quarta-feira, outubro 05, 2011

RICARDO LOUREIRO - Não há bolha de crédito no Brasil


Não há bolha de crédito no Brasil
RICARDO LOUREIRO
FOLHA DE SP - 05/10/11

No exterior, os empréstimos de alto risco evoluíram em um impressionante vácuo regulatório e fiscalizatório, o que não se verificou aqui

Desde o início do ano, ouvimos alertas quanto aos riscos de estouro de uma bolha de crédito no Brasil. O crescimento acelerado do crédito no país, o alto comprometimento de renda do brasileiro com dívidas e a escalada dos preços dos imóveis nas principais urbes costumam ser listados como sinais da existência dessa bolha. Assim, mais cedo ou mais tarde, sucumbiríamos à crise que acomete o hemisfério Norte.

Em primeiro lugar, o termo não é, a rigor, adequado ao mercado de crédito; tecnicamente, "bolha" representa o descolamento significativo e prolongado do preço de algum ativo financeiro ou real dos seus fundamentos. No entanto, como bolhas especulativas costumam ser precedidas por "booms" de crédito, acaba-se utilizando a terminologia, com certa liberalidade.

Essa associação entre "boom" de crédito e bolha especulativa foi o que ocorreu nos EUA e na Europa: um longo período de crédito farto gerando movimentos especulativos nos preços das residências. Para que essa "tempestade perfeita" se dê, entretanto, é preciso um combustível: a prevalência, por tempo razoável, de taxas reais de juros próximas de zero ou até negativas.

É aqui que começam as diferenças entre o mercado de crédito brasileiro e aquilo que se viu no exterior. Nossa taxa de juros é uma das mais altas do planeta, o que faz com que os bancos brasileiros não precisem, a título de rentabilização, buscar mercados de altíssimo risco.

Outra grande diferença: no Brasil, os bancos possuem baixa alavancagem e operam num ambiente regulatório e fiscalizatório que é referência mundial. Lá fora, os empréstimos de alto risco evoluíram em um impressionante vácuo regulatório e fiscalizatório, disseminando o risco através de operações cruzadas com derivativos exóticos.

Assim, a expansão do crédito no Brasil ocorre sob rigoroso monitoramento da autoridade monetária, que adota medidas macroprudenciais para coibir excessos.

Há quem diga que o mercado de veículos, influenciado pela expansão do crédito nos últimos anos, seria o "subprime" (títulos de crédito hipotecário de alto risco que levaram à crise de 2008) brasileiro. Outros enxergam na valorização dos preços dos imóveis o esboço de uma bolha imobiliária no Brasil.

Não é o que pensamos. No caso dos veículos, é fato que o preço de um zero km pode recuar pouco mais de 20% após o seu primeiro ano de uso, fragilizando a garantia do financiamento. Mas é por isso mesmo que se costuma exigir uma entrada mais ou menos equivalente, no ato do financiamento.

Quanto aos imóveis, as altas de mais de 100% em algumas regiões metropolitanas, nos últimos três anos, refletem o forte crescimento da demanda -induzida pelo elevado grau de confiança dos consumidores, pela ascensão das classes C e D, pelos impactos das novas regras de financiamento imobiliário introduzidas pelo programa Minha Casa, Minha Vida-, que não encontrou devida resposta da oferta.

Afinal, o setor imobiliário passou por quase 20 anos de letargia, com baixo investimento em mão de obra, produção de insumos e bancos de terrenos. Quando a demanda aflorou, a oferta não conseguiu evoluir no mesmo ritmo, e os preços subiram. Logo, são os fundamentos -e não a bolha- que explicam a alta dos preços das residências.

Uma última consideração: a inadimplência dos consumidores está crescendo pouco mais de 20% neste ano. Mais um sinal de bolha, diriam alguns. Porém, se há bolha de crédito, a inadimplência sobe depois, e não antes do seu estouro. Na verdade, a alta da inadimplência em 2011 se deve à aceleração da inflação no início do ano. Nossos indicadores já apontam para uma estabilização da mesma.

Em suma, não vislumbramos existir bolha de crédito no Brasil. Temos, sim, um movimento saudável de crescimento do crédito.



RICARDO LOUREIRO é presidente da Serasa Experian e da Experian América Latina

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