheio muita vez pretende passar por superior em assuntos de modos e maneiras, coisas que, no fundo, são apenas questões de gosto.

Lá no Brasil, onde este colunista nasceu (Rio de Janeiro), as crianças pediam doces no dia de São Cosme e Damião (who?). Por que seria condenável pedir "candies" fantasiado de bruxa do Halloween?

Porém a macaquice não raro revela vacuidade intelectual ou cultural, uma incapacidade de inovar, tal como ocorre com as ideias ou as empresas do Brasil.

Ou, então, um desejo de renegar, de modo nada criativo, sua identidade, por vezes desprezada no próprio país. Esse parece o caso de quem, enriquecido e desgostoso da imagem do caipira tradicional, vira dançarino de quadrilha texana.

Há decerto macaquice mais gratuita, como os letreiros em inglês do comércio rico paulistano, os "medical centers", os "offices". Até os anos 1990, havia em São Paulo um restaurante italiano famoso que apresentava, na entrada, em neon, seu nome "naturalmente" italiano, seguido logo abaixo da expressão "italian food" (comida italiana).

Mais recentemente, reapareceu uma versão simétrica da macaquice: nos definirmos pelos estereótipos estrangeiros do nosso exotismo.

Com a moda gastronômica, dos produtos "da terra" e a "globalização" do Brasil, recebemos mais cozinheiros ("chefs") do exterior. Então os chefs pedem ingredientes "brasileiros": frutas da Amazônia. Sim, os amazônicos são brasileiros, mas suas frutas são desconhecidas de 90% do Brasil.

Claro, não precisamos apelar e nos limitarmos a lembrar a farinha de mandioca. Fubá. Feijoada. Rapadura. Mas "macarrão a bolonhesa", churrasco, sushi e esfirra são alguns dos pratos mais brasileiros do centro-sul do Brasil.

Mas "Black Friday"? Indeed?

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