Presidente: sonhar e não ceder
MIGUEL SROUGI
FOLHA DE SP - 16/10/11
Prezada presidente Dilma Rousseff, peço desculpas por encaminhar uma carta por meio desta Folha, mas, como ouvi que em Brasília proliferam os malfeitores, temi que uma missiva endereçada talvez não chegasse ao seu destino.
Como médico, tenho enfrentado embates aflitivos contra os tumores urinários, incluindo o câncer da próstata, que, como a senhora sabe, coloca em risco a existência de um sem-número de patrícios. Hoje, mais incomodado, escrevo para falar de outra doença, que ameaça não só 140 mil homens, mas toda a sociedade brasileira.
Refiro-me ao tumor que tomou o nosso organismo social: autoridades sem o mínimo comprometimento com a decência, locupletando-se sem constrangimento, aplicando golpes contundentes contra o Estado e contra o resto da sociedade.
Ao contrário do câncer de próstata, de causa não bem conhecida, a doença que nos assola teve origem clara, que deve ser lembrada e contra a qual a senhora corajosamente se postou -o período de exceção, em que se construiu uma sociedade sem voz, sem líderes e modelos.
Por isso, foi produzida uma geração permissiva, incapaz de reconhecer seus direitos e de expressar reação. Foi um período sem luzes e sem vigília, que nos legou outro fardo, a ascensão de um sem-número de oportunistas, que se espraiaram e passaram a consumir o Estado. Como nos tumores mais malignos.
Por que um médico dirigindo-lhe um apelo? Certamente por ser também cidadão e justamente por ser médico. Apesar da luta estoica de alguns brasileiros decentes, a saúde foi transformada em balcão de negócios escusos, exaurindo-se os recursos disponíveis.
Pior ainda, tem sido vítima da insensibilidade de outros, que, com o poder de decisão final, têm privilegiado a vida de instituições tomadas pela imoralidade em vez da vida dos cidadãos. Frustram-se os médicos, que, imobilizados, não conseguem cumprir sua missão.
Como combater essa situação iníqua? Talvez da mesma forma como enfrentamos com sucesso o câncer de próstata. Realizando intervenções radicais e, ao mesmo tempo, fortalecendo o organismo agredido. Na presente tragédia, expurgando da vida nacional e punindo exemplarmente o grupo de predadores assentado no poder.
Ademais, com toda a legitimidade que lhe foi conferida pela sociedade brasileira, exigir que as leis e a Justiça representem, de fato, instrumentos de defesa do direito, e não objetos de proteção dos ímprobos e poderosos.
Difícil conseguir isso? Talvez não, se em cada ação indecorosa a senhora punir, sem vacilação, o apequenamento. Também se passar a exigir daqueles que a cercam postura modelar e atitudes proativas, que façam aflorar nos brasileiros a consciência crítica e a cidadania.
Ocorre-me neste momento a versão de Chico Buarque, "Sonho Impossível". Cantava ele: "Sonhar, mais um sonho impossível/ Lutar, quando é fácil ceder/ Vencer, o inimigo invencível/ Negar, quando a regra é vender.../ E assim, seja lá como for/ Vai ter fim a infinita aflição/ E o mundo vai ver uma flor/ Brotar do impossível chão".
Recentemente, a senhora adotou algumas medidas corretivas diante da tragédia que nos assola. Começou a lutar, quando seria fácil ceder. Mas foi só um começo, talvez pouco. Pouco para alguém que, em períodos recentes menos gloriosos da nossa história, conviveu com a truculência e com autoridades que não eram coisa boa.
Agora que a senhora é autoridade, imagine se a sua complacência for mal-interpretada, confundida com aquiescência. E lembre-se a senhora, que tem história para ser o exemplo, que a posição de presidente só foi obtida por deferência da nação brasileira, que colocou, com esperança e fé, seus destinos em vossas mãos. Para terminar a infinita aflição. E para ver uma flor, brotar do impossível chão.
Meu respeito ao trabalho de Miguel Srougi como médico. Como escrivinhador de cartinhas à presidenta, via Folha de São Paulo, minhas dúvidas. É bom não esquecer que o espaço no jornalão é resultado da cruzada da mídia pra tentar engordar as marchas "espontâneas" contra o governo, digo pela ética e contra a corrupção.
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