quinta-feira, outubro 06, 2011

CELSO MING - Represália aos chineses


Represália aos chineses
CELSO MING
O ESTADÃO - 061011

O Senado dos Estados Unidos debate no momento a adoção de represálias comerciais à China, com base no diagnóstico de que o governo de Pequim manipula o câmbio e mantém o yuan, sua moeda, artificialmente desvalorizado em cerca de 30%. Esse jogo cambial desleal, argumentam parlamentares dos dois maiores partidos dos Estados Unidos, alija o produto americano do mercado chinês e de seu mercado interno, na medida em que as mercadorias chinesas chegam substancialmente mais baratas por lá.

Assim, o atual nível de desemprego nos Estados Unidos, que atinge mais de 14 milhões de pessoas (9,1% da força de trabalho), é consequência de notório dumping cambial que já dura, pelo menos, 20 anos.

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, por sua vez, prepara-se para denunciar a existência de uma guerra cambial de fato no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC), onde pretende obter reconhecimento de que, contra países que mantêm artificialmente desvalorizada sua moeda, se podem adotar represálias comerciais.

A ironia da situação está em que Mantega acusa os Estados Unidos de fazerem manobra condenável equivalente à de que acusam a China, quando o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) despeja enormes volumes de moeda no mercado - que, na prática, produz forte desvalorização do dólar.

Em alentado trabalho apresentado há duas semanas no 8.º Fórum de Economia da Fundação Getúlio Vargas, a professora Vera Thorstensen, integrante da equipe do Brasil na OMC, demonstrou que a guerra cambial que se espalha pelo Planeta está anulando a proteção tarifária conquistada pelos acordos comerciais. Esse desarranjo, avalia ela, compromete os objetivos da própria OMC, cuja função é garantir a lisura do comércio internacional. "Genebra, temos um problema!", alerta Thorstensen e, com isso, lembra famosa advertência dos astronautas da Apolo 13, em abril de 1970, que detectaram séria avaria em sua espaçonave: "Houston, we have a problem". (Genebra, no caso, é a cidade-sede da OMC.)

As distorções são evidentes, não podem ser negadas. O problema está no que fazer para endireitar o que está torto. Represálias unilaterais, tais como as examinadas agora pelo Senado americano para o caso chinês, parecem um tiro no pé. Lá estão a General Electric, a GM, a Dupont, a Procter & Gamble e todas as grandes empresas americanas. Ou seja, castigar a China significa penalizar o desempenho das grandes multinacionais dos Estados Unidos.

Os desalinhamentos cambiais são resultado da desordem do sistema econômico global e da atual crise financeira. Não é com represálias comerciais que o problema de fundo será resolvido. A professora Thorstensen pergunta se a solução não estaria numa nova conferência de Bretton Woods - a mesma que adotou a ordem internacional que começou a vigorar em 1946 e criou o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial.

Provavelmente, sim. Mas como armar uma nova conferência de Bretton Woods se, desde 1998, quando Bill Clinton, então presidente dos Estados Unidos (cargo ocupado por ele entre 1993 e 2001), pediu empenho para a construção de nova arquitetura econômica mundial, não se consegue reunir os dirigentes do mundo para isso?

CONFIRA

Agora, há problemas. As autoridades da área do euro entendem agora que necessitam, sim, capitalizar seus bancos. E avisam que precisam, ao menos, de 200 bilhões de euros, providenciados pelo Fundo de Estabilidade Financeira Europeia (EFSF, na sigla em inglês) - que ainda depende de aprovação dos Parlamentos dos 17 membros do bloco. Há apenas três meses, os testes de estresse não viam problemas nos bancos.

Coração de mãe. Esse fundo nasce com enorme coração de mãe. Deveria socorrer somente os países em dificuldades. E agora é chamado também para capitalizar os bancos. Por aí já se vê que 440 bilhões de euros, o patrimônio desse fundo, não serão suficientes para a tarefa grandiosa de segurar o euro.

Montagem. Por isso, os especialistas começam a montar uma arquitetura financeira para o EFSF. Ele vai resgatar títulos de países endividados e, em seguida, esses títulos servirão para dar garantia (colateral) para novos aportes do Banco Central Europeu.

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