segunda-feira, setembro 12, 2011

RICARDO SEMLER - Preto e prata, preto e prat

 Preto e prata, preto e prata
RICARDO SEMLER
FOLHA DE SP - 12/09/11 

Como se camaleões fôssemos, evitamos o realce; estamos protegidos se escolhemos a mesmice


Preste atenção e verá que quase todo carro é preto ou prata. Inclui cinza, digamos. Ando intrigado, nas estradas, pela hegemonia dessa paleta de cores, que soma 86% das escolhas.
Será que o brasileiro é um tanto triste, por isso fica entre nuances cinzentas? Seria diferente em outros países? E essas escolhas teriam relação com a uniformização iniciada na escola?
A DuPont estuda essa questão há 55 anos. Nos EUA há agora a tendência pelo branco. Na Itália e França vence uma cor que aqui não faz qualquer sucesso: o bege. Apenas na China é que o laranja sobressai. Na Escandinávia impera o prata, como em muitas regiões do mundo. Tem a razão leiga, que diz que carros cinzentos e pretos são mais fáceis de revender, e portanto vendem mais. Na linha do vende mais porque é fresquinho, e é fresquinho porque vende mais. Custo de seguro e chance de ser roubado não são muito relevantes.
Se olharmos para executivos num restaurante veremos cores básicas nos ternos e tailleurs. Se subirmos o olhar para a arquitetura de edifícios, veremos o triste e conservador neoclássico, e o bege nas paredes cansadas. Se procurarmos nas escolas algum alívio arquitetônico, seremos oprimidos pela mesmice.
Nas escolas infantis seremos derrotados pelas paredes internas coloridas, o exterior branco, um tanto de verde no paisagismo e um ar pseudofeliz de todos os adultos. As crianças têm e emprestam o animus que acende essa mesmice mesmo quando elas são uniformizadas com a exaustiva roupinha que faz delas um clichê ambulante.
As cores dos carros refletem, sim, um conservadorismo tribal. Como uniformes infantis. Somos criaturas de hábito, e esses hábitos miram a segurança. O alvo é o pertencer. Como se camaleões fôssemos, queremos evitar o realce. Estaremos mais protegidos dos inimigos, do roubo, do acidente, se escolhermos a mesmice. Camuflados pela perda de identidade, podemos relaxar.
Mas isso não é rota para a escola. É hora de começarmos a inovar. Não é outra a razão para a sala de aula, mesmo nestes tempos digitais, ter a mesma cara de 1860. Há muito tempo deveríamos ter abolido as carteiras, a lousa (e seus fac-símiles), e mesmo o edifício da escola como centro da educação.
Está na hora de pensarmos em diminuir a uniformidade que começa no infantil e que forma esses adultos que têm medo de escolher um carro ou roupa mais coloridos.
Centrar a educação em um aluno por vez não passa de clichê. Pensemos no que a escola pode arriscar, para que termine esta linha de montagem igualzinha, que produz estes adultos iguaizinhos para este mercado de trabalho igualzinho.
Mesmo tendo um carro prata, e o da minha esposa sendo preto, conclamo: haja uniformidade, minha gente, haja preto e prata.

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