sexta-feira, outubro 21, 2011

BARBARA GANCIA - Chega de melindre!



Chega de melindre!
BARBARA GANCIA
FOLHA DE SP - 21/10/11 

É ou não fora de esquadro linchar humorista em um país em que cai praticamente um ministro por semana?


Garanto como me chamo Bar­bara Gancia que este é o últi­mo texto sobre Rafinha Bas­tos que você lerá na vida. Tantos lugares para ir e pessoas por conhecer e eu ainda aqui fixada nesse tema. Mas é que ontem, as­sim que ouvi sobre a morte do ditador líbio Khaddaver (por falta de consenso sobre a grafia, escolhi es­sa), corri ao Twitter para saber mais.

E o que encontrei? Estava lá nos "trending topics", os assuntos mais comentados do dia, uma colocação acima do nome do ditador: #feto­dawanessa (feto da Wanessa), uma referência, para quem não sabe, ao filho ainda por nascer da cantora Wanessa Camargo, motivo daquela piada péssima do Rafinha Bastos de que eu nem me lembro mais.

Ocorre que, em vez de deixar o Ra­finha Bastos falando com o monó­xido de carbono que sai do escapa­mento dos ônibus, o experimenta­do Manuel Alceu Affonso Ferreira, um dos melhores advogados do país com grande intimidade em de­fender a liberdade de expressão (advogou ou advoga para o grupo Estado, tendo inclusive defendido a mim, motivo pelo qual lhe serei eternamente grata), resolveu dar um gelada em sua biografia.

Não sei bem se movido por exibicionismo ou se foi o desafio de mos­trar-se capaz de criar um fato novo, mas o doutor Manuel resolveu sair ao encalço do tal comediante em nome de uma idiossincrasia que só faz sentido aos olhos do Código Penal dos anos 1940 ou para aquela gente que se au­toflagela quando lembra da existência do prazer carnal.

Tenho pouca intimidade com a arte de Rafinha Bastos. Como já são quase 50 anos desde que saí da fase anal, custo a me identificar com seu humor fácil, não consigo ver nele o mesmo futuro que percebo em um Marcelo Adnet, numa Tatá Wer­neck ou em um Danilo Gentili. Mas isso sou eu, questão do fundo do âmago do meu ser íntimo, sabe?

Mesmo assim, eu não saio por aí querendo colocar o Rafinha Bastos atrás das grades em nome de uma causa boboca. Que coisa mais ridícula é essa de honra a defender por causa de pia­da? Quem se está pensando em usar como testemunha do feto? Emily Bronte, Victor Hugo, José de Alencar, Jane Austen ou a própria rainha Vitória? No futuro, se o petiz for se ofender com piada besta, me­lhor mandá-lo logo desencanar e lavar tanque atrás de tanque de roupa que passa, não é mesmo, doutor Manuel Alceu?

Tirei o fim de semana passado pa­ra assistir a alguns vídeos de melho­res momentos do "Saturday Night Live", o programa número um de humor da TV americana. Fossem usados os critérios legais e morais imbecilizantes que, do nada, nós agora demos para abraçar, não existira o SNL.

Ou seja, se a gente adotasse a linha de raciocínio de Manuel Alceu, tu­do o que há de mais genial no hu­mor da TV norte-americana não teria sido criado porque há quem confunda besteirol com vida real.

Destaco uma frase do advogado de defesa de Wanessa Camargo que consta do processo movido contra Rafinha Bastos: "A liberdade de ex­pressão artística não abriga no seu âmbito garantidor o humorismo lesivo e afrontante que, sob a capa de pretensos chistes, mascare o atentado ao patrimônio moral de terceiros".

É ou não completamen­te fora de esquadro linchar humo­rista em um país em que cai prati­camente um ministro por semana?

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