domingo, outubro 23, 2011

MÔNICA BERGAMO - FAZ-ME RIR


FAZ-ME RIR
MÔNICA BERGAMO
FOLHA DE SP  23/10/11

Fenômeno no teatro, Marcelo Médici lamenta que comediantes só estejam 'no cenário da criadagem' nas novelas e diz não fazer lobby para ser escalado

Pela quarta vez o ator Marcelo Médici tenta fazer academia. Já se matriculou outras três vezes, pagou a anuidade e foi "umas cinco". São 15h da quinta-feira, 13, quando ele entra na sala VIP da Bio Ritmo, no shopping Pátio Higienópolis, em SP. Logo avisa: "Não tenho permuta, hein. Eu pago". E explica o que é VIP: "Veado impossibilitado de pagar! Hahaha"

Enquanto caminha na esteira, acompanhado do personal trainer, conta que voltou à ginástica há dois meses por causa da peça "Eu era Tudo pra Ela...E Ela Me Deixou", em cartaz no teatro Faap, em SP. O ator interpreta nove personagens ao lado de Ricardo Rathsam. "Tô com 39 anos. Precisa ter fôlego", diz ele, que é fumante.

Médici é um fenômeno no teatro. Seu espetáculo anterior, "Cada Um com Seus Pobrema", teve público de 190 mil pessoas de 2004 ao começo de 2011. O trabalho atual já contabiliza 9.000 espectadores há 35 dias em cartaz. "Vivo bem de teatro. Não vou fazer coitadismo", diz à repórter Lígia Mesquita. "Fiz uma peça de muito sucesso, o que também não é comum. Mas, vivendo de teatro já andei com tênis furado, tinha uma calça e um moletom. Já passei essa fase. Foi f...."

Na TV seu último papel foi o carteiro italiano Mimi em "Passione", trama de Silvio de Abreu que terminou em janeiro. E tão cedo ele não pretende voltar à telinha. Seu contrato de seis anos com a Rede Globo acabou neste mês e não foi renovado. "Acho que não houve interesse das duas partes. Minha prioridade é poder fazer teatro."

O paulistano diz que foi feliz nas três novelas que atuou na emissora. "Acho uma delícia TV." Mas, para ser escalado, afirma que não faz lobby. "Não quero virar aquele funcionário que faz uma novela por ano para ter plano de saúde. Não tô cuspindo no prato que comi, mas me divirto de outra forma."

Médici faz um circuito de musculação e as caretas aumentam. Conta que o novelista Walcyr Carrasco também malha ali. "Ele vai fazer [o remake] de 'Gabriela'. Posso pedir um emprego. Será que só vai ter ator bombado [musculoso] falando: 'E aí, Gabi?'", diz, imitando um típico sotaque carioca.

Ele reclama que na TV os personagens de humor ficam caricatos. "Em comédia você acaba no mesmo cenário, o da criadagem: mordomo, empregada, porteiro. São os tipos." Ele foi mordomo em "Sete Pecados", de Carrasco, e açougueiro em "Belíssima", de Silvio de Abreu.

"Só fiz um mordomo, graças a Deus. E recusei fazer outro. Mas se deixar você fica aquele cara do núcleo de humor: o dono do bar, da quitanda. Se eu fizer dez novelas assim, na décima primeira me mato como artista. Quero fazer um papel legal. Mas, pra ficar lá [na TV] dez meses saindo do nada e indo pra lugar nenhum, não quero."

O tipo de humor em alta no momento, o stand up, que tem nomes como Rafinha Bastos e Danilo Gentili, ele acredita que não seja representativo do Brasil. "O humor brasileiro é o cara sacana vestido de criança. E o americano é o cara vestido de adulto com atitudes infantis, como no stand up."

Essa nova geração de comediantes que faz sucesso na internet, segundo ele, precisa tomar cuidado porque tem um público adolescente grande. "E a moçada quer ver o circo pegar fogo. Aí você começa a dar tiro no pé porque alimenta isso. Quer ser sempre engraçado, ter uma frase agressiva. Vira refém disso."

A malhação acaba às 16h e Médici vai almoçar. No restaurante Wraps, pede sanduíche de atum e suco de abacaxi. De entrada, gaspacho.

O ator, que estudou na escola Célia Helena e com Antunes Filho, não se acha engraçado, apesar de trabalhar há anos com comédia. "Ficava quase ofendido quando me falavam que eu tinha que ir pra 'Escolinha do Professor Raimundo'. Mas isso era bobagem de escola de teatro. Você começa a conviver com muita gente idiota, a ter compromissos intelectuais com umas bobagens", diz.

Ele conta que acabou de comprar seu primeiro apartamento, em Higienópolis. Mas ainda mora numa casa alugada, no Pacaembu. "Entrei numa crise há um tempo atrás. Falei: p...., esses atores jovens têm uns carrões, uns baita apartamentos, fazem um monte de comercial. E eu tô ralando há tanto tempo e agora comprei minha casa. Aí conversei com uma atriz que também comprou um apê só agora. E ela tem de carreira a minha idade."

Médici diz que poderia estar ganhando muito dinheiro fazendo apresentações fechadas de "Cada Um com Seus Pobrema". "Fiz alguns e parei porque deprimi. As pessoas te dão as costas, ficam comendo." Ele conta que parou dois espetáculos no meio. "Saí querendo morrer, me sentindo no último grau de prostituição. Minha autoestima não segurou."

Pede dois cafés e a conta. E revela que tem "alguns resquícios de pobreza", mais uma vez fazendo uma voz diferente. "Quando viajo me recuso a pagar pela água do frigobar. Compro uma garrafa numa loja de conveniência e levo pro hotel."

Às 17h pega seu carro, um Beetle, e acende um cigarro. No som, Roberto Carlos. Ele dirige até os Jardins para fazer compras na Casa Santa Luzia. No supermercado, enche o carrinho de pratos congelados como lasanha e polpetone de salmão, balas de goma e chocolate. Ao se despedir, faz voz de Marília Gabriela e conta seu plano de aposentadoria: "Quero ser autor de novela".

"Não sou humorista, sou ator. O humorismo te dá uma responsabilidade de ser engraçado o tempo todo"

"Pra ficar na TV dez meses saindo do nada e indo pra lugar nenhum, não quero"

"Saí [ de uma apresentação fechada] querendo morrer, me sentindo no último grau de prostituição"

"Teve uma época em que eu tinha que ir ao Serasa toda semana. Dava uma raiva quando chegava o telegrama de lá"

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