terça-feira, outubro 25, 2011

BENJAMIN STEINBRUCH - Força do mal


Força do mal
BENJAMIN STEINBRUCH
FOLHA DE SP - 25/10/11

O aumento do IPI para os veículos importados é uma medida circunstancial, de emergência

Os excessos do liberalismo de mercado vêm sendo apontados como a origem da crise econômica global que começou em 2007, nos EUA, e parece estar longe de acabar. Para caracterizar esses excessos de capitalismo desregulado, inclusive, passou-se a usar o termo "neoliberalismo", que adquiriu conotação extremamente depreciativa.

O presidente dos EUA, Barack Obama, em seu discurso de posse, disse que os governos e os mercados têm, ambos, seu lugar numa sociedade decente, mas podem se transformar em uma força do mal se não tiverem restrições.

Nesse contexto devem ser entendidas medidas que, em outras épocas, poderiam ser caracterizadas como intervencionistas ou protecionistas, como o aumento da alíquota do IPI em 30 pontos percentuais nas importações de automóveis. Na semana passada, o STF decidiu que essa medida só poderá vigorar a partir de 16 de dezembro, mas ela é altamente recomendável diante do estrago que a entrada indiscriminada do produto estrangeiro vem fazendo na indústria nacional. O estrago atinge as montadoras aqui instaladas e, por tabela, vários setores fornecedores dessas empresas.

Ainda que alcance apenas metade das importações, pelas exceções que precisam ser feitas em nome do respeito a acordos regionais e binacionais, essa medida poderá acrescentar alguns pontos na taxa de crescimento das vendas de veículos nacionais e poupar empregos, objetivo final da iniciativa. No ritmo que corriam até agosto, as importações de veículos deveriam alcançar 1 milhão de unidades neste ano, um quarto das vendas no mercado interno. Enquanto isso, a produção nacional caiu quase 20% em setembro na comparação com agosto.

Como ensinou Obama, eis aí um caso em que o liberalismo estava se transformando em "força do mal", algo que não se observa apenas no setor de veículos, mas em vários outros da indústria -têxteis, calçados, máquinas e eletroeletrônicos são outros exemplos típicos. Isso não significa que a receita da restrição ao produto estrangeiro deve ser adotada como regra. Trata-se de medida circunstancial, de emergência, diante das condições atuais do mercado, que apresenta demanda em queda no mundo desenvolvido e mantém-se aquecido no emergente, levando a indústria mundial a fazer um verdadeiro assédio ao mercado brasileiro.

Japão e Coreia, que fizeram reclamações na OMC contra a taxação, deveriam entender a medida dentro desse contexto. É lícito que o país adote mecanismos para se defender dessa concorrência nem sempre leal e para proteger a indústria nacional. Ninguém pode negar que a maior abertura às importações dos anos 1990 teve efeito positivo no estimulo à competitividade da indústria no país. Naquela época, porém, a situação da economia mundial era completamente diferente. Os países ricos estavam em crescimento, enquanto o Brasil vivia um longo período de marasmo econômico.

Seria ingênuo deixar de observar que as desvantagens competitivas das empresas brasileiras decorrem também dos pesados encargos creditícios e tributários que suportam. Medidas como a do IPI são conjunturais. É preciso ter coragem de fazer reformas estruturais. Mudar o padrão das taxas de juros, que há décadas espalham pela economia o alto custo do crédito, e reduzir o peso dos impostos. Além de pesados, os tributos exigem das empresas dispêndios elevados para sua administração burocrática. As companhias brasileiras gastam em média 2.600 horas por ano para cumprir as obrigações exigidas pela parafernália tributária.

A vigilância, porém, deve ser a regra na atual temporada. Seria também ingenuidade, neste momento de enorme incerteza global, olhar apenas para os efeitos positivos da competitividade no longo prazo e deixar que alguns segmentos da indústria fechem as portas em nome de um discurso ultrapassado em favor da abertura indiscriminada do mercado. Afinal, como disse o economista Paul Krugman, em artigo na Folha, estamos nesta confusão global porque tivemos regulamentação de menos, não de mais.



BENJAMIN STEINBRUCH, 58, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp.

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