domingo, novembro 20, 2011
ADIVINHA QUEM É? - LUIS FERNANDO VERISSIMO
O GLOBO - 20/11/11
Tudo começou quando ele chegou por trás dela, tapou seus olhos e disse:
– Advinha quem é?
E ela:
– George Clooney.
Pra quê. Inauguraram-se três linhas de raciocínio. Uma: ela realmente pensara que o George Clooney entrara na sua cozinha, pé ante pé, tapara os seus olhos com suas mãos e dissera “Adivinha quem é?”, ainda por cima em português.
– Por que não? – disse ela. E arrematou: – Tudo é possível.
– Faça-me o favor – disse ele. – O que o George Clooney estaria fazendo, já não digo na nossa cozinha, mas no Brasil, sem ninguém saber? Hein?
– Veio lançar um filme.
– Muito bem. Veio lançar um filme, se perdeu na cidade, entrou no nosso prédio, entrou no nosso apartamento, viu a porta da nossa cozinha aberta e você aqui, de bermudas, cortando cenoura, e decidiu entrar?
– Tudo é possível.
– E o português? Como é que ele sabe português?
– Como é que você sabe que ele não sabe português?
– Como é que ele passou pelo porteiro sem ser anunciado? Como é que tinha a chave do apartamento? Ora, faça-me o favor!
Segunda linha de raciocínio: fora uma brincadeira. Claro que ela sabia que não era o George Clooney, era o marido. Dissera “George Clooney” para fazer ele rir. Não esperava que ele não fosse gostar da brincadeira. O George Clooney na minha cozinha? Eu nestes trajes? Cortando cenoura? Claro que era impossível. Brincadeira.
– Não foi brincadeira.
– Foi, bem.
– Não foi. Do jeito que você disse “George Clooney”, não foi.
– Foi o quê?
(Chegamos ao terceiro raciocínio).
– O tom em que você disse “George Clooney”. Quase um lamento. O que você realmente estava dizendo era “que remédio, só pode ser o chato do meu marido. Não pode ser outro homem, outra vida, outro futuro, longe desta cozinha, longe de tudo que é pequeno e mesquinho e previsível e...”
– Bem, vai pra sala ver seu Jornal Nacional, vai.
– A cenoura é pra quê?
– Refogado com vagem. Como sempre.
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