Estabilização enjeitada
MARCELO DE PAIVA ABREU
O ESTADÃO - 17/10/11
Caso o governo Dilma Rousseff mantenha o ritmo de crescimento em torno de 4,5%, ou até mesmo 3% ao ano, com a inflação sob controle - ou seja, próxima à meta - e sem episódios de corrupção generalizada afetando o cerne do governo, a coalizão governista parece imbatível. A dúvida é se o jogo político interno ao PT redundaria em segundo mandato de Dilma Rousseff ou terceiro mandato de Lula.
As atenções no momento atual, portanto, se concentram na avaliação do governo Dilma Rousseff na esfera econômica.
Embora haja unanimidade a respeito dos prejuízos eleitorais que poderiam advir de um recrudescimento inflacionário, há fortes divergências sobre o risco que seria aceitável incorrer quanto à inflação futura em nome da manutenção do crescimento da economia acima de determinado patamar mínimo. Este é o cerne do debate atual sobre a reorientação da política macroeconômica marcada pelas recentes decisões do Banco Central (BC) quanto à redução da taxa Selic a despeito de a inflação estar acima dos limites definidos com base no regime de metas inflacionárias.
A imprudência do BC - que tem raízes na progressiva deterioração na qualidade da formulação da política econômica já no segundo mandato de Lula - tem sido ressaltada por analistas que sublinham ter o Banco Central se colocado em situação em que precisará desesperadamente de agravamento significativo da situação econômica mundial para justificar a redução da taxa de juros e as promessas de reduções adicionais. Em caso contrário, terá errado redondamente.
Neste quadro, pareceria razoável supor que a oposição tendesse a empunhar a bandeira da estabilização e denunciar a atitude imprudente adotada pelo governo. Mesmo que, no passado, parte importante do PSDB tenha explicitado grande resistência ao Plano Real, adotado postura complacente com a inflação e criticado a política de juros em clara simpatia com a política econômica discricionária adotada pelos vizinhos ao sul (a despeito da antipatia com o Mercosul).
Suposição despropositada: um dos cardeais do PSDB, o ex-governador Alberto Goldman, no quadro das discussões sobre o apoio do partido a candidaturas à Prefeitura de São Paulo, saiu-se com a seguinte afirmação de princípios: "Não me passa pela cabeça a possibilidade de termos o ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles como nosso candidato a prefeito. Ele, durante oito anos, representou uma política econômica ortodoxa que combatemos sistematicamente. Eu, em particular, que fui líder do PSDB na Câmara dos Deputados e vice-líder no período do primeiro governo Lula, tanto critiquei aquela política econômica, nãoemmeunome,masem nome do partido, que não teria qualquer possibilidade de apoiálo.
Que fique, desde já, marcada essa posição política. Com ele não dá".
Nunca Henrique Meirelles há de ter pensado que seria tido como formulador de política econômica ortodoxa... Afinal, sempre esteve escoltado por macroeconomistas que, de uma forma ou de outra, asseguraram a continuidade das políticas macroeconômicas, ou pelo menos a política monetária, adotadas desde a implementação do Plano Real.
É difícil imaginar que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso endosse a posição de Goldman. Mas seria altamente desejável que fossem claramente explicitadas as diferenças entre o PSDB-FHC, que tem interesse em sublinhar a importância das conquistas entre 1994 e 2002 quanto à estabilização e algumas reformas estruturais, e o PSDB que repudia boa parte da herança do governo FHC e insiste na eficácia eleitoral de uma terceira tentativa de emplacar a candidatura de José Serra à Presidência da República com um programa muito semelhante ao da atual coalizão governista.
De fato, a convergência entre este PSDB que se presume de "esquerda", em reação ao PSDB "neoliberal" - que deu as cartas em termos de política econômica nos dois mandatos de FHC -, e o programa econômico que está sendo implementado pelo atual governo vai além das ideias imprudentes sobre política monetária. Em relação a dois outros temas - papel do Estado e proteção - , o PSDB "de esquerda" também converge com as atuais políticas: tem medo de falar em privatização e gosta de proteção alta, especialmente na indústria automotiva.
Tal como estão as coisas, a oposição está propensa a entregar a eleição de 2014 de bandeja. Se a inflação não acelerar, é céu de brigadeiro e ou eleição de Lula ou reeleição de Dilma. Se a inflação for um problema, terá resultado de políticas imprudentes adotadas pelo Banco Central sob pressão do Ministério da Fazenda e do Planalto com aplausos da oposição. Será que a oposição terá, nesse caso, condições de explorar eleitoralmente a lambança? Ou pretende disputar outra eleição presidencial sem programa?
DOUTOR EM ECONOMIA PELA UNIVERSIDADE DE CAMBRIDGE, É PROFESSOR TITULAR NO DEPARTAMENTO DE ECONOMIA DA PUC-RIO
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