domingo, outubro 02, 2011

Porque Marta não desiste - REVISTA ÉPOCA


Porque Marta não desiste 
REVISTA ÉPOCA

Para empregar uma definição aceita pela psicologia, profissão original da senadora Marta Suplicy (PT-SP), pode-se dizer que sua pré-campanha à prefeitura de São Paulo enfrenta um diagnóstico de transtorno bipolar. Entre os eleitores, ela é líder absoluta nas pesquisas de intenção de voto. Reconhecida nas ruas, é chamada para abraços e autógrafos. A caixa de e-mails de assessores vive recheada de mensagens de militantes que se oferecem para ajudar no que for preciso - até de graça. Numa plenária com cinco pré-candidatos, só Marta recebeu aplausos demorados. Quando foi discursar, senhoras de cabelos brancos, nenhuma maquiagem e roupas simples levantaram nas cadeiras brancas de plástico para tirar fotos de celular.

Da cúpula do PT, do governo Dilma Rousseff e do universo político do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Marta tem recebido sinais de indiferença e até agressividade. Patrocinada por Lula, a pré-candidatura do ministro da Educação, Fernando Haddad, já fez a maioria entre a bancada de vereadores paulistanos, tem apoio de prefeitos e ex-prefeitos da Grande São Paulo e, na semana passada, foi engrossada até por afilhados do presidente nacional da legenda, o deputado Rui Falcão, até então herói da resistência do partido a Haddad. Para deixar o caminho livre para Haddad, a presidente Dilma ofereceu até um ministério ao deputado Gabriel Chalita (PMDB-SP). Mas não ofereceu nada equivalente a Marta. O melhor que ela obteve foi a postura elegante do Planalto, que até agora não vetou nenhum de seus projetos no Senado, que incluem assumir relatorias que rendam dividendos eleitorais.

O grande problema de Marta chama-se Lula. Ele lançou a candidatura Haddad porque está convencido de que a liderança de Marta nas pesquisas é real, mas insuficiente para vencer numa cidade onde o PT ganhou apenas duas eleições entre as sete disputadas desde que a escolha passou a ser feita nas urnas. Os adversários dizem que Marta tem tido votação declinante e que, se fosse mesmo favorita, seu eleitorado já estaria acima dos 30% atuais. Muitos petistas também se queixam de que ela sabe de suas deficiências para conquistar novos eleitores, mas, "menina rica que sempre teve todas as bonecas na infância", como define uma ex-auxiliar, recusa-se a mudar para ser mais competitiva.

Não é a primeira vez que Marta e Lula se enfrentam em situações delicadas. Mas, desta vez, ela foi para a briga em público. Disse, em duas entrevistas, que Lula preferia perder em São Paulo ao escolher um candidato com 0% nas intenções de voto a abrir espaço a uma concorrente legítima e testada. O argumento de Marta é que Lula tem receio de vê-la transformar-se numa voz de peso no futuro do PT. Ela acredita que, interessado em manter poderes de ferro em 2014, seja para candidatar-se ao Planalto, para tentar o governo de Estado ou mesmo para seguir recebendo homenagens no exterior, Lula fará o possível para impedir que ela volte à prefeitura da maior cidade brasileira, acumulando musculatura para 2014 ou 2018.

Em função dessa postura, imperdoável na corte lulista, Lula resolveu "dar uma lição na Marta", dizem dirigentes petistas. Eles consideram que, mais tarde, ela pode até receber um prêmio de consolação para deixar a disputa de forma honrosa. Mas, por enquanto, deverá sentir a dor do isolamento. Quando os dois conversaram, uma única vez, para falar sobre a prefeitura, Lula lhe disse educadamente que preferia que Marta ficasse no Senado, onde poderia cumprir missões importantes para o governo Dilma. Também lembrou que seu suplente, o vereador Antonio Carlos Rodrigues, é do PR, sigla amaldiçoada após a faxina no Ministério dos Transportes. Segundo o relato de um assessor, nessa hora Marta sorriu em tom irônico, reclamando que Lula não precisa ser tão pouco sincero.

Os assessores de Marta dizem que o problema é mais profundo que a eleição municipal. Acusam Lula de não aceitar a postura "insubmissa" de Marta. Como argumento, dizem que só em 2002, quando Marta era prefeita, Lula foi - pela única vez - o candidato presidencial mais votado em São Paulo. Após a vitória na eleição municipal, Marta reuniu seu primeiro escalão para avisar que o mandato seria dividido em duas partes: antes e depois da eleição presidencial. "Estudamos as tarefas que poderiam ajudar na eleição de Lula, e elas viraram nossa prioridade", diz um ex-secretário. Marta correu então para distribuir uniformes a alunos de escolas municipais. Sem dinheiro para construir corredores de ônibus, a prefeitura pôs cones de borracha nas avenidas para reservar áreas exclusivas ao transporte coletivo. As crianças ganharam duas refeições nas escolas municipais e vans gratuitas para ir às aulas.

Em 2006, Marta queria concorrer ao governo paulista. Lula apoiou Aloizio Mercadante e, com o auxílio de prefeitos, derrotou-a por apenas cinco votos no partido. No fim do primeiro turno, o escândalo dos aloprados deixou Mercadante fora de combate. Para pedir votos a Lula no segundo turno, a recém-abandonada Marta subiu de novo ao palanque. A votação de Lula aumentou entre os dois turnos. Em 2010, ela foi traída pelos petistas que, na reta final, descarregaram votos em Netinho, do PCdoB, tentando impedir sua ida ao Senado.

Quem conversa com Marta fica com a certeza de que ela se sente muito usada e pouco retribuída. Seu bom humor se reflete na conhecida capacidade de produzir frases espirituosas. Falando em hipóteses, se disse convencida de que o tucano José Serra ainda pode voltar à disputa, quem sabe com a camisa do PSD de Gilberto Kassab. "Se disputar a prefeitura, Serra pelo menos sai do Twitter." Dona do eleitorado e do rosto político do PT na cidade, Marta diz que vai até o fim porque não tem muito a perder. Se vencer as prévias, o partido será obrigado a ajudá-la. Se for derrotada, os petistas virão implorar que ajude Haddad a tornar-se um candidato crível. Mais que um consolo, pode ser uma vingança.

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