quarta-feira, outubro 05, 2011

CRISTIANO ROMERO - Europa: uma visão menos sombria


Europa: uma visão menos sombria
CRISTIANO ROMERO
VALOR ECONÔMICO - 05/10/11

O Fundo Monetário Internacional (FMI) trabalha com dois cenários para os desenvolvimentos da crise financeira mundial. No cenário-base, aparentemente irrealista, o ritmo de crescimento das economias avançadas é baixo neste e no próximo ano, mas em 2012 o mundo cresce na mesma velocidade de 2011 (4%). No cenário alternativo, o pior deles, os Estados Unidos e os países da zona do euro entram em recessão, com as economias encolhendo cerca de 2% no ano que vem. Ainda assim, a economia mundial não repetiria a recessão de 2009.

"Não há nenhuma dúvida de que a situação agora está pior do que estava há seis meses. Não é tão grave quanto era em 2008. Pode piorar. Agora, mesmo num cenário de piora, como prevê o FMI, não piora tanto quanto em 2008", observa Murilo Portugal, presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban).

Há duas semanas, Portugal participou, em Washington, das reuniões paralelas ao encontro anual do FMI e do Banco Mundial. Alguns dias antes, reuniu-se, na Europa, com ex-dirigentes de instituições como o próprio FMI, o Banco Central Europeu (BCE) e o Federal Reserve (Fed, o banco central americano). Como se sabe, por mérito próprio e não por indicação do governo brasileiro, Portugal foi, entre 2007 e janeiro deste ano, o número 3 na hierarquia do Fundo, responsável pelo monitoramento de 81 países.

O depoimento do economista contrasta com a ideia de fim-de-mundo que tem prevalecido em alguns setores do mercado dentro e fora do país e mesmo do governo. Para Portugal, os riscos de piora da crise aumentaram bastante, o grau de incerteza é grande, um evento de crédito na Europa pode não se restringir ao país onde ele ocorra, mas ainda é muito cedo para prever uma crise mais grave que a de 2009.

"Há no Brasil um certo exagero sobre o que está acontecendo na economia mundial. Esta crise não é igual à de 2008. Naquela, a crise foi muito mais forte. O PIB mundial caiu 0,7% e, como a população cresceu um pouco abaixo de 2%, o PIB per capita caiu 2,5%, uma queda acentuada, maior que a ocorrida nas recessões das décadas anteriores", compara o presidente da Febraban, lembrando que, em 2009, as economias americana e europeia tiveram crescimento negativo de, respectivamente, 3,5% e 4,3%.

"Realmente, o clima está muito negativo tanto na Europa quanto nos EUA. Todo mundo fica repetindo que a situação "está ruim" e ficam todos impressionados. Às vezes, você sai das conversas com a impressão de que [a crise] está um pouco pior do que realmente está", acrescentou.

O que talvez diferencie os dois cenários do FMI é a possibilidade, cada vez maior, de ocorrência de um evento de crédito na Europa. Na segunda-feira, o banco franco-belga Dexia, o primeiro a ser socorrido depois da quebra do Lehman Brothers, em setembro de 2008, fez reunião de emergência. Ontem, o jornal inglês Financial Times especulava se o caso do Dexia não é um "déjà vu" do Bear Stearns, banco americano que só não quebrou antes do Lehman porque o governo americano manejou para que ele fosse comprado pelo JP Morgan.

Do alto da sua experiência internacional - além de número 3, foi representante do Brasil no FMI entre 1997 e 2005 -, Murilo Portugal acredita que os europeus não cruzarão os braços diante de um evento de crédito na Grécia. Ele lembra que a economia grega detém apenas 2% do PIB europeu e que a dívida privada do país em mercado é de € 200 bilhões. Há, portanto, formas de conter a propagação de um possível evento de crédito.

O problema tem sido a lentidão e a resistência dos principais mandatários europeus em agir. A reação tem vindo sempre com atraso, quando as expectativas de uma crise mais profunda já estão cristalizadas. "Eles acabam fazendo o que é necessário. Só que no estilo "too little, too late" (muito pouco e tarde demais). Aí, as expectativas não mudam", comenta o economista. "O que sabemos de crise é o contrário: você tem que fazer mais do que todo mundo espera para mudar as expectativas e ficar à frente do mercado. Do jeito que eles estão fazendo, estão sempre atrás do mercado."

Um exemplo é o do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (EFSF, na sigla em inglês), que deveria ter sido criado no ano passado, à época do primeiro evento da crise grega. "Se tivesse feito em maio do ano passado, quando foi feito um empréstimo para a Grécia, e se o empréstimo tivesse sido de mais longo prazo, com menores taxas de juros, talvez, tivesse resolvido naquela época. Eles fizeram agora e não adiantou muito. Mas acho que [se ocorrer um evento novo] vão reagir da maneira certa", diz Portugal.

No caso de um contágio praticamente certo de bancos europeus por causa da encrenca da Grécia, os governos vão capitalizar seus bancos, como fizeram na fase anterior da crise. De 2006 a setembro de 2011, segundo dados oficiais, o Banco Central Europeu adquiriu US$ 1,337 trilhão em ativos de bancos e governos, elevando para US$ 2,8 trilhões os ativos em sua carteira. "E o BCE não tem limite. Pode comprar tudo. Ele emite dinheiro", diz o presidente da Febraban.

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