segunda-feira, setembro 05, 2011

PAULO GUEDES - A arriscada mudança na política econômica


A arriscada mudança na política econômica
PAULO GUEDES
REVISTA ÉPOCA

Está em curso uma desejável, importante, mas altamente arriscada mudança de orientação na política macroeconômica brasileira. O primeiro sinal foram as declarações da presidente quanto à conveniência de criar espaço para a redução das taxas de juros. O segundo sinal foi o anúncio do maior controle dos gastos públicos. E o terceiro sinal é dado agora pelo Banco Central, que acaba de derrubar os juros para 12% ao ano, como exigia a presidente.

A mudança de dosagens monetária e fiscal por meio de melhor coordenação macroeconômica é desejável. O Plano Real tornou-se o mais longo programa de estabilização da história universal exatamente por essa falta de coordenação, em particular por não ter havido a necessária mudança no regime fiscal. Sem o controle dos gastos públicos, o peso do combate anti-inflacionário esteve sempre sobre os ombros do Banco Central. Por isso, mereceu atenção o anúncio do ministro da Fazenda de que haveria maior controle dos gastos públicos. Parece ter ficado para trás o expansionismo fiscal que marcou o esforço anticíclico do governo no período 2008-2010. Isso permitiria menor dose de aperto monetário para o cumprimento das metas de inflação.

É a primeira vez que o Banco Central dá um cavalo de pau sobre os juros que pratica: após cinco rodadas sucessivas de elevação, sem nem mesmo dar uma parada no alto, desceu abruptamente a taxa. As explicações do Comitê de Política Monetária em seu longo comunicado baseiam-se tanto na maior cooperação da política fiscal quanto na forte desaceleração do crescimento global.

O curioso é que, ao longo dos últimos meses, tanto no Brasil quanto no resto do mundo, houve desaceleração no ritmo de crescimento, mas também gradual elevação das taxas de inflação. Mas, ao contrário do que acontece na física, em economia os átomos raciocinam. Processam informações aparentemente semelhantes de forma diferente. Porque o importante não é o que já passou, mas sim as expectativas quanto ao futuro. Portanto, no Brasil, as expectativas de uma inflação ascendente estavam empurrando os juros para cima. Já nos Estados Unidos, as expectativas de maior esfriamento da produção derrubam os juros.

Os fantasmas sabem para quem aparecem. Os pesadelos brasileiros são a hiperinflação e a dissolução da moeda nacional, enquanto os pavores americanos são a Grande Depressão e o desemprego em massa. Enquanto apertávamos aqui o torniquete monetário, prosseguia lá a enxurrada de liquidez.

Se não houver o anunciado controle do gasto, o BC seguirá sozinho, à espera de uma ajuda que não vem

A reconfiguração fiscal e monetária que ensaiamos agora é extremamente importante por seus impactos sobre os ritmos de atividade produtiva e de geração de empregos. Em uma economia exposta à mobilidade de capitais internacionais e à flutuação cambial como a brasileira, a combinação anterior do expansionismo fiscal com a aplicação de freios monetários é extraordinariamente perversa. A alta dos juros e o afundamento do câmbio terminam por anular quaisquer efeitos de estímulo fiscal e ampliam substancialmente o potencial recessivo da política monetária. Já esta nova configuração de maior controle fiscal e menor aperto monetário permite a redução dos juros e a subida da taxa de câmbio, estimulando a produção e a criação de empregos.

Mas há enormes riscos na transição. Tudo depende da mudança efetiva no regime fiscal. Se o discurso de melhor coordenação de instrumentos e maior controle de gastos públicos for apenas uma fachada, uma desculpa esfarrapada para a redução dos juros, os resultados serão desastrosos. A inflação teria perdido a âncora das metas inflacionárias por interferência indevida da presidente, irresponsabilidade da Fazenda e desleixo do BC, que teria se iludido a respeito de uma ajuda fiscal que não veio ou simplesmente obedecido a ordens superiores para derrubar artificialmente os juros. Em qualquer das hipóteses, a perda de credibilidade e reputação das autoridades aumentaria enormemente o sacrifício da produção e do emprego em futuros esforços anti-inflacionários.

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