domingo, outubro 30, 2011

ALON FEUERWERKER - Um combo fatal



Um combo fatal
ALON FEUERWERKER 
CORREIO BRZILIENSE - 30/10/11

Antes, a liberdade nas universidades era uma ideia vinculada à urgência de conquistar espaços no autoritarismo. Era uma ideia certa. Agora, aparece como ameaça de instalar no Brasil regiões em que o crime organizado pode agir sem temer a presença da autoridade policial. É uma ideia 100% errada

Grupos de estudantes, professores e funcionários da USP rebelaram-se porque a Polícia Militar deteve alunos que consumiam droga no câmpus. Passaram a exigir a saída da PM, entraram em confronto com policiais que participaram da ação e ocuparam um edifício para pressionar.

Pedir a saída da PM do câmpus universitário é posição revestida de alguma aura, pois evoca os tempos da ditadura. Aliás, é um fenômeno corriqueiro entre nós: gente que não chegou — por falta de vontade, coragem ou oportunidade — a combater o regime militar quando ele existia, enfrenta-o com radicalismo quando ele não existe mais.

É conveniente, pois permite ao protagonista ser ao mesmo tempo extremado nos propósitos, portador de uma condição moral supostamente acima, e permanecer em posição segura. Pois lutar contra uma ditadura que hoje só existe nos livros de história traz bem menos risco, inclusive físico.

Mas esse seria um debate secundaríssimo, não houvesse aqui algo grave além da conta. Impedir a entrada da polícia nos câmpus de todo o país (não há por que a USP ser exceção) significaria, na prática, acelerar a transformação deles em territórios desimpedidos para o tráfico de drogas e os demais crimes conectados à atividade.

E isso será um problema não apenas para a universidade. Os câmpus transformar-se-ão em centros irradiadores de atividade criminosa. Pois não haverá uma barreira física a separá-los da vizinhança, não haverá revistas em quem entra ou sai. Não estarão cercados pela força armada estatal.

Antes, a liberdade nas universidades era uma ideia vinculada à urgência de conquistar espaços no autoritarismo. Era uma ideia certa. Agora, aparece como ameaça de instalar no Brasil regiões em que o crime organizado pode agir sem temer a presença da autoridade policial. É uma ideia 100% errada.

Impedir que a ditadura interfira na universidade é uma coisa. Impedir que o Estado democrático aplique a lei na universidade é outra coisa. Completamente diferente. Antagônica.

Pois se é razoável que certas leis, como a que proíbe as drogas, não valham nas universidades, por que não outras leis? Por que não liberar também, por exemplo, o furto? Ou o latrocínio, desde que “socialmente justificado”?

Se o Estado democrático, com sua autoridade repressiva legítima, não pode entrar em determinado lugar, a consequência será o domínio de facções capazes de impor a vontade pela força. E nesse ecossistema o crime organizado vai levar vantagem. Decisiva.

Não vou aqui analisar em profundidade a experiência das Unidades de Polícia Pacificadora, as UPPs do Rio. A coluna de hoje não é para isso. Mas o conceito é bom. Impor a presença, inclusive repressiva, do Estado em áreas dominadas por estruturas criminosas dotadas elas próprias de capacidade e vontade de dominar.

E se a ideia é boa nas comunidades pobres do Rio é melhor ainda nas universidades. Pois nestas há bem mais dinheiro em circulação. E o tráfico de drogas segue a rota do dinheiro, não da pobreza. Eis uma razão por que o crime acelerou mais em anos recentes nas regiões que prosperaram acima da média, ao contrário do que suporia o senso comum.

O ensino superior brasileiro vive um desafio gigantesco. Elevar-se a um padrão de excelência internacional. É um vetor decisivo para o projeto nacional. O Brasil estabilizou a economia, preserva um bom ambiente para o desenvolvimento econômico e implantou mecanismos de redistribuição de renda. Mas não dará o salto adiante se nossas universidades permanecerem na rabeira diagnosticada por todos os estudos e rankings.

Essa deveria ser a preocupação, inclusive na comunidade universitária. E isso nada tem a ver com a frouxidão diante do consumo de drogas, do seu tráfico, ou do tráfico de armas. Sim, pois é um combo. Não há como comprar um sem levar o outro.

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